Nos últimos dias, só se fala do Clubhouse, a rede social de áudio ao vivo — e cuja existência eu ignorava completamente até a última segunda.
Além de artigos muito úteis em alguns veículos de negócios que acompanho, de queixas feitas por amigos em outras redes sociais sobre o advento de mais uma rede para nos roubar o tempo da vida real, também passei a ser bombardeada, como muita gente, por flyers de eventos no clube do momento.
Nesta semana, muitas pessoas da minha rede profissional de contatos passaram a divulgar encontros que discutiriam temas como negócios de impacto e capitalismo consciente.
Uma dessas pessoas narrou como tem sido incrível poder navegar por inúmeras salas em que se discutem temas relacionados à sustentabilidade em alto nível, com muito aprendizado.
Outra falou de uma roda sobre alimentos orgânicos e pequenos produtores. Tudo muito interessante.
Mas então um incômodo começou a se instalar.
Num tempo em que o debate sobre a inclusão — de raça, de gênero, de classe etc — está mais aquecido do que nunca, é impressionante que uma rede cresça exponencialmente vendendo a ideia da exclusividade.
Por enquanto o Clubhouse só pode ser acessado por quem tem aparelhos iPhone, porque o aplicativo por enquanto só está disponível no sistema operacional iOS. Isso, por si só, gera exclusão. No Brasil, 90% dos smartphones são Android.
Neste quase um ano de existência (o Clubhouse foi lançado em março de 2020), a rede avançou apenas entre usuários de iPhones e de dezembro para cá acelerou, com o número de participantes no mundo saltando de 600 mil para 6 milhões.
É comum que redes e outros apps percorram caminho semelhante. Primeiro são testados em iOS ou Android para depois serem disponibilizados no outro sistema.
Mas o Clubhouse tem a ideia de exclusividade como estratégia de crescimento — a começar pelo nome.
A rede usa o que se chama de estratégia “Velvet Rope”. Sabe aqueles cordões de veludo que (nada) sutilmente delimitam uma área vip do resto? É isso.
Só se cadastra no Clubhouse quem recebeu o convite de alguém. Cada um dos participantes só pode convidar outros dois.
Com o buzz todo que se criou, não é difícil imaginar os efeitos da escassez. Quem consegue o cobiçado convite, logo se sente especial. E, por analogia, quem está fora…está fora.
Essa exclusividade cria o famoso FOMO ou fear of missing out (que todo mundo que escreveu sobre a rede já mencionou), que nada mais é que o medo de estar perdendo algo sensacional.
“Ok, mas o Facebook começou assim”, você pode estar pensando. Mas isso foi há 15 anos. E olha onde viemos parar.
O que foi pensado para dar voz e ampliar o debate acabou criando cercadinhos, multiplicando discurso de ódio e agravando a polarização.
Será que a nova rede não vai pelo mesmo caminho? O Clubhouse nasceu sem uma política clara de moderação — e não são raros os relatos de misoginia, homofobia e antissemitismo. O fato de que as conversas não são gravadas e que tudo desaparece no ar assim que o evento se encerra é um incentivo para que muita gente emita opiniões sem qualquer filtro.
Quem tem navegado pelas várias salas de bate-papo do Clubhouse se encanta com a facilidade com que é possível estar próximo e ouvir pessoas que seriam inacessíveis aqui fora. Empresários, celebridades, todo mundo batendo papo sem roteiro. É possível seguir assuntos do seu interesse, entrar em salas temáticas.
Certamente é uma forma de democratizar o acesso à informação.
No entanto, já há quem se queixe que a estrutura ajuda a manter um certo status quo, já que as salas obedecem a uma hierarquia (ou seria uma organização?).
As conversas têm curadoria e, portanto, para ser “speaker” e ter direito a falar é preciso ser designado para isso. Tem uma segunda classe que são os “seguidos pelos speakers” que podem fazer perguntas e participar da conversa. E tem os que estão ali apenas para ouvir mesmo.
É a mesma lógica de uma palestra ou debate para que os eventos sejam produtivos e não acabe tudo em mesa de bar.
Mas até que ponto isso fura a bolha?
Ninguém sabe se o Clubhouse vai efetivamente vingar ou se é só uma moda passageira.
Mas é prudente pensar nas consequências inesperadas. E no que podemos estar alimentando para nos sentirmos ‘in’.
* Vanessa Adachi é jornalista e cofundadora do Reset.