
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (1), a isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais, por 493 votos a zero. O texto agora segue para o Senado. A proposta feita pelo governo ao Congresso foi uma das principais promessas eleitorais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e deve beneficiar 16 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Fazenda.
Nunca antes o Brasil chegou tão próximo de uma proposta concreta para taxar os super-ricos. Ela ganhou popularidade e a adesão de bilionários nacionais.
O custo para os cofres públicos da isenção para quem ganha até R$ 5 mil e descontos para rendas até R$ 7.350 mil mensais foi estimado em R$ 31,25 bilhões, segundo cálculos do relator Arthur Lira (PP-AL). A legislação obriga a indicação de uma fonte de compensação para cada queda de receita. Para compensar, um imposto mínimo será aplicado aos contribuintes de alta renda, que ganham acima de R$ 600 mil ao ano, escalonado até o limite de 10% para rendas até R$ 1,2 milhão anuais.
Esse novo imposto, que ficou conhecido como “taxação dos super-ricos”, afetaria 140 mil pessoas, ou seja, 0,2% da população brasileira.
Ao todo, o texto do projeto de lei recebeu 53 emendas, quase todas pautadas pela oposição. Nenhuma delas foi aprovada. O relator do projeto bloqueou emendas que colocassem em risco os “cálculos tributários” ou que não indicassem fonte de recursos para compensação da perda de arredação.
A única mudança aprovada foi do próprio Lira: uma regra de transição, com taxação de lucros e dividendos sendo cobrada apenas em 2027, referentes aos ganhos obtidos em 2026.
Os mais ricos estruturam seus rendimentos via lucros e dividendos, fundos exclusivos ou ativos offshore, que hoje são isentos ou que têm tributação considerada baixa, o que reduz sua carga tributária. Pelas regras propostas pelo PL, os super-ricos teriam que somar todos esses rendimentos e pagar a diferença, caso a alíquota efetiva seja inferior à mínima exigida (10%).
Segundo estudo do Instituto de Justiça Fiscal (IJF) e da Oxfam Brasil, os super-ricos têm no Brasil uma alíquota efetiva média de 2% a 4% sobre a renda total. Na outra ponta, os 10% mais pobres pagam, em média, 32% da renda em impostos, com a arrecadação recaindo mais sobre trabalhadores com carteira assinada, que têm imposto recolhido na fonte.
Emendas
Quase 70% das emendas apresentadas pelos deputados teriam impacto negativo sobre o objetivo de tornar a distribuição da carga tributária mais justa. A avaliação é de um trabalho do instituto MaisProgresso.org. Eles apontam que 37 proposições ampliariam isenções, criariam brechas ao imposto mínimo ou reduziriam a arrecadação, prejudicando o caráter redistributivo da proposta.
O levantamento mostra que 44 emendas (83%) atendem a algum grupo específico, como o agronegócio, pessoas físicas de alta renda e empresas em regimes favorecidos. Também apresentavam pedidos de alívio tributário para cartórios, agentes da segurança pública, tutores de animais domésticos e turistas brasileiros. O Partido Liberal (PL), que lidera a oposição, foi o partido que mais apresentou emendas.
Histórico
Previsto na Constituição de 1988, a taxação de fortunas nunca saiu do papel. Em 2020, com a pandemia de Covid-19 agravando a crise socioeconômica, o tema ganhou força na sociedade civil. Mas foi em 2024 que a pauta chegou à mesa do G20, durante a presidência brasileira do grupo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs um imposto mínimo global de 2% sobre grandes fortunas, iniciativa que ganhou apoio internacional.
A proposta de imposto mínimo do G20 é do economista francês Gabriel Zucman, que roda o mundo defendendo um padrão global de taxação para fechar as brechas usadas pelos ultra ricos para driblar os impostos.
Dados da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda mostram que, entre os contribuintes que ganham mais de R$ 1 milhão por ano, mais de 60% pagam menos do que 10% de alíquota efetiva de imposto de renda. Entre os de renda superior a R$ 4,8 milhões anuais, a alíquota é de 6,3% – abaixo dos 7,5% pagos por contribuintes com renda entre R$ 6 mil e R$ 10 mil mensais.
Em entrevista ao Reset em julho, Débora Freire, subsecretária de política fiscal do Ministério da Fazenda, afirmou que um dos grandes problemas tributários do Brasil é a regressividade.
Nesse modelo, os tributos são mais voltados sobre o consumo, incidindo com a mesma alíquota sobre todos, pesando no bolso dos mais pobres. Já impostos progressivos, como o de renda, aumentam de forma proporcional à capacidade de pagamento.
O fato da economia ter uma alta taxa de informalidade ajuda a explicar o modelo. No primeiro trimestre de 2025, a taxa de informalidade do país foi de 37,9% entre os trabalhadores. Sem salário formal para taxar, o sistema tributário fez isso via consumo.
“Isso é ruim do ponto de vista da eficiência econômica e redução de desigualdades”, disse.
Apoios de peso
A campanha pela taxação ganhou as redes sociais e as ruas e conta com o apoio inédito de alguns bilionários brasileiros – lá fora, pares como Abigail Disney, Bill Gates e Warren Buffett já defenderam maior tributação sobre altas rendas.
O cineasta vencedor do Oscar Walter Salles afirmou publicamente que ele e os demais ricos do país deveriam pagar mais impostos para corrigir as distorções do sistema tributário brasileiro, que cobra proporcionalmente mais de quem tem menos – ele é um dos herdeiros do banco Itaú Unibanco e tem fortuna avaliada em R$ 25 bilhões pela Forbes.
O acionista controlador da Porto Seguro, Jayme Garfinkel, também apoiou a proposta. “Eu recebo dividendos e rendimentos de investimento, que são isentos. Na hora H, não pago imposto de renda efetivo”, disse em entrevista ao Reset.