
Quando se pensa em reciclagem, muita gente ainda acredita naquela velha história de que uma andorinha só não faz verão. De que adianta destinar corretamente uma lata de ervilha do lixo de casa, se outras pessoas não fazem a mesma coisa?
Mas, sim, adianta. Reciclagem e, mais amplamente, economia circular são responsabilidade de todos, também do consumidor. O Brasil produz cerca de 80 milhões de toneladas de lixo por ano, segundo estimativas da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA). Construir políticas e ações para reaproveitar, reciclar e diminuir a quantidade e o impacto deste lixo é um desafio não apenas no país, mas no mundo todo.
Um passo importante rumo a essa construção foi dado no último dia 8, com a aprovação do Plano Nacional de Economia Circular, que detalha diretrizes e linhas de ação em prol da circularidade no Brasil. São 18 objetivos e mais de 70 ações, apoiados sobre cinco eixos – ambiente normativo; inovação e educação; redução de resíduos; instrumentos financeiros e articulação interfederativa.
Assim como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), publicada em 2010, o plano prevê a responsabilidade compartilhada na gestão de resíduos, envolvendo governo, empresas e cidadãos.
Gestora do Mãos Pro Futuro, sistema pioneiro de logística reversa criado em 2006, quatro anos antes da PNRS, a ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos) participa do fórum que construiu a muitas mãos o novo plano. Organizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), ele é constituído por 36 representantes de ministérios, agências nacionais, instituições públicas, empresariais e sindicais, além de organizações da sociedade civil.
Na última década, o Mãos Pro Futuro atingiu a marca de mais de um milhão de toneladas de embalagens recuperadas e corretamente destinadas à reciclagem. O sucesso do programa antecipou soluções que serviram de ponto de partida em diálogos com o poder público na construção de políticas e práticas de logística reversa. “Mesmo anterior a elas, sua estrutura coletiva atende à legislação brasileira e aos padrões internacionais, como os exigidos na União Europeia”, explica Fábio Brasiliano, diretor de desenvolvimento sustentável da ABIHPEC.
“Vemos o Mãos Pro Futuro como um modelo exemplar de logística reversa baseado na responsabilidade compartilhada”, diz Wagner Orlandi, líder de relações governamentais e políticas da Kenvue, uma das cerca de 200 empresas participantes do programa. “Indústria, consumidores, autoridades públicas e coletores têm papéis complementares e indispensáveis para o sucesso da cadeia de reciclagem no Brasil.”
Um problema de todos
O conceito de responsabilidade compartilhada está presente e guia o Mãos Pro Futuro desde o seu início. Posterior ao programa, a PNRS define o termo como “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos”.
“Sabemos que responsabilidade compartilhada é o pilar de um futuro mais sustentável”, diz Luis Meyer, diretor de ESG do Grupo Boticário, também participante do programa. “Essa é uma jornada coletiva, em que cada elo assume responsabilidades e possui um papel essencial: o consumidor, ao descartar corretamente seus produtos em pontos de coleta; a indústria, ao investir e estimular a adoção de soluções inovadoras; as cooperativas de catadores, que realizam a coleta, triagem e destinação correta dos materiais; e o poder público, como agente regulador e incentivador das boas práticas.”
A Natura, outra empresa aderente ao Mãos Pro Futuro, também reforça a importância da responsabilidade compartilhada. “Cabe ao poder público garantir infraestrutura de coleta seletiva, promover políticas públicas de incentivo à economia circular e regulamentar esse ecossistema. À indústria, cabe inovar em produtos e modelos de negócio mais sustentáveis, além de apoiar e investir na cadeia de reciclagem. Os consumidores contribuem com escolhas conscientes e o descarte adequado de resíduos. Já as organizações de catadores são protagonistas na revalorização dos materiais recicláveis, e é fundamental que sejam reconhecidas, remuneradas de forma justa e incluídas nas soluções de forma estruturada”, diz Fernanda Facchini, líder de mudanças climáticas e economia circular da empresa.
Valorização dos catadores
Conduzido em parceria com a Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados), a ABIPLA (Associação Brasileira de Produtos de Limpeza e Afins) e a Abrafati (Associação Brasileira de Fabricantes de Tintas), o Mãos Pro Futuro sempre ressaltou o papel e fortaleceu a inclusão socioeconômica dos catadores.
Atualmente são cerca de 200 organizações de catadores parceiras e quase 6 mil profissionais da reciclagem diretamente beneficiados. Em 2023, a renda média mensal dos catadores parceiros foi cerca de 15% superior ao salário mínimo nacional.
Outras diretrizes da PNRS e de legislações globais também têm convergência com o programa. “Ele tem uma infraestrutura robusta para coleta, triagem e destinação adequada de resíduos recicláveis, com abrangência nacional”, diz Fábio Brasiliano. “Além de gestão transparente, com divulgação de metas, indicadores e relatórios públicos, assegurando prestação de contas e viabilizando o controle social.”
A responsabilidade estendida do produtor (EPR), mencionada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que compreende 38 países, foi implementada voluntariamente no programa, com governança setorial.
Quanto aos consumidores finais, Brasiliano lembra que o comportamento de cada cidadão só muda se houver campanhas de conscientização. “A PNRS e decretos estaduais vigentes trazem a premissa de que programas como o Mãos Pro Futuro precisam focar em educação ambiental”, ele diz.
Em 2023, o programa investiu cerca de R$ 1 milhão em educação ambiental. “Mutirões em praças e praias, ações em escolas e o fortalecimento com as prefeituras e governos estaduais têm um importante papel neste sentido. As ações em mídias digitais também aproximam o consumidor da pauta sobre reciclagem, além de reforçar seu papel para a cadeia”, explica o diretor.
Sabendo que muitos ainda hesitam sobre o que é ou não reciclável, e de como deve ser o descarte, o executivo orienta: “Na dúvida, jogue sempre a embalagem no lixo reciclável. Nas cooperativas há gente especializada para fazer a triagem correta.”