O protagonismo do sistema financeiro na década decisiva do clima

O tão aguardado ano da COP30 chegou e realizar a conferência no Pará, no coração da Amazônia Oriental, carrega um simbolismo poderoso e desperta uma pergunta inevitável: será que, desta vez, vamos conseguir avançar? 

A dúvida lembra o clima de incerteza de dez anos atrás, quando as metas do Acordo de Paris ainda pareciam um compromisso distante. Hoje, 2030 está logo ali, e o mundo se vê pressionado a entregar resultados concretos diante de uma crise que já não é teórica.

Trabalho com sustentabilidade há quase duas décadas. Nesse tempo, vi essa agenda mudar de foco e de tom. Já foi tratada como um tema ambiental, centrado em florestas e poluição. Ganhou contornos sociais, incorporou diversidade, saúde mental e questões demográficas. O que antes era visto como um problema isolado da natureza passou a ser compreendido como parte de um sistema interdependente, no qual clima, economia e sociedade formam uma única equação.

Nesse contexto, sediar uma COP na Amazônia representa mais do que uma escolha geográfica, é um marco simbólico no esforço global de enfrentar a crise climática. O Brasil, que protagonizou a Rio-92, volta ao centro do debate global em um momento crítico. 

Lá atrás, começávamos a tratar o aquecimento global como uma ameaça existencial. Hoje, essa ameaça é concreta. As enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, deixaram claro que a mudança climática já invadiu o cotidiano de cidades, empresas e famílias.

Lacuna de emissões

O que se espera da COP30 é que os países saiam do evento com compromissos sólidos, acompanhados de planos de ação claros e apoio financeiro aos mais vulneráveis. No entanto, as negociações seguem travadas. Apesar do discurso sobre neutralidade climática, ainda falta consenso sobre o que seria, de fato, uma transição justa. A disparidade entre intenção e prática é visível nos números.

O Acordo de Paris previa limitar o aquecimento global a “bem abaixo” de 2°C, buscando idealmente os 1,5°C. Para isso, seria necessário reduzir as emissões globais em 43% até 2030, com base em 2019. No entanto, o Emissions Gap Report de 2024 revela outro cenário: com as políticas atuais, o mundo caminha para 3,1°C. Mesmo se todos os compromissos internacionais forem cumpridos, ainda chegaríamos a 2,6°C, o que significa um desvio significativo.

O principal entrave segue sendo a dependência de combustíveis fósseis, que ainda respondem por quase 60% da geração de energia no planeta. Essa lacuna entre metas e realidade é o reflexo direto das decisões que estamos tomando ou adiando. A escolha é clara: ou enfrentamos a transição com planejamento, ou lidamos com os efeitos de um colapso progressivo.

Atuação dos bancos

Nesse cenário, o sistema financeiro tem papel decisivo. De coadjuvante, passou a protagonista.

A ação climática está na convicção institucional e na capacidade de transformar promessas em prática. Isso mostra que, sem coordenação entre governos, empresas e reguladores, as metas globais não se concretizam.

No Brasil, o Bradesco é um exemplo de consistência nessa trajetória. Desde 2007, neutraliza suas emissões diretas e, desde 2020, opera com 100% de energia renovável. A partir de 2019, passou a contabilizar também as emissões indiretas de sua cadeia de valor, conhecidas como Escopo 3. Sua gestora, a Bradesco Asset, calcula e acompanha as emissões financiadas dos portfólios, avaliando os impactos que a precificação de carbono e a transição climática podem gerar nos ativos sob gestão.

Enquanto parte do sistema financeiro internacional hesita, o banco avança com coerência. E é essa coerência que separa um discurso institucional de uma estratégia sustentável. O ESG também tem amadurecido nesse processo. Deixou de ser uma vitrine de reputação para se tornar um instrumento de gestão de riscos, geração de valor e preparação para o futuro.

Temas menos relevantes estão sendo filtrados naturalmente, enquanto as soluções mais maduras nascem integradas ao negócio. Esse movimento é fortalecido por padrões internacionais, como os novos IFRS S1 e S2, que trazem mais comparabilidade e transparência às informações financeiras relacionadas à sustentabilidade. Diversos países já caminham nessa direção, embora ainda falte uma convergência global mais clara.

Apesar das tensões políticas e dos desafios econômicos, não há sinal de retrocesso. O que se observa é uma desaceleração natural, necessária para que o debate ganhe profundidade e as políticas de transição se tornem mais realistas. As empresas que realmente lideram esse processo são aquelas que integram dados financeiros com metas de impacto, atuando sobre o que é material para seu setor.

Olhando para o futuro, o papel do capital será cada vez mais determinante. O desafio já não é mais escolher entre retorno e impacto. A nova economia exige compreender que um não se sustenta sem o outro. Sustentabilidade é, também, gestão inteligente de riscos e construção de resiliência. 

A década decisiva já começou e o que vai diferenciar os protagonistas dos espectadores é a capacidade de transformar convicção em ação, antes que o tempo se esgote.

* Felipe Puppi é ESG Analyst (Specialist) do Bradesco Asset Management