O momento para se preparar para o disclosure climático é agora

Cresce o escrutínio de investidores, do regulador e de outros stakeholders, e as companhias abertas terão que se preparar

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Mattos Filho

O momento para se preparar para o disclosure climático é agora
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Não é de hoje que os investidores têm olhado de forma mais atenta para as questões relacionadas à sustentabilidade e, conforme demonstra estudo recente da PwC resultante de uma pesquisa com mais de 345 investidores no Brasil e no mundo, atualmente 75% destes querem saber o impacto que uma empresa gera para o meio ambiente e para a sociedade.

Dentre as informações que os investidores têm buscado, há certamente um foco relevante nos riscos e nas oportunidades relacionadas às mudanças climáticas, mas ainda existe um grande desafio para que os investidores possam tomar suas decisões orientadas pelos aspectos climáticos de forma segura e eficiente: a dificuldade de se ter divulgações que sejam claras, consistentes, comparáveis e confiáveis.

Diversas medidas vêm sendo adotadas nos últimos anos para enfrentar esse problema, seja por meio da elaboração de padrões e recomendações não vinculantes, como ocorreu com as recomendações da Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD) lançadas em 2017, seja por meio da imposição de obrigação de disclosure climático via regulação, a exemplo da Corporate Sustainability Reporting Directive da União Europeia e das novas regras divulgadas pela Securities and Exchange Comission (SEC).

No caso brasileiro, temos um mix das duas abordagens. Isso porque a Resolução nº 193/2023 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), publicada em outubro de 2023, estabeleceu que, a partir do exercício social de 2026, as companhias abertas brasileiras deverão elaborar e divulgar Relatórios de Informações Financeiras relacionadas à sustentabilidade seguindo os padrões do International Sustainability Standards Board (ISSB), que originalmente seriam voluntários. 

O ISSB consiste em órgão independente criado em 2021 pela IFRS Foundation com o objetivo primordial de desenvolver padrões globais de divulgações de sustentabilidade, de modo a satisfazer as necessidades dos investidores por informações confiáveis e comparáveis.  

Em junho de 2023, o ISSB anunciou seus dois primeiros padrões: IFRS S1 e IFRS S2, que apresentam, respectivamente, requisitos gerais para divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade e para divulgação de informações financeiras relacionadas ao clima (que acabou por incorporar integralmente as recomendações da TCFD, a qual será descontinuada). 

Ambos possuem estrutura semelhante para o reporte, exigindo informações que permitam aos investidores compreender os riscos e as oportunidades associados à sustentabilidade (S1) e ao clima (S2) a partir de quatro pilares principais: 

  • governança: relaciona-se aos processos, controles e procedimentos de governança da empresa para monitorar, gerenciar e supervisionar riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade (S1) e ao clima (S2); 
  • estratégia: relaciona-se à estratégia da empresa para gerenciar riscos e oportunidades associados a tais assuntos; 
  • gerenciamento de riscos: diz respeito aos processos da empresa para identificar, avaliar, priorizar e monitorar referidos riscos e oportunidades; e 
  • métricas e metas: relaciona-se às informações que permitam aos investidores entender o desempenho de uma empresa em relação aos seus riscos e oportunidades relacionados a tais temáticas, incluindo o progresso em direção às metas estabelecidas pela empresa ou metas cujo cumprimento seja exigido por lei ou regulamento.

A promulgação da Resolução CVM 193 foi considerada pioneira, tendo em vista que o Brasil foi o primeiro país a assumir o compromisso formal de exigir um Relatório de Informações Financeiras com base nos padrões IFRS S1 e IFRS S2. O intuito da adoção dos padrões do ISSB para a elaboração de tal relatório é trazer maior transparência, confiabilidade e comparabilidade das informações. Ressalta-se que se trata de documento diverso do tradicional relatório de sustentabilidade e das demonstrações financeiras – ainda que possam ter eventuais conteúdos sobrepostos e devam possuir sinergia e coerência das informações. 

A norma ainda prevê que, a partir do exercício social de 2024, a elaboração e divulgação do Relatório de Informações Financeiras para a sustentabilidade é voluntária, exigindo asseguração limitada. Mas, a partir do exercício social de 2026, referidos relatórios serão obrigatórios às companhias abertas e deverão ser objeto de asseguração razoável por auditor independente registrado na CVM, o que exige um processo criterioso de análise e pode ser um importante mecanismo para combater a prática de greenwashing

Se, por um lado, é possível que essa medida reduza os mencionados desafios dos investidores em relação à tomada de decisão de investimento com base nos riscos e oportunidades climáticos – ao menos em relação às companhias abertas brasileiras -, por outro lado há o risco relevante de que a norma acabe se tornando um catalisador de um já crescente movimento de ajuizamento de litígios climáticos em face de empresas, seja para questionar a suficiência e a veracidade das informações divulgadas ou até mesmo para questionar a adequação das políticas e práticas adotadas.

O que realmente ocorrerá, somente a experiência a partir da vigência da norma poderá demonstrar. No entanto, o que fica claro é que há um escrutínio cada vez maior das informações climáticas por parte dos investidores, do regulador e de outros stakeholders, e as companhias abertas brasileiras terão que se preparar não só para se adequarem às novas exigências regulatórias de disclosure, mas também para adotar condutas cada vez mais consistentes para o gerenciamento de riscos e oportunidades climáticos.

* Antonio Augusto Reis é sócio das práticas práticas de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas e ESG no Mattos Filho. Tábata Guerra é advogada das práticas de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas e ESG. Gabriela Cabral é advogada das práticas de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas e ESG.

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