
Não existiria reciclagem no Brasil sem os catadores, agentes fundamentais na transformação de resíduos. É isso o que reitera diariamente o Mãos Pro Futuro, programa pioneiro de logística reversa no país, que já reciclou mais de 1 milhão de toneladas de resíduos desde sua criação, em 2006.
Mais do que reconhecer a importância destes profissionais, o programa desde o início adotou um modelo de operação estruturante, ou seja, que gerencia todos os elos e processos, do consumidor à transformação do resíduo em nova matéria-prima.
Os números mostram a importância desta visão integrada para bons resultados. No ano passado, o Mãos Pro Futuro manteve parceria ativa com 199 cooperativas e associações de catadores, beneficiando cerca de 5.500 profissionais da reciclagem diretamente, em 174 municípios brasileiros.
As cooperativas parceiras do programa geraram R$ 114 milhões de receita bruta anual com a comercialização de materiais, o que representa R$ 572 mil de receita bruta média anual por cooperativa e cerca de R$ 1700 de renda média mensal para cada catador parceiro. É um valor 20% acima do salário mínimo do país em 2024 (R$ 1412).
Investimento nas cooperativas
Também em 2024, foram investidos cerca de R$ 21,5 milhões no fortalecimento da base operacional do programa, com foco direto na estruturação de cooperativas e associações parceiras.
Os recursos viabilizaram a aquisição de equipamentos, melhorias em infraestrutura, capacitações técnicas e apoio à formalização, contribuindo para o aumento da produtividade, da segurança e da rastreabilidade dos materiais recicláveis triados e também para a promoção de autonomia, eficiência e amadurecimento na gestão das cooperativas parceiras.
“Os catadores são um foco importante desde o nascimento do Mãos Pro Futuro. Hoje já existe um arcabouço regulatório que valoriza o papel da categoria na cadeia de reciclagem, mas o programa é anterior a ele”, diz Fábio Brasiliano, diretor de desenvolvimento sustentável da ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).
A associação estruturou e fundou o programa no modelo estruturante quatro anos antes do lançamento do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – e ele serviu de inspiração para muitas regulações que vieram depois. Entre elas está o Decreto nº 11.413, de 2023, que estabeleceu critérios para a gestão, monitoramento e rastreabilidade da reciclagem, visando a inclusão dos catadores e cooperativas na cadeia produtiva.
Equipamentos e aumento de produtividade
Para as cooperativas, poder contar com os investimentos e a estrutura de um programa sólido e abrangente foi sinônimo de muitas mudanças importantes. Para Telines Nascimento, o Carioca, presidente da (Cooperativa de Coleta Seletiva da Capela do Socorro), uma das maiores de São Paulo, a chegada do Mãos Pro Futuro transformou a realidade local.
“Todo o investimento que recebemos foi revertido em equipamentos, permitindo que a gente aumentasse não só a renda dos cooperados, mas também a capacidade produtiva e a qualidade de trabalho destes homens e mulheres”, ele diz. “A estrutura de chão de fabrica tornou o ambiente da cooperativa mais saudável, mais salubre, melhorando a performance e a autoestima da categoria.”
A COOPERCAPS tem cinco unidades de reciclagem, todas na zona sul da capital, e reúne 380 cooperados que processam quase 2 mil toneladas de resíduos por mês. “Há desde jovens de 18 anos em seu primeiro emprego até egressos do sistema prisional e refugiados. Hoje 65% dos nossos cooperados são mulheres. Nosso maior objetivo é gerar emprego, renda e dignidade a cada um dos associados”, explica Nascimento, que começou a atividade há quatro décadas. “Fui morador da rua por 12 anos. Tudo o que construí e tenho hoje, consegui graças a este ofício com o lixo.”
Para Luciano Loubet, promotor de justiça do núcleo ambiental do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, aliar impacto ambiental e social, sempre com uma visão inclusiva, é o ponto forte do Mãos Pro Futuro. “É um programa que valoriza muito o trabalho dos catadores, atuando na estruturação e melhoria da qualidade de vida dessa população. Ele utiliza os créditos de logística reversa como estratégia para que, além de maior circularidade na economia, também sirva para agregar maior valor a este importante elo da cadeia de reciclagem”, diz.
Visão a longo prazo
O modelo do Mãos Pro Futuro prevê desenvolvimento em etapas, em um período médio de cinco anos. As cooperativas e associações começam recebendo investimentos em capacitação, infraestrutura, equipamentos e educação ambiental. Conforme ganham maturidade operacional e administrativa, tornam-se elegíveis para os contratos de Transferência Direta de Recursos (TDR).
Esses contratos são direcionados a cooperativas que já passaram pelas fases anteriores de estruturação e apresentam bom desempenho técnico e gerencial. Elas passam a receber valores por tonelada efetivamente recuperada e documentada, assumindo a gestão direta dos recursos. O programa exige que pelo menos 15% sejam reinvestidos manutenção ou compra de novos equipamentos e infraestrutura.
Mesmo as cooperativas que já têm contratos TDR continuam tendo acompanhamento técnico contínuo do programa, o que garante a transparência do processo, a rastreabilidade e acuracidade dos dados e a melhoria contínua da operação.
O Mãos Pro Futuro é mantido pela ABIHPEC em parceria com outros quatro setores: a Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados), a ABIPLA (Associação Brasileira de Produtos de Limpeza e Afins), a Abrafati (Associação Brasileira de Fabricantes de Tintas) e a Abióptica (Associação Brasileira das Indústrias Ópticas).
Juntas, as associações representam cerca de 200 empresas aderentes, entre elas grandes empresas nacionais e multinacionais como Natura, Grupo Boticário, P&G, Unilever, Bombril, Bauducco, Mondelez, Wickbold e Sherwin-Williams.