O dia em que a Terra entra no cheque especial ambiental

Está na hora de empresários e gestores pensarem se já sabem como produzir mais com um terço do impacto ambiental, escrevem Artur Villela Ferreira e Gesner Oliveira

O dia em que a Terra entra no cheque especial ambiental
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Neste dia 29 de julho acontece o Dia de Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day), data nada comemorativa que marca o momento no qual a humanidade usa uma quantidade de recursos naturais equivalente à capacidade de carga do planeta.

Isso significa, na prática, que entramos no cheque especial ambiental: já consumimos todos os recursos que serão recuperados pela natureza neste ano. Nos cinco meses restantes estaremos dilapidando os estoques naturais.

Essa tendência não é novidade: nossa pegada ecológica é superior à capacidade de carga do planeta desde o final dos anos 1960. Atualmente, seriam necessários 1,7 planeta igual à Terra para suportar de maneira sustentável nosso modelo de produção e consumo.

O problema é que temos apenas um planeta, portanto, é imperativo que ajustemos nosso modo de vida aos limites físicos da biosfera. A alternativa é uma série de indesejáveis fenômenos como mudanças do clima e extinções de espécies, colocando em risco nosso modo de vida.

Dois agravantes precisam ainda ser levados em conta.

Em primeiro lugar, o consumo global está longe de ser equitativo: a maioria da população mundial não tem acesso nem aos bens e serviços mais básicos como saneamento; enquanto uma minoria tem um padrão de vida elevado.

Se todos os humanos consumissem como norte-americanos médios, seriam necessários cinco planetas para nos sustentar. Hoje, 4,1 bilhões de pessoas vivem em países com IDH abaixo de 0,75. Se essas pessoas hoje tivessem seu padrão de vida elevado ao de países acima dessa marca, como Brasil e China, a pegada ambiental da humanidade subiria 30%.

Toda discussão ambiental tem que partir dessa premissa: garantir o mínimo de dignidade para todos.

Em segundo lugar, a população global crescerá nos próximos anos: mantido o padrão atual de consumo, os 8,5 bilhões de humanos em 2030 terão uma pegada ecológica equivalente a 2,43 terras, que atingirá 2,74 planetas em 2050 e 3,07 em 2100, com uma população projetada de 10,9 bilhões.

Essas estimativas permitem avaliar os recentes compromissos de neutralidade de emissões e impacto ambiental por parte de empresas e países que estão na moda.

Será necessário triplicar a produtividade em termos ambientais das cadeias de valor em todos os setores, de agricultura a transporte, passando por indústria, e construção, nos próximos 30 anos.

Grande parte da tecnologia necessária para atingir essas metas ainda não existe. Devemos esperar também grandes mudanças nos consumidores com o aumento da preocupação ambiental, assim como investidores cada vez mais atentos a riscos e oportunidades ligados ao meio ambiente.

Está na hora de empresários e gestores pensarem: já sabemos como produziremos mais com um terço do impacto ambiental? Se a resposta for “não”, talvez seja preciso ser mais ambicioso e rigoroso no planejamento estratégico.

* Artur Villela Ferreira é sócio da Global Forest Bond e co-autor do livro Nem Negacionismo Nem Apocalipse – Economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira.

Gesner Oliveira é PhD em economia pela Universidade de Berkeley, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV),  sócio da GO Associados e co-autor do livro Nem Negacionismo Nem Apocalipse – Economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira.