CLIMA

Tribunal de Haia diz que países têm "obrigação" de proteger o clima

Considerada histórica, decisão de corte da ONU reforça Acordo de Paris e pode ser argumento jurídico em processos envolvendo Estados e empresas

Tribunal de Haia diz que países têm "obrigação" de proteger o clima

A mais alta corte da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu “a ameaça urgente e existencial representada pelas mudanças climáticas” em um parecer apresentado nesta quarta-feira (23). A Corte Internacional de Justiça (CIJ), conhecida como Tribunal de Haia, diz que os tratados sobre mudanças climáticas estabelecem “obrigações vinculativas” às nações que fazem parte deles. 

Organizações climáticas e de direitos humanos classificaram o parecer como “histórico” por estabelecer que o Estados têm obrigações jurídicas de proteger o clima e cumprir seus compromissos assumidos, entre eles os de descarbonização, conhecidas como Contribuições Nacionalmente Determinadas (as NDCs).

O trabalho das cortes internacionais é de conferir pontos de vista jurídicos sobre tratados internacionais, segundo André Castro Santos, diretor técnico da Laclima (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action). No âmbito da ONU não há, porém, um “poder de polícia” para executar decisões judiciais.

O peso de uma corte como a de Haia faz com que futuras disputas legais relacionadas ao clima levem em conta a interpretação publicada hoje. Segundo Castro Santos, o parecer traz um caráter de responsabilização jurídica. 

O parecer pode ser usado para que um país processe outro por questões como emissões, poluição e financiamento climático, exemplifica o diretor do Laclima. Também pode acelerar litígios climáticos em escala global, com tribunais pelo mundo referenciando a decisão em sentenças futuras, inclusive em processos que possuam empresas privadas como rés.

O parecer foi motivado por um pedido da Assembleia Geral da ONU, de 2023, a partir de uma campanha de Vanuatu, uma nação insular do Pacífico bastante vulnerável às mudanças climáticas, sobre as obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas e aos direitos humanos. 

“É de opinião que os tratados sobre mudanças climáticas estabelecem obrigações vinculativas para os Estados partes para garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa”, diz o parecer assinado pelo juiz Yuji Iwasawa, presidente do Tribunal de Haia. 

O documento diz que os tratados criam essas obrigações, como o Acordo de Paris, Protocolo de Quioto, Convenção do Mar, Protocolo de Montreal e Convenção da Biodiversidade.

No caso das NDCs, o Tribunal entende que, embora haja certo grau de discricionariedade por parte dos países na formulação de seus comopromissos, essa liberdade é limitada. Diz que elas devem ser “sucessivas e progressivas”. Para o juiz Iwasawa, os Estados são obrigados a agir com a devida diligência e assegurar que estejam em conformidade com as obrigações previstas no Acordo de Paris. 

“Diante da gravidade da ameaça imposta pelas mudanças climáticas, o padrão de diligência exigido para a elaboração dessas metas é elevado”, disse Iwasawa.

A Assembleia Geral da ONU submeteu duas perguntas principais ao tribunal: quais são as obrigações dos Estados, segundo o direito internacional, para proteger o clima das emissões de gases de efeito estufa? E quais são as consequências legais para os países que, ao poluir, prejudicam o sistema climático global?

Durante as duas semanas de audiências realizadas em dezembro de 2023, os países mais ricos argumentaram que os compromissos assumidos em tratados internacionais já existentes, como o Acordo de Paris de 2015, deveriam nortear as decisões da Corte. Esses acordos, no entanto, são amplamente considerados como não vinculantes.

Na direção oposta, países em desenvolvimento e pequenos Estados insulares defenderam medidas mais rígidas e juridicamente obrigatórias para conter as emissões, além de exigir apoio financeiro dos maiores emissores para lidar com os impactos da crise climática.

Vishal Prasad, diretor da organização Estudantes das Ilhas do Pacífico que lutam contra as mudanças climáticas, diz que a decisão reafirma a tese de que os que menos contribuíram para alimentar a crise climática merecem proteção, reparação e um futuro. “Esta decisão é uma tábua de salvação para as comunidades do Pacífico na linha de frente”.