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Setor privado aposta em ‘vitrine do agro sustentável’ lançada pelo governo

Plataforma Agro Brasil + Sustentável deve ajudar a capitalizar boas práticas na agropecuária e direcionar recursos de incentivo

Charton Locks, COO da Produzindo Certo; Paula Packer, Chefe da Embrapa Meio Ambiente; Lara Souza, coordenadora da Plataforma Agro Brasil + Sustentável no Ministério da Agricultura; Carlos Cerri, Diretor da CCarbon/USP

Produtores rurais no Brasil adotam, em maior ou menor grau, práticas de cultivo mais sustentáveis que em outros países – hoje conhecidas como agricultura regenerativa. As motivações não foram necessariamente os benefícios climáticos, mas de fato têm uma pegada menor de carbono. Em meio ao esforço global pela descarbonização, um dos desafios do agronegócio é provar quando boas práticas são adotadas. O “como”, porém, ainda é uma pergunta sem resposta certa.

A plataforma Agro Brasil + Sustentável (AB+S) está sendo considerada pelo setor um meio eficiente e confiável de fazer isso. “O resultado ambiental não é capitalizado pelos produtores brasileiros. E é nesse sentido que vejo a plataforma como uma ferramenta que possa consolidar e contabilizar essas práticas”, disse Charton Locks, diretor de operações COO da Produzindo Certo, no evento “Futuro regenerativo: o Agro como solução climática”, promovido pelo Reset e correalizado pela Produzindo Certo nesta quinta-feira (10). O encontro foi patrocinado por Itaú, BRF Marfrig e Natura, três dos parceiros do projeto COP30 do Reset.

Lançada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) em dezembro, a AB+S integra informações de instituições públicas e privadas para a agropecuária sustentável no país, que permitam o acesso facilitado a dados tanto por atores nacionais quanto internacionais.

Ainda em construção, a plataforma permitiu que propriedades pré-qualificadas pelas boas práticas pudessem solicitar redução de 0,5% na taxa de juros no crédito de custeio do Plano Safra. “Para um banco poder financiar essa queda na taxa, é preciso ter dados, tecnologia e conseguir monitorar as tais boas práticas. A instituição precisa saber que as boas práticas estão de fato sendo adotadas”, disse Ketlin Sfair, gerente executiva de agronegócios e agricultura familiar do Banco do Brasil, maior financiador do setor.

A plataforma está em estágios iniciais, e avança conforme o entendimento do Mapa sobre as demandas do mercado sobre o produtor rural. “Usamos o repositório de várias bases de dados oficiais e trabalhamos com informações de quase todos os Ministérios para trazer essa fotografia da propriedade rural perante a sustentabilidade da sua produção”, diz Lara Souza, coordenadora da plataforma AB+S no Mapa. “É uma grande vitrine da produção agropecuária nacional.”

Contratar certificações é a forma mais comum para comprovar práticas de agricultura regenerativa – mas o custo é elevado e inviável para produtores rurais de pequeno e médio porte. “Gera uma certa ansiedade ver que grandes resultados alcançados no campo brasileiro têm pouca capitalização do lado dos produtores que geram esses resultados”, diz Locks. 

Um desses resultados são de práticas como a fixação biológica do nitrogênio, alternativa ao uso de fertilizantes nitrogenados que emitem gases de efeito estufa como o gera óxido nitroso. As vantagens da produção de “boi China”, cujo ciclo de vida mais curto e adequação às exigências sanitárias da China têm menor pegada de carbono, também ainda são pouco reconhecidas, na avaliação do executivo. 

Harmonizar e simplificar

A avaliação do setor é que é preciso harmonizar e simplificar. Há diversas iniciativas desenvolvidas no país, mas é preciso que elas caminhem em uma mesma direção e permitam que a adoção de práticas regenerativas e seus benefícios climáticos sejam mais facilmente comprovados. 

“O Brasil precisa ajustar a conexão entre a fazenda e o que é feito na academia. A plataforma pode ser uma forma [disso ser feito]”, diz Paula Packer, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente. “É o momento de sentarmos, olharmos tudo que está sendo feito no Brasil, dos cálculos às métricas. Elas não são jabuticabas, são aceitas internacionalmente, e servem para que o produtor quebre barreiras impostas ao Brasil.”

A quantidade de carbono estocada no solo é uma das métricas de sustentabilidade da produção. Mas ela também precisa ser tropicalizada. Carlos Cerri, diretor da CCarbon, da USP, explica que as metodologias reconhecidas internacionalmente medem o carbono nos 30 primeiros centímetros do solo, pois foram desenvolvidas para cultivos em climas temperados. “Nos solos de clima tropical, o carbono está presente em mais profundidade, é preciso fazer a medição em um metro de terra para identificar o benefício”, explica. 

Segundo ele, o desafio é encontrar formas mais simples e baratas de fazer essa análise. “Ainda não encontramos um meio termo entre simplificar as avaliações sem prejudicar a qualidade da informação.”

Novidades da plataforma

A AB+S é uma plataforma que tem o produtor rural como principal cliente, diz Souza, do Mapa. Ela é gratuita, voluntária e universal, e mira abranger todas as cadeias produtivas. Essa incorporação de dados de conformidade socioambiental de diferentes produtos agropecuários é feita gradualmente, à medida que a demanda do mercado cresce e soluções tecnológicas adequadas ganham espaço. 

“Empresas de certificação, operadores, comercializadores podem ser tanto leitores de informações da plataforma, como fornecedores dessas informações, para que eles coloquem nesse repositório único o que está já sendo feito dentro das práticas de sustentabilidade, visando também o acesso a políticas públicas em que estamos direcionando incentivos ao produtor rural para continuar essas práticas de sustentabilidade”, afirma a coordenadora do Mapa. 

Por ora, a plataforma traz um panorama do atendimento à legislação nacional voltada para questões socioambientais pelo estabelecimento rural, a partir da regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR), dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Prodes e base de dados do Ministério do Trabalho.

Agora, está desenvolvendo uma solução que auxilie produtores brasileiros a comprovar seu enquadramento à legislação da União Europeia para produtos livres de desmatamento, a EUDR, que deve entrar em vigor no fim deste ano. Uma das sete culturas incorporadas pela EUDR – soja, café, cacau, madeira, carne bovina, borracha e óleo de palma – deve contar com a plataforma do Mapa ainda neste semestre. 

Soluções para apoiar no atendimento às legislações dos Estados Unidos e China que envolvam a sustentabilidade da produção agropecuária também estão em desenvolvimento.