Por que a COP29 será a hora da verdade para o clima

Discussões sobre financiamento terão implicações de longo prazo para o sucesso da cooperação internacional na luta contra o aquecimento global

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Baku, Azerbaijão – A COP29 começa hoje em Baku, a capital do Azerbaijão, com o mais complicado dos temas no topo da agenda, o espectro de Donald Trump pairando sobre os trabalhos e o futuro do Acordo de Paris em xeque.

A edição deste ano da Conferência do Clima da ONU é descrita por alguns como “intermediária”, mas o resultado esperado ao fim das duas semanas será crucial para o objetivo de manter em 1,5°C o aumento da temperatura global neste século, em comparação com a era pré-industrial.

Negociadores de quase 200 países terão de chegar a um acordo sobre uma nova meta de financiamento para que os países em desenvolvimento consigam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, se preparar para as consequências de um clima que já mudou.

O mundo também vai buscar sinais do que significa a volta de um negacionista à Casa Branca. Com o esperado desengajamento dos americanos – que pode ser formal, como no primeiro mandato de Trump –, existe o temor de que outros países estejam dispostos a tirar o pé do acelerador.

O desfecho da COP29 também terá implicações importantes para o Brasil. O que não for decidido no Azerbaijão será empurrado para Belém, daqui um ano. O problema do dinheiro, um dos mais intratáveis na diplomacia internacional, pode estourar no colo da presidência brasileira da COP.

Tudo vai depender da chamada Nova Meta Coletiva Global Quantificada, ou NCQG, na sigla em inglês. Trata-se do dinheiro que os países desenvolvidos, que enriqueceram lançando carbono na atmosfera, se comprometerão a pagar aos mais pobres, que sofrem as piores consequências sem ter contribuído para o problema.

A reunião de Baku é chamada de COP do financiamento porque o assunto precisa de resolução imediata. O acerto que está em vigor agora deixa de valer no fim de 2025.

A urgência é mais que burocrática. O combinado atual estabelece que os países ricos – essencialmente Estados Unidos, Japão, Europa Ocidental e outros como Austrália e Canadá – repassem US$ 100 bilhões anuais aos em desenvolvimento.

Mas esse total só foi alcançado uma vez – e os beneficiários do dinheiro dizem que essa cifra está longe de ser suficiente. A necessidade é estimada em trilhões.

Os países em desenvolvimento têm outras demandas. Eles querem acesso simplificado e incondicional aos recursos. Em muitos casos, o financiamento é oferecido na forma de empréstimos. Assumir mais dívidas, argumentam eles, significa perpetuar um arranjo que sufoca suas economias há décadas.

‘Show me the money’

Não existe tema mais contencioso que dinheiro na cooperação internacional. Há duas semanas, na Colômbia, a COP da Biodiversidade terminou em frustração porque não houve acordo quanto ao pagamento que os países do Sul Global dizem precisar para proteger a natureza.

É real o risco de um impasse semelhante em Baku. No meio do ano, a reunião anual que tem o objetivo de encaminhar as discussões da COP terminou sem progresso.

O documento de partida das negociações tem 173 trechos entre colchetes. Eles indicam os pontos de discordância que terão de ser resolvidos na COP29. No trecho que trata dos valores, estão listadas opções que vão de “um piso de US$ 100 bilhões” a “no mínimo US$ 1 trilhão”.

Quem vai pagar a conta também está em aberto. Os países ricos querem que a China, há anos a maior emissora de carbono do mundo, também arque com os custos. Os países do Golfo Pérsico também estão sob pressão para contribuir com seus petrodólares.

É consenso que uma porção do financiamento climático virá necessariamente de fontes privadas, mas os negociadores da COP só podem fazer promessas sobre orçamentos nacionais.

E aí entra em cena Donald Trump (metaforicamente, pois ele só assume em 20 de janeiro). O presidente americano já deixou claro inúmeras vezes que a diplomacia internacional, para ele, é transacional.

Outros líderes podem acreditar no multilateralismo, mas ainda assim têm de prestar contas domesticamente da mesma maneira. Na Europa, partidos de extrema direita vêm ganhando espaço, como se viu na metade do ano na França. Na Holanda, há um ano, o grande vencedor da eleição foi o PVV, cuja campanha se baseou num discurso nacionalista.

Os desfalques na sessão de alto nível da conferência, que acontece entre amanhã e quarta-feira, são notáveis. Luiz Inácio Lula da Silva, em recuperação de acidente doméstico, decidiu se concentrar na reunião do G20, que acontece na próxima semana no Rio.

O francês Emmanuel Macron, o alemão Olaf Scholz, o americano Joe Biden e Ursula von der Leyen, líder da Comissão Europeia, não vão a Baku. Oficialmente, os motivos não têm relação com o que será negociado – mas é difícil não interpretá-los como um sinal de esvaziamento da COP29.

Crise de confiança

O governo de Papua Nova-Guiné foi mais direto em relação a seu boicote à cúpula. O país “não vai mais tolerar promessas vazias e inação” de conferências que são um “completo desperdício de tempo”, disse o ministro das Relações Exteriores, Justin Tckatchenko.

O arquipélago do Pacífico é um dos países especialmente vulneráveis às consequências da mudança do clima. O país vai enviar seus delegados, mas nenhuma autoridade de alto escalão estará presente.

Expressar frustração nesses termos é incomum na diplomacia internacional, mas há sinais para temer por alguns pilares do Acordo de Paris.

Sem um acordo para financiamento, muitos países não terão como se comprometer com os planos nacionais de descarbonização agressivos que a ciência diz serem necessários.

Novas versões desses planos, conhecidos como NDCs, terão de ser apresentados até fevereiro do ano que vem. Os atuais, que apontam as metas até 2030, colocam o mundo numa rota de aumento da temperatura entre 2,6°C e 2,8°C.

O governo brasileiro assumiu o compromisso de manter viva a chamada Missão 1.5, uma referência a NDCs que garantam um caminho viável para o limite de 1,5°C. Representado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente), o país vai apresentar seu plano completo em Baku.

A ideia é que o país “lidere pelo exemplo”. Mas os primeiros sinais não são animadores. Na noite de sexta-feira, foram anunciadas as metas de redução de emissões para 2035. Elas ficarão entre 57% e 67%, na comparação com os níveis de 2005. O número foi amplamente criticado por analistas e entidades ambientalistas.

Como presidente da próxima conferência, o Brasil compõe uma “troika” para puxar a ambição, junto dos Emirados Árabes Unidos (presidente da COP passada) e do Azerbaijão.

Os árabes foram os primeiros do trio a protocolar sua NDC. A promessa é cortar 47% das emissões até 2035 em comparação com 2019. Ao mesmo tempo, as projeções do país são de aumento de 34% na produção de petróleo e gás natural no mesmo período – que serão queimados em casa ou no exterior.

O plano emiradense foi classificado como um “exercício em greenwashing” pela ONG internacional 350.org. O país que obteve um acordo histórico na COP28 para incluir uma redução no uso de combustíveis fósseis estaria “descaradamente minando sua própria credibilidade”, segundo a organização.

Os delegados terão de mostrar resultados para mostrar que o processo das COPs ainda merece confiança – apesar da sombra escura projetada por Donald Trump.