Contra o relógio
As negociações se aproximam do prazo oficial para encerramento da COP. A presidência afirma que a conferência termina amanhã. Os observadores duvidam.
Muitos estão frustrados com o atraso generalizado. O primeiro rascunho do chamado texto de capa, um documento que resume o consenso político obtido em Sharm el-Sheikh, só foi divulgado a 36 horas do término da COP27.
Trata-se de um texto ainda “distante” da versão final. A decisão de reduzir gradualmente a queima de carvão foi mantida. Adotada no ano passado, foi a primeira vez que uma linguagem específica a respeito de combustíveis fósseis figurou em um documento oficial das negociações do clima.
Este ano, Índia e a União Europeia querem que a definição seja expandida para todas as fontes fósseis, com as devidas ressalvas que permitam a transição energética global.
Também não há menção a um fundo para compensar as perdas e danos dos países mais vulneráveis, refletindo a dificuldade dos negociadores.
Artigo 6
O avanço também é lento nas conversas sobre os detalhes de um mercado de carbono global.
São dois os principais entraves, em dois itens separados da agenda. O primeiro diz respeito às trocas de esforços de mitigação entre países, o chamado Artigo 6.2.
Ainda não se sabe se haverá um “livro contábil” central e global para registradas essas trocas – e os consequentes créditos e descontos nas respectivas NDCs – ou se serão criados múltiplos registros que depois serão conciliados.
No Artigo 6.4, que prevê que países possam comprar créditos de entes privados para atingir suas metas nacionais, a divergência diz respeito aos chamados créditos não-autorizados (na prática, o mercado voluntário).
Algumas delegações querem que todos esses créditos sejam contabilizados de alguma maneira, mesmo que não sejam usados para desconto nas NDCs, para que haja garantias de integridade.
O Brasil, que espera ter um grande mercado de transações voluntárias, é contra.
As reuniões avançaram na madrugada desta quinta-feira, e os observadores ainda não enxergam um meio termo no horizonte.
A turnê de Lula
Depois do discurso formal na quarta-feira, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu na manhã desta quinta com cerca de 100 representantes de organizações não-governamentais brasileiras.
A reunião começou com intervenções de representantes indígenas, de movimentos jovens, organizações que defendem os direitos dos negros, cientistas e ativistas do clima.
“A gente não precisa ter medo de ouvir as coisas que não gosta”, afirmou o futuro presidente.
Mas o clima do encontro era de celebração. Lula foi recebido com cantos entusiasmados e sua fala terminou com os presentes entoando “O Brasil voltou”.
Clima e desigualdade
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma organização guarda-chuva que reúne mais de 70 ONGs ambientalistas, afirmou que o assunto da COP é indissociável da desigualdade econômica.
“Se o senhor construir uma casa no programa Minha Casa Minha Vida, é possível que duas sejam destruídas pela chuva”, afirmou Astrini. “A gente sabe quem vai morrer [por causa de eventos extremos]: são os que moram em encostas, [como vimos] no norte de Minas, no sul da Bahia”.
Adalberto Val, pesquisador-sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, afirmou que não há contraste entre o conhecimento tradicional e ciência contemporânea. “Precisamos da vida a esse conhecimento [das populações tradicionais].”
A casa dos brasileiros na COP
O evento estava marcado inicialmente para o auditório do Brasil Climate Hub, a presença da sociedade civil na COP27, mas foi transferido para uma sala na área onde acontecem as negociações oficiais.
Não houve o caos do dia anterior, quando ele apareceu na área de maior circulação da conferência.
O Brasil Hub foi criado em 2019, quando o governo federal não montou um espaço próprio, e desde então é “a casa dos brasileiros na COP”, disse Cíntya Feitosa, do Instituto Clima e Sociedade, que coordena o estande.
“Esta foi a última vez em que os brasileiros vieram separados da missão oficial brasileira”, afirmou Lula.
* O jornalista viajou a convite da International Chamber of Commerce