“Na maioria das COPs, o preço e as condições [da hospedagem] são a principal área de críticas. O país-sede deve ter uma estratégia robusta de comunicação e diálogo para apoiar seus esforços relativos à acomodação.”
A frase faz parte de “Como ‘COPar’” (How to COP, no original em inglês), um documento oficial de 60 páginas que orienta os anfitriões sobre a logística complexa em torno da Conferência do Clima da ONU.
Não devem ter lido o manual com atenção em Brasília. Faltam menos de nove meses para o começo do maior evento climático do mundo, mas ninguém quer saber de financiamento para países pobres, metas de adaptação ou do fundo de florestas que o governo brasileiro quer anunciar.
A única pergunta que se ouve nas conversas sobre Belém é: “Você já tem onde ficar?”
Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu à pergunta (que ninguém fez para ele, ao que consta). Num discurso feito em Belém na sexta-feira passada (13), ele disse que não se teria problema em “dormir uma noite de papo pro ar, tendo de cobertor as estrelas lá no céu”.
O público presente deu risada e aplaudiu, mas quem deve ter comemorado de verdade são os adversários políticos do governo e a sua poderosa máquina de desinformação.
Desinformação
O governo estaria sendo pressionado “por embaixadas de vários países europeus” para mudar a COP30 de cidade, por causa da falta de infraestrutura básica de hotéis e transporte, segundo uma reportagem que tem circulado bastante pelo WhatsApp.
A notícia é atribuída a fontes não especificadas – nem poderia ser diferente, pois basta uma pesquisa de cinco minutos no Google para saber que representações diplomáticas não fariam nada parecido.
Sedes da COP são definidas na própria COP, de comum acordo pelos quase 200 países que fazem parte da Convenção do Clima. As decisões tomadas naquele fórum são leis internacionais e naturalmente não são emendadas dessa maneira. Os “vários países” europeus que estariam pedindo uma alteração de última hora sabem disso muito bem: o continente sediou 15 das 29 conferências do clima realizadas até hoje.
A guerra da informação é inevitável, e uma das poucas armas que funcionam é evitar alimentá-la. Neste quesito, estamos mal.
O Reset foi um dos primeiros veículos a noticiar os preços exorbitantes cobrados em serviços como Airbnb e Booking. Desde então o assunto se espalhou pela mídia nacional e internacional.
A Secretaria Extraordinária da COP30, criada para cuidar da organização do evento, tem sido reativa no pior dos casos, ou então puramente protocolar.
Os questionamentos – mais que legítimos – sobre hospedagem são respondidos com uma lista do que se pretende fazer: os hotéis que serão entregues, as escolas e instalações militares que serão adaptadas, os transatlânticos que atracarão no Porto do Outeiro.
Não é suficiente.
Os “preços surreais” das acomodações, segundo reportagem da Associated Press, certamente já devem estar no radar dos visitantes estrangeiros.
O dono do apartamento que cobra por duas semanas de estadia mais que o valor do imóvel não vai encontrar hóspedes, e o problema é dele. Mas isso não quer dizer que seja razoável contar com a mão invisível do mercado para uma necessária correção.
A COP de Belém deveria ser especial. Vai ser a primeira realizada na Amazônia, um pedaço do planeta que muitos “copeiros” de carteirinha adoram mencionar, mas poucos conhecem de perto.
Será também a primeira depois de três edições realizadas em países que reprimem de forma violenta qualquer tipo de manifestação pública que desagrade ao governo e cujas prisões estão lotadas de pessoas que ousaram desviar da linha oficial.
As evidências da mudança do clima não bastam para mover os negociadores. Os tomadores de decisão precisam sentir o calor dos protestos de rua. Ativistas sempre têm dificuldades de custear viagens para as conferências – mas nem os CEOs das empresas mais ricas do mundo pagariam alguns preços vistos por aí.
Problema real
Até aqui, o problema é imaginado – ainda que com ótimos motivos para preocupação, dado o tamanho que as COPs têm tomado. O próprio manual da ONU afirma que o grosso da procura começa em agosto (a conferência acontece entre 10 e 21 de novembro neste ano).
Mas é real a demora em tratar dos assuntos que vão importar em Belém.
Estamos na metade de fevereiro, e até agora o país não definiu quem será o “campeão climático de alto nível”. O nome é infeliz, mas a pessoa designada tem o papel importante – fundamental até – de traduzir as deliberações da conferência para o mundo real.
Fica sob a alçada do campeão (ou campeã), por exemplo, a Race to Zero, uma campanha da ONU para mobilizar todos os atores que não fazem parte formalmente da convenção – empresas, governos subnacionais, universidades, organizações não-governamentais – na campanha de zerar as emissões de carbono até 2050.
O “mandato” é global, mas esta seria uma excelente oportunidade para envolver as empresas brasileiras em um esforço de descarbonização baseado na ciência e sem tolerância para o greenwashing.
Tampouco se sabe o que o Brasil, na condição de presidente da COP30, vai querer privilegiar na chamada “agenda de ação” – em contraposição à agenda oficial da conferência, que é decidida pelas partes.
Um item que parece óbvio é a proteção das florestas tropicais. Espera-se que o governo brasileiro lance em Belém o Tropical Forest Finance Facility (TFFF), um fundo bilionário para remunerar os países detentores de grandes florestas, que já conseguiu apoio do G20.
Outra causa que o país poderia destacar é a expansão das energias renováveis. Com mais de 85% de geração por fontes limpas, a matriz elétrica brasileira é um exemplo para o resto do mundo.
Não se ouviu uma palavra oficial até agora sobre o que queremos mostrar para o mundo. Por enquanto, o vácuo está sendo ocupado por problemas de organização – importantes, não custa repetir.
Quando esse assunto cansar, outros estão na fila: a “COP do agro”, um evento que promete reunir em Marabá (PA) os produtores rurais que negam a existência da ameaça climática, ou a conferência da ultradireita CPAC, importada dos Estados Unidos e que deve acontecer em Manaus este ano “logo antes da COP”, segundo Eduardo Bolsonaro.
Ainda é o primeiro tempo, mas o país está atrás no placar – e corre o risco de tomar uma goleada no jogo da narrativa.