
Belém – Ao abrir a Cúpula dos Líderes da COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou estar “convencido de que, apesar das dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”.
São palavras que direcionam a conferência no sentido oposto ao tom adotado na abertura do ano passado, em Baku. Na ocasião, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, iniciou a plenária declarando que o “petróleo e o gás são presentes de Deus”.
Além dos combustíveis fósseis, o discurso de Lula abordou outro tema sensível: as diferenças entre países ricos e países em desenvolvimento. São dois pontos diretamente ligados à capacidade de liderança do Brasil durante o ano de presidência brasileira da COP, que vai até novembro do ano que vem.
O primeiro por conta dos recentes avanços em prol da exploração de petróleo na foz do Amazonas, que levantam questionamentos sobre a credibilidade do Brasil na pauta ambiental.
Na outra ponta, o Brasil tenta responder à desigualdade entre países ricos e pobres no palco da crise climática com o TFFF, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que pretende remunerar países capazes de manterem suas florestas em pé, a partir de um fundo global de investimentos. Governos, setor privado e entidades filantrópicas podem aportar dinheiro no fundo, que quer angariar U$ 125 bilhões.
Lula declarou que a COP30, que ele chama de “a COP da verdade”, será o ponto culminante de uma série de esforços do Brasil de garantir financiamento para conter a crise climática ao longo dos últimos dois anos.
“No G20, colocamos na mesma mesa os ministérios de meio ambiente e de finanças das 20 economias que respondem por cerca de 80% das emissões globais. No Brics, reafirmamos a centralidade do financiamento climático, da capacitação e da transferência de tecnologias”.
Acordo de Paris
Lula também destacou os dez anos do Acordo de Paris, afirmando que ele segue de pé porque os países definem suas próprias metas, respeitando suas capacidades nacionais. Para o presidente, trata-se de uma prova que a mobilização coletiva gera resultados, mas que também expõe as dificuldades de cada nação.
“Passada uma década, ele se tornou o espelho das maiores qualidades e limitações da ação multilateral. Graças ao Acordo, nos afastamos dos prognósticos que anteviam aumento de até cinco graus na temperatura média global até o final do século.”
Uma das principais conquistas do Acordo de Paris foi a criação do mecanismo de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês). São compromissos dos países para atingir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Apesar das emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil terem caído 16,7% em 2024, o país não deve cumprir sua NDC em 2025. O Brasil deve fechar o ano emitindo 1,44 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente, enquanto o teto estabelecido é de 1,32. A projeção é do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), da rede de ONGs Observatório do Clima.
Questões políticas
Lula afirmou que combater as mudanças climáticas só será possível se dois descompassos forem resolvidos. O primeiro, entre os salões diplomáticos e o mundo real. O segundo, entre o contexto geopolítico e a urgência climática.
“Forças extremistas fabricam inverdades para obter ganhos eleitorais e aprisionar as gerações futuras a um modelo ultrapassado que perpetua disparidades sociais e econômicas e degradação ambiental”, afirmou sem citar nomes – diferentemente do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que dedicou boa parte do seu discurso na cúpula para críticas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, principal ausência da COP30.
Lula usou as guerras como exemplo, afirmando que rivalidades estratégicas e conflitos armados desviam a atenção dos problemas reais, consumindo recursos que deveriam ser direcionados para o enfrentamento do aquecimento global.
“Em um cenário de insegurança e desconfiança mútua, interesses egoístas imediatos preponderam sobre o bem comum de longo prazo”.
Simbolismo
Desde de que mencionou a possibilidade de uma COP no Brasil pela primeira vez, na COP28, em Dubai, Lula apostou no soft power da Amazônia como um local importante dos quais muitos só ouviram falar, sem conhecer a realidade do bioma. Ele pontuou que a região abriga a maior floresta tropical do mundo, bem como a maior bacia hidrográfica do planeta e milhares de espécies de plantas e animais.
“Aqui residem milhões de pessoas e centenas de povos indígenas, cujas vidas são atravessadas pelo falso dilema entre a prosperidade e a preservação. Por isso, é justo que seja a vez dos amazônidas de indagar o que está sendo feito pelo resto do mundo para evitar o colapso de sua casa.”
O presidente também afirmou que a justiça climática deve ser entendida como aliada do combate à fome e à pobreza.
“Será impossível contê-la sem superar as desigualdades dentro das nações e entre elas”.
Repercussão
Para Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, a COP30 será um sucesso se conseguir transformar as palavras do presidente Lula em resolução final.
“Em seu discurso, o presidente Lula afirmou que precisamos de um mapa do caminho para acabar com o desmatamento e o uso dos combustíveis fósseis. É exatamente do que precisamos e é exatamente o que esperamos que a presidência da conferência coloque como proposta sobre a mesa”.
Marta Solomon, especialista sênior do Instituto Talanoa, afirma que o discurso aumenta a expectativa de que a COP30 desenhe um “mapa do caminho” para longe dos combustíveis fósseis e para mobilizar recursos necessários para evitar perdas humanas e materiais, classificadas como “drásticas” no discurso.
“Seria a forma de completar o trabalho de duas cúpulas anteriores, em Dubai e Baku”.