O embaixador André Corrêa do Lago vai presidir a COP30. Ana Toni, secretária de Mudança do Clima, será a diretora-executiva da conferência de Belém. Falta apenas uma definição importante – e que também está atrasada: o nome do campeão (ou da campeã) climático de alto nível.
A posição não recebe a mesma atenção da presidência, mas sua importância é cada vez maior quando se considera que as conferências do clima precisam passar das decisões no papel para a prática.
São esses campeões – no sentido de defensores ou paladinos; em inglês o nome da função é “high-level champion” – os responsáveis por fazer a ponte entre as COPs e o mundo real.
Somente os signatários da Convenção do Clima negociam e têm direito a voto nas conferências do clima, ou seja, os governos nacionais de quase 200 países.
A sociedade civil, as empresas, os cientistas, os governos subnacionais – nenhum destes faz parte formalmente do processo decisório. Eles fazem pressão sobre seus representantes e participam como observadores, mas não decidem.
É aí que entram os campeões do clima, uma função criada pelo Acordo de Paris para envolver e alinhar todo o mundo não-COP com as decisões acordadas nas conferências.
O chileno Gonzalo Muñoz, campeão da COP25, no Chile, usa a seguinte comparação para dimensionar a ambição do cargo:
“Na COP, o primeiro-ministro [da ilha do Pacífico] de Tuvalu, com 11 mil habitantes, tem o mesmo peso que o Lula, que o premiê do Reino Unido. Mas a Califórnia, um Estado com quase 40 milhões de habitantes e a quinta economia do mundo, não é parte da Convenção. Então o governador não tem voto.”
A mesma analogia se estende às empresas, algumas delas com emissões de carbono maiores que as de países inteiros. “São todas organizações e pessoas que têm um poder enorme de mobilização, mas que tecnicamente não fazem parte do que se discute nas COPs.”
Estes são exemplos de “público-alvo” do campeão do clima.
Sem governo
Os primeiros champions eram pessoas ligadas a governos. Foi a partir da escolha de Muñoz, fundador de startups de agricultura sustentável e um dos responsáveis pela introdução do Sistema B na América Latina, que o perfil dos indicados mudou.
O britânico Nigel Topping, campeão da COP26, foi diretor-executivo da We Mean Business Coalition, uma organização global que reúne empresas comprometidas com uma economia pós-carbono.
Razan Al Mubarak, presidente da União Internacional pela Conservação da Natureza, foi designada pelos Emirados Árabes Unidos para ser a campeã da COP28.
Como seus antecessores, o escolhido ou escolhida pelo governo brasileiro terá uma agenda repleta o ano inteiro, até o início da conferência, em 10 de novembro, e além, pois o mandato dos campeões é de dois anos.
Desde o ano passado, especulações são assunto obrigatório em eventos que discutem o clima. Os nomes ventilados são muitos, e a única unanimidade é a estranheza com a demora do anúncio.
Bolsa de apostas
Na COP29, a bolsa de apostas estava movimentadíssima, pois a expectativa era de uma indicação assim que terminasse a conferência.
Alguns nomes são sempre ouvidos nas conversas. Marcello Brito, coordenador do centro de estudos do agronegócio da Fundação Dom Cabral, é um deles.
Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeólica), também é considerada uma das favoritas. Denísio Liberato, presidente da BB Asset, estaria no páreo, mas a indicação não parece fazer muito sentido: o campeão do clima tem que se dedicar em tempo integral ao trabalho.
Mais nomes foram cotados, mas o exercício de adivinhação é inútil sem saber que itens da agenda de descarbonização o Brasil vai querer priorizar – o que vai orientar em boa medida a atuação do campeão ou da campeã.
Um exemplo: a COP26, em 2021, aconteceu em Glasgow, e um dos pontos destacados pelo governo britânico foi o setor financeiro. A cidade escocesa dá nome ao Gfanz, uma mega aliança das finanças globais que se compromete com o net zero em 2050.
O Brasil pode chamar a atenção para a necessidade urgente de alinhar a produção de alimentos às metas climáticas decididas na COP.
Ou então centrar os esforços na proteção das florestas tropicais do mundo – sem mecanismos de financiamento não se contém a devastação, e podemos dar adeus ao objetivo de estabilizar o aquecimento global em 1,5°C (na comparação com a era pré-industrial).
A reconhecida liderança brasileira na geração de eletricidade com fontes renováveis é outra possibilidade.
E o nome do campeão terá relação estreita com essa escolha – que também parece atrasada.
Choque de realidade
A mobilização promovida pelo campeão vai enfrentar ventos contrários fortíssimos. O Gfanz foi anunciado como um grande triunfo, um sinal de que o dinheiro começaria a sua transição de financiador de combustíveis fósseis para as soluções de baixo carbono.
Alguns anos depois, a aliança enfrenta uma crise existencial. Um movimento iniciado por políticos de extrema-direita americanos e turbinado com a eleição de Donald Trump levou os maiores nomes de Wall Street a pular do barco.
O que é decidido na COP vira lei internacional; a tradução para o “mundo real” que fica a cargo dos campeões do clima não tem a mesma força. Com Trump na Casa Branca e o avanço de forças políticas contrárias à ação climática – ou até mesmo negacionistas – em países com França, Alemanha e Canadá, as condições não poderiam ser mais desafiadoras.
Muñoz reconhece que o mundo mudou, mas afirma que isso é verdade de várias maneiras. “A descarbonização da matriz elétrica do mundo não tem mais volta”, diz ele. “As fontes renováveis são mais baratas, mais seguras. Os investidores não vão deixar de colocar dinheiro. É movimento imparável.”
Ele usa um argumento muito popular entre os que tentam enxergar o copo cheio na emergência climática. O progresso é lento visto de perto, mas afastando um pouco a perspectiva houve avanços importantes.
Apesar de ainda estarmos distantes da rota indicada pela ciência, dez anos atrás – quando foi assinado o Acordo de Paris – as projeções eram muito mais assustadoras, afirma ele.
O governo brasileiro gosta de dizer que a COP30 vai marcar uma virada para a implementação. Se isso for mesmo verdade, boa parte do trabalho vai recair sobre figuras como os champions – os atuais e os próximos.
O trabalho vai ser difícil, em condições longe das ideais. O campeão do clima da COP precisa ser anunciado logo.