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Campeão do clima é ‘megafone’ da COP, diz Ioschpe

Empresário quer trazer experiência de gestor para o cargo que conecta as negociações da ONU com o resto do mundo

Dan Ioschpe, o campeão climático da COP30

O cargo de Campeão Climático de Alto Nível da ONU nunca recebeu muita atenção nos dez anos desde que foi criado. As ideias associadas às COPs e as notícias escritas sobre a conferência sempre se concentraram nas negociações diplomáticas – algo que não faz parte dos afazeres dos “champions”.

Mas, para concretizar as ambições brasileiras de que Belém represente uma virada para a implementação do que vem se discutindo há três décadas, o campeão vai ter de começar a aparecer mais.

Será a hora de ouvir o “megafone”, como o empresário gaúcho Dan Ioschpe descreve a função para a qual foi indicado há pouco mais de dez dias. Sua missão é aproximar o complicado e demorado processo da cooperação entre governos nacionais para o resto do mundo.

O sucesso será “conseguir mobilizar toda a sociedade para atingir os objetivos do Acordo de Paris”, disse Ioschpe ao Reset. Os acordos políticos, a parte mais difícil segundo ele, já estão aí. É hora de colocar a mão na massa, por assim dizer.

Os champions têm que convencer todo o universo não-COP – empresas, ONGs, cientistas e governos subnacionais – a alinhar seus esforços ao objetivo de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C na comparação com a era pré-industrial.

Ioschpe, presidente do conselho da fabricante de rodas e autopeças Ioschpe-Maxion e conselheiro de WEG, Embraer e Marcopolo, acredita que sua experiência como gestor pode ajudar.

Ele nunca pisou em uma COP. A experiência na vida real transformando ideias em realidade foi um dos motivos que levaram à escolha de seu nome, acredita ele.

Mesmo com seu histórico e o alto volume de um megafone, não será fácil ser ouvido. Preocupado em não desagradar Donald Trump, parte do setor privado americano está tirando o pé do acelerador em suas ambições climáticas.

Em outras partes do mundo, principalmente na Europa, a desestabilização com epicentro da Casa Branca leva governos a colocar a descarbonização em segundo plano.

Ioschpe diz que entende a magnitude do desafio, mas afirma estar otimista. “Não acredito em barreiras intransponíveis. Mas a gente precisa de foco, relevância e resiliência.”

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao Reset nesta segunda-feira (14).

Definindo o sucesso

“[O sucesso] será conseguir mobilizar toda a sociedade para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Tem uma questão interessante: já há um acordo político. Quase sempre é a parte mais difícil, mas isso já foi feito há bastante tempo.

Tem aquela sensação de copo meio cheio, copo meio vazio. Mas é bastante impressionante o que foi feito nesses últimos 10 anos [desde o Acordo de Paris, assinado em 2015].

A sociedade é fundamental para que o objetivo seja atingido. A função essencial do champion é fazer a melhor difusão possível do que está sendo realizado, acelerar em duas grandes áreas: a mitigação e a adaptação”.

COP da implementação

“O embaixador [André Corrêa do Lago, presidente da COP30] tem falado isso, de que a implementação seja um ponto-chave.

Nas empresas a gente usa o jargão: low-hanging fruit [a opção mais fácil, mais à mão]. Talvez o tema mais viável e mais importante nesta e nas próximas COPs é ter certeza de que estamos implementando e fazendo a conta [de carbono] para entender o quanto nos falta. Se a gente conseguir entregar isso, estamos lá.

Existem incentivos e desincentivos de natureza econômica, por exemplo, o CBAM [taxação da União Europeia que vai incidir sobre importados com muito carbono embutido] e a lei do mercado de carbono aqui no Brasil. E você também tem questões morais e éticas, que supostamente nos fazem buscar a coisa certa, o melhor possível.

Com essa combinação do que é melhor com os incentivos e desincentivos socioeconômicos, você caminha na direção certa.”

Prioridades

“Sabemos onde estão as grandes emissões, onde podemos trabalhar e com quais tecnologias. A equipe dos champions tem mapeadas cerca de 475 iniciativas em curso.

A boa notícia é que existe um inventário de soluções muito significativo. Um olhar mais focado naquelas de maior relevância talvez nos traga um resultado diferenciado nesses próximos anos. Isso fecha muito com essa visão da presidência brasileira de uma COP de ação climática e de implementação.

Falo de forma preliminar, mas talvez o foco em ações que têm uma maior relevância e um maior resultado para o balanço geral seja uma tarefa mais importante que ter novas ações, novas iniciativas.

E não é a COP no Brasil que resolverá todas as questões. Mas esse continuum é muito importante. Não vamos implementar nada em 12 meses, vamos ter idas e vindas. Sou do setor automotivo, que tem muitos anos de experiência em eletrificação, hibridização. Certamente aquilo que você desenhou dez anos atrás já teve N revisões.”

Turbulência geopolítica

“Não podemos negar o impacto das questões de curto e médio prazo, geopolíticas e de outras naturezas. Não estamos numa posição de evitá-las ou de não tê-las. Precisamos conviver com elas e buscar os melhores caminhos. Vai ter dia bom e dia ruim. A melhor estratégia é seguir demonstrando e ressaltando a superveniência da temática do clima em relação a outras [no Direito, a superveniência se refere a um acontecimento que altera outra situação].

Quando a gente dialoga com a sociedade, mesmo de países afetados por circunstâncias geopolíticas, vemos que há uma aderência, uma adesão muito grande. Existe uma visão clara de que o desenvolvimento socioeconômico, que é fundamental para qualquer empresa, para qualquer organização, para qualquer tipo de entidade, ele é abalado [pela crise climática].”

Financiamento climático

“Às vezes, de onde você não espera vêm soluções. Estamos vendo soluções muito criativas, Sul-Sul. Se não tivermos uma dependência única [recursos transferidos pelos países ricos], talvez a gente tenha bons resultados.

A tecnologia financeira também traz muitas possibilidades. Na área florestal, existem diversos mecanismos não tão gigantes de forma isolada, mas que juntos podem ser muito significativos.

Aqui é uma visão muito preliminar e prematura minha, com poucas semanas [no cargo], mas a criatividade e os veículos inovadores, somados, talvez nos tragam um resultado interessante, mesmo que não atinjam todo aquele montante esperado.”

Oportunidade para o Brasil

“Temos um cruzamento favorável. Tudo o que falarmos de energia renovável conversa muito bem com o Brasil. E tudo o que o Brasil puder ajudar na solução do problema conversa muito bem com o mundo.

Podemos expandir as cadeias de valor no Brasil. Se a gente pega o exemplo de minério [de ferro]. Não sou especialista, mas avançar com a transformação do minério com energia sustentável, eventualmente usando hidrogênio próximo do local de mineração, pode ter um resultado no carbono muito favorável.

Você continua exportando para a Ásia substancialmente, mas facilita a tarefa deles, que talvez não tenham tanto acesso à energia sustentável e renovável para fazer um hidrogênio verde na escala que nós temos.”

O trabalho de um campeão do clima

“É uma via de mão dupla. Facilitaria a minha tarefa se tivesse [que interagir só com] o setor privado, que conheço melhor e tenho conexões no Brasil e no exterior. Mas precisamos ouvir todas as entidades e todos os segmentos da sociedade não-governamental. Essa é uma das coisas que me alegram. Gosto de fazer coisas diferentes.

E o champion não trabalha sozinho. A Parceria de Marrakech tem um sem-número de instituições, a UNFCCC [sigla em inglês para a Convenção do Clima da ONU] e a presidência da COP. Você está juntando uma potência muito grande, e com diferentes atores e papéis. Não é algo simples ou linear.

Não existe nada na ONU comparável à COP. O G20 foi muito bacana, mas isso aqui é maior. E é o maior problema da humanidade.

Não estava em Paris [quando se obteve o acordo], mas suponho que, ao se ver aquela luz, aquele breakthrough político, se disse: poxa, que estruturas nós precisamos agora? Elas foram sendo desenhadas. Temos a Parceria de Marrakech. Temos os champions, que de certa forma são um megafone.”

A experiência de gestão

“Não sou um militante, vamos dizer, das COPs. [Belém] vai ser a primeira.

[Sobre ter sido o escolhido como campeão climático] Acho que o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva], até pela agenda e pelo tempo disponível, ecoou aquilo que eu venho ouvido da ministra Marina Silva, do presidente André [Corrêa do Lago], da Ana Toni [diretora-executiva da COP30] e da equipe toda do governo: espera-se COP de ação e de implementação.

Acredito que a recomendação estava muito ancorada nessa visão, procurando uma pessoa que tivesse uma extensa vida no setor produtivo. Não por conhecer uma indústria, e sim por saber o que significa na vida real levar uma ideia para uma realidade e condução de equipes multifacetadas, complexas.

Você não tem ideia do que recebi de mensagens [desde que fui indicado]. É uma coisa absurda. Todo mundo dividindo conhecimento voluntariamente. 

Não acredito em barreiras intransponíveis. Mas a gente precisa de foco, relevância e resiliência. Se você está muito desfocado, muito pulverizado, a resiliência diminui. Se você se concentrar em temas muito importantes, eles acabam cruzando as barreiras pela sua própria relevância.

Isso é algo que eu gostaria de trazer. Vamos testar na prática, se não for o caminho, não tenho nenhum problema em enrolar essa bandeira e deixar para lá.

E eu sou aqui um cara que acabou de entrar. Não vou querer sentar na janela, como se diz.”

Dupla jornada

“Eu não teria a opção de [me dedicar exclusivamente]. Claro que vou fazer os ajustes necessários para que a gente entregue o melhor resultado para um projeto tão importante e ambicioso.

É bom para o processo que eu esteja também fazendo as minhas atividades habituais, porque estou ouvindo histórias reais. Vamos usar a tecnologia ao máximo, virtual versus presencial, para tentar dar maior cobertura [global]. Poderia passar 365 dias viajando, mas talvez o resultado disso não fosse útil.”