DUBAI – Depois de finalmente reconhecer o que o mundo sabe há 40 anos, as COPs agora vão lidar com um outro problema, talvez ainda mais difícil de resolver que um consenso atingido em Dubai para assinar um documento com as palavras “combustíveis” e “fósseis”.
Estamos falando do dinheiro, o outro elefante na sala. É fácil reduzir esta e outras COPs a uma briga entre os que tentam salvar o mundo dos vilões do mundo do petróleo. A realidade, infelizmente, é um pouco mais complicada.
Considere o que disse a ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, sobre os países do Golfo Pérsico, incluindo os sauditas, os mais empenhados em impedir qualquer tentativa de colocar combustíveis fósseis na decisão da COP28.
“Quando vemos essa geografia desértica, em que o petróleo foi o fator crítico para fazer uma sociedade moderna, vemos que o mundo tem que responder a essa realidade”, afirmou Muhamad. “Eliminação da perspectiva de não-produtores é uma coisa. Dos países que produzem, é outra.”
Os colombianos são contra os combustíveis fósseis. Tão contra, que dias antes desse discurso o país entrou para a iniciativa que quer criar para eles um tratado de não-proliferação inspirado no que aborda as armas nucleares.
Naquele mesmo dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou a entrada do Brasil na Opep+, um grande fiasco de relações-públicas. Colombianos e brasileiros estão em lados opostos? Não exatamente.
Nas salas de negociação, os dois países têm a mesma demanda: queremos abandonar as energias sujas, mas sem abrir mão do direito ao desenvolvimento econômico.
Este é o verdadeiro tema da COP, escondido em expressões genéricas como “justiça climática” ou “transição justa”.
Sem ajuda, e sem poder usar as fontes de energia mais abundantes e disponíveis hoje, que opção resta à África do Sul, que queima carvão para gerar 80% de suas eletricidade? E para o Iraque, que tem 90% da economia atrelada à venda de petróleo e gás?
Os preços de painéis solares e turbinas eólicas caíram vertiginosamente, mas essas tecnologias continuam sendo artigos de luxo em países endividados e preocupados com emprego, comida e moradia.
Como disse ao Reset Avinash Persaud, o ex-banqueiro de Barbados por trás das ideias que estão transformando as finanças climáticas globais, o dinheiro não vai sair do orçamento dos países ricos.
(Recomendo a leitura da entrevista. Persaud aconselha líderes mundiais sobre o tema e vai trabalhar muito próximo do Brasil a partir do ano que vem, quando ingressa no Banco Interamericano de Desenvolvimento.)
Mecanismos inovadores, que atraiam o dinheiro privado, são essenciais para que esses países possam se desenvolver sem repetir o que fez o punhado de nações industrializadas nos últimos 200 anos: lançar CO2 na atmosfera.
Esse é um dos aspectos da “transição justa” mencionada no parágrafo mais importante do Balanço Global aprovado em Dubai e que será o tema central da COP29, no Azerbaijão.
Show me the money
É claro que os diplomatas têm uma alternativa mais palatável para falar de dinheiro: “Meios de implementação”.
É só pensar em uma frase qualquer para entender esse lado quase absurdo das negociações internacionais: “Queria muito comprar uma casa, mas não tenho os meios de implementação”.
Chame como preferir, a realidade é que sem financiamento não existe um caminho claro para deixar as energias sujas para trás.
Isso significa avançar nas reformas dos bancos de desenvolvimento multilaterais para destravar investimentos privados e também aumentar o fluxo de recursos nacionais dos chamados países ricos (ou doadores, mais um eufemismo para o seu vocabulário).
“É claro que o investimento privado é chave, mas existe um componente estruturante que depende dos governos”, diz Harjeet Singh, diretor de políticas da Climate Action Network, uma influente rede global de quase 2.000 ONGs. “E esse dinheiro tem de vir também na forma de doações.”
O buraco da adaptação
A transformação dos sistemas energéticos é um investimento para o futuro. A intenção é impedir que a temperatura suba mais que 1,5°C. Mas hoje, com um aumento de 1,2°C, os efeitos já são devastadores, como mostrou o noticiário deste ano.
O Balanço Global aceitou as conclusões do recente relatório do da ONU que aponta a necessidade de US$ 215 bilhões a US$ 387 bilhões por ano para preparar os países mais pobres e vulneráveis para esses impactos, que já vão acontecer mesmo que o mundo consiga conter o aquecimento, mas que podem piorar muito se fracassarmos.
Mas há poucos detalhes de como esse buraco seria tapado. Este é outro ponto que promete dominar as discussões em Baku.
Os sinais não são otimistas. O fundo para ressarcir os prejuízos já sofridos com o clima em mutação, aprovado em Dubai, tem por enquanto apenas cerca de US$ 800 milhões de dólares.
O secretário-executivo da Convenção do Clima, Simon Stiell, classificou o valor como uma “entrada”.
(Veja que estamos falando de três bolsos distintos: uma para a mitigação, ou seja, para desenvolver e escalar alternativas à queima de fósseis e outras atividades poluentes; um para a adaptação, ou seja, para fazer obras e outros sistemas que permitam aos países resistir aos efeitos da mudança climática; e outro para reparar danos que ocorreram ou ocorrerão.)
Populismo climático
Vender esse tipo de despesa domesticamente exige um capital político que poucos governantes têm. Os Estados Unidos se comprometeram a colocar só US$ 17,5 milhões no fundo de perdas e danos, e ainda precisam de aprovação do Congresso.
Na Alemanha, o governo enfrenta uma séria crise política por ter usado reservas da covid em ações climáticas, o que foi julgado ilegal pelo Corte Suprema do país.
O extremista de direita Geert Wilders foi o grande vencedor das eleições parlamentares da Holanda no mês passado com uma plataforma baseada em xenofobia e o que pode ser descrito como “populismo climático”.
Suas posições contrárias a imposições verdes da União Europeia lhe garantiram o voto dos agricultores holandeses. O grande derrotado foi Frans Timmermans, o arquiteto do Green Deal europeu que abandonou a chefia climática da UE para disputar a eleição em seu país.
O negacionismo tem várias gradações, e os brasileiros passaram quatro anos convivendo com uma das mais radicais. Os argentinos podem passar pelo mesmo com a eleição de Javier Milei.
Mas todos os olhos estão voltados para os Estados Unidos. Um segundo mandato de Donald Trump a partir de 2025 é uma possibilidade real. Ele não se cansa de dizer que turbinas eólicas offshore matam baleias e que carros elétricos são uma farsa.
Em seu primeiro mandato, ele abandonou o Acordo de Paris. Se voltar à presidência, Trump já prometeu desfazer o pacote de incentivos verdes bilionários do governo Biden.
A aliança militar do Ocidente, Otan, é um desperdício de dinheiro, na opinião dele. Se ele voltar à Casa Branca, as esperanças de que o mundo consiga fazer a transição descrita na COP28 são pequenas – e menores ainda de que ela seja justa.