COLUNA - NATALIE UNTERSTELL

Adaptação não é luxo nem caridade, precisa ser prioridade na COP30 

Adaptar-se não é só urgente, é inteligente: cada dólar investido pode evitar até doze dólares em perdas futuras; Conferência do Clima deve ser ponto de virada

Adaptação não é luxo nem caridade, precisa ser prioridade na COP30 

O calor extremo de 2024 não foi apenas desconfortável — ele teve impacto direto nas emissões globais de carbono. Segundo o novo Global Energy Review 2025, da Agência Internacional de Energia (IEA), metade do aumento nas emissões do setor energético no ano passado veio do consumo adicional de eletricidade para resfriamento de ambientes. A surpresa? Apesar desse dado, o relatório não menciona a palavra “adaptação” nem uma vez. 

Em um mundo que já mudou, seguimos discutindo apenas o que precisa ser feito antes da mudança, enquanto ignoramos o que precisa ser feito depois — e durante.

Se 2024 tivesse replicado o clima de 2023, o salto nas emissões teria sido bem menor. Mas o clima não repete padrões. Ele já virou. As ondas de calor são mais longas e frequentes, pressionando redes elétricas despreparadas. Chove onde não chovia. Não venta onde soprava. Rios retraem, secam, e a demanda energética se desloca de forma imprevisível. 

O que antes era exceção virou norma. A crise energética, hoje, também é climática — e é urgente tratá-la como tal.

O dado animador do relatório é que, mesmo com o PIB global crescendo 3,2%, as emissões aumentaram apenas 0,8%. A dissociação entre crescimento econômico e emissões mostra que a transição energética está em curso. 

Mas ela vem acompanhada de um alerta: a conta da inação já está batendo à porta, com o planeta 1,3°C mais quente. E ela chega muito antes de 2050, data das metas de neutralidade de carbono que seguimos repetindo como mantra.

As enchentes no Rio Grande do Sul custaram R$ 60,9 bilhões, segundo dados do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) — quase 75% do que o governo pretende economizar com dois anos de corte de gastos. No exterior, o cenário não é menos dramático: só em 2022, as perdas econômicas causadas por eventos extremos ultrapassaram R$ 1,5 trilhão. E a tendência é de alta. 

Adaptar-se não é só urgente. É inteligente. Cada dólar investido em adaptação pode evitar até doze dólares em perdas futuras.

No Brasil, com a dívida pública próxima de 80% do PIB e os juros entre os mais altos do mundo, investir em adaptação é uma estratégia que faz sentido econômico — e salva vidas. Essa estratégia passa longe de ações paliativas. Não se trata de instalar ar-condicionado ou painéis solares apenas. Adaptar exige reformar a matriz elétrica, rever como distribuímos energia, repensar o planejamento urbano e compreender, em detalhe, como a demanda energética muda diante de extremos climáticos cada vez mais frequentes.

A COP30, em Belém, tem a oportunidade de mudar essa lógica — e colocar a adaptação no centro da política climática. Para isso, é preciso lidar com o maior gargalo: o financiamento. Estimativas recentes apontam que a lacuna global de financiamento para adaptação está entre US$ 187 bilhões e US$ 359 bilhões por ano. Embora o Pacto Climático de Glasgow tenha definido a meta de dobrar esses recursos até 2025 — e os aportes tenham crescido quase 50% entre 2019 e 2022 —, depender apenas de doações públicas não vai bastar.

Nesse sentido, vale a pena prestar atenção e aprender com o que está acontecendo no resto do mundo. No Green Climate Fund, por exemplo, as últimas rodadas de investimento em projetos resultaram na aprovação praticamente de projetos de adaptação, por parte dos privados. Do ponto de vista da OCDE, um roteiro de resiliência para privados foi divulgado durante a presidência do G20 e uma nova recomendação será feita sob a presidência sul-africana. Mundo afora, e mesmo nos Estados Unidos, há experiências se multiplicando em termos de resiliência, nos mais diversos setores econômicos, e com participação tanto pública quanto privada. 

No Brasil, a questão é visível: dos R$ 10 bilhões disponíveis no Fundo Clima no último ano, menos de R$ 90 milhões foram destinados a ações de adaptação. A parte ruim é óbvia: é muito pouco e não tem participação privada ainda. A parte boa precisa ser celebrada: municípios como Campinas e Tangará da Serra mostraram que é possível acessar esses recursos, que já têm condições melhores que as oferecidas pelo mercado. Ou seja, mesmo em ano eleitoral, foi possível submeter e aprovar projetos. 

O que falta, agora, é sinal político claro dando referência aos mercados. A COP30 pode — e deve — servir de ponto de virada. E, internamente, a própria preparação para a COP30 pode ensejar um novo “momentum” para que também o setor privado gere soluções de adaptação. 

Num cenário internacional cada vez mais fragmentado, o financiamento para adaptação pode ser uma ponte entre o Norte e o Sul globais. É também uma chave para reconstruir a confiança entre países. O Global Goal on Adaptation oferece uma moldura para isso, mas ela precisa ser preenchida com conteúdo político, ambição e coordenação. 

Adaptação não pode mais ser tratada como um custo extra para viabilizar acordos de mitigação. É um pilar da resposta climática global.

Em Belém, os debates podem — finalmente — romper com a fragmentação que marca a agenda de adaptação até hoje. Podem integrá-la sob uma estratégia coerente, ambiciosa e consequente. Tratar a resiliência como investimento — e não como reparo. Alguns atores e alianças já têm musculatura para catalisar esses avanços. Mas para surtir efeito, será preciso reconhecer o que está diante dos nossos olhos: adaptação não é luxo, nem caridade. É sobrevivência. E precisa, com urgência, ocupar o centro da política climática global.