A expectativa era de que a energia limpa do Brasil desse origem a uma indústria exportadora de hidrogênio verde. Essa possibilidade ainda existe, mas a construção de gigantescos data centers – também dependentes desse recurso renovável – deve se materializar antes.

A revolução da inteligência artificial depende de enormes quantidades de eletricidade de baixas emissões de carbono, o que o Brasil tem sobrando. Mas adaptações serão necessárias para agarrar essa oportunidade.

Este foi um dos temas do evento ”Energia em Transição: Das Oportunidades na Prática Empresarial às Vantagens Competitivas no Brasil”, realizado pelo Reset nesta terça-feira (14). O evento teve o patrocínio de Natura, Itaú, BRF Marfrig, Bradesco, Suzano, Banco ABC Brasil, Eletrobras e Santander.

A Elea Data Centers, empresa nacional que opera nove data centers no país, trabalha em um grande campus dessa nova indústria digital no Rio de Janeiro, batizado de Rio AI City. A ambição é erguer um complexo de 1,5 GW. Os data centers são medidos pelo consumo de eletricidade, e esse total equivale à demanda de 5,5 milhões de residências brasileiras. 

“Se você pedir cinco megawatts [em São Paulo], falam que não tem. Se perguntar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico, afirmam que só terão em 2030. Não tem mais espaço. Mas o Rio de Janeiro, por razões históricas, por ter tido as Olimpíadas, tem uma infraestrutura de transmissão superdimensionada. São quase 2 gigawatts de transmissão não-utilizados”, diz. 

Da esquerda para a direita: Sérgio Teixeira Jr. (Reset), Alessandro Lombardi (Elea), Elbia Gannoum (Abeeólica), Eduardo Figueiredo (Porto do Açu) e Júlio Meirelles (Santander)

Demanda crescente

Aumentar a oferta de data centers mais limpos interessa, principalmente, às big techs americanas. OpenAI, Amazon, Google, Meta, Microsoft e Oracle são os principais clientes desta indústria. 

Operadoras como a Elea erguem e operam a infraestrutura para essas companhias, que ficam responsáveis pelas máquinas e pelo software. O principal uso esperado é o treinamento dos modelos de linguagem de grande escala, como o popular ChatGPT.

Mas existe outra demanda represada do próprio país, afirma Lombardi: 80% dos dados brasileiros estão hospedados e são processados nos Estados Unidos, que têm o maior parque de data centers do mundo.

Com uma infraestrutura nacional, eles poderiam ser “repatriados”. “É uma questão de soberania dos dados que também foi pensada junto com o Rio AI City. E se o Brasil brigar com os Estados Unidos e eles desligarem tudo? Se ocorrer um problema de energia lá, vão pensar nos dados deles primeiro”, afirmou o executivo.

Exportações verdes

A Agência Internacional de Energia estima que 30% da energia dos data centers em 2024 foi proveniente do carvão (por conta da China). As fontes renováveis foram responsáveis por 27%. Projeções da agência estimam que o setor chegue a emitir 300 milhões de toneladas de CO2 em 2030, um terço a mais do que em 2025. 

Para Elbia Gannoum, enviada especial para energia da COP30 e presidente da associação do setor de energia eólica (Abeólica), o Brasil precisa aproveitar esse cenário como uma vantagem. Além de mais de 90% da matriz elétrica ser limpa, há a distribuição por meio do Sistema Interligado Nacional, que segundo ela, é o que o mundo precisa agora. 

A questão, segundo ela, é adequar o modelo do planejamento do setor à nova realidade imposta pelos data centers. “A empresa diz que vai precisar de 700 megawatts [no futuro], mas que talvez sejam só 300”, afirma Gannoum, em referência ao dinamismo do setor. “Precisamos nos reinventar. Essa alta demanda chegou da noite para o dia.” 

Recalculando a rota

Eugênio Figueiredo, diretor-executivo da Porto do Açu, complexo portuário industrial no norte do Rio de Janeiro, conta que, de fato, a conversa sobre hidrogênio verde era prioritária três anos atrás. Mas a demanda por data centers veio para ficar. No primeiro momento, a empresa entendeu que não teria a localização legal para este tipo de projeto, pela questão da latência.

Ou seja, embora o resfriamento natural pela água do mar possa reduzir custos de energia, uma vantagem competitiva, a latência, distância entre o data center e os usuários, pode aumentar o “tempo de viagem” dos dados. 

“Mas, quando os projetos não têm a necessidade de estar próximo do grande mercado consumidor, o Porto do Açu passa a ser um player super importante. Temos espaço, água, e a possibilidade de construir dentro de um complexo industrial sem as amarras de áreas residenciais”, diz.

Figueiredo acredita que o Rio de Janeiro está bem posicionado para atender esta demanda crescente. Durante o painel, ele mencionou os incentivos fiscais que o Estado criou são adicionais ao Regime especial de tributação para serviços de data Center no Brasil (Redata), concedendo isenções e descontos para importações e instalações relacionadas ao setor no Rio de Janeiro. 

Além do Redata, que isenta de tributos federais como PIS, Cofins e IPI sobre equipamentos para data centers, o governo federal também sancionou incentivos fiscais para a indústria de semicondutores e displays no Brasil, por meio do Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de semicondutores (Padis).

E o hidrogênio verde segue no radar, mesmo que com uma recalibragem de expectativas em relação aos prazos. O Porto do Açu começou o processo de licenciamento de um hub de hidrogênio, com uma primeira etapa de 1 milhão de metros quadrados 100% tomada.

“Já iniciamos uma segunda etapa com 2,5 milhões de metros quadrados adicionais, que já está 90% também ocupado, com players dos mais diferentes tipos de produtos diferentes”.

Investimentos no horizonte 

Para Júlio Meirelles, executivo de project finance do Santander Brasil, todos esses elementos contribuem para um boa maré de investimentos no setor. Enquanto a última década e meia foi focada em energia renovável, ele projeta que daqui para frente o foco será a infraestrutura digital.

“A palavra que define a nossa abordagem como banco é entusiasmo. É uma ótica de project on project risk, porque investimentos precisam ser feitos para os data centers ou para projetos de hidrogênio. E o principal insumo desses projetos são insumos energéticos”, diz.

Segundo ele, isso vai gerar a construção de novos pontos de geração de energia em um curto espaço de tempo, com uma alocação de capital intensa, bem como uma necessidade de amortização desse capital no longo prazo. Para Meirelles, isso será fundamental para o Brasil ser competitivo no cenário global. 

“É preciso ter o máximo de previsibilidade, em especial no plano de negócios. Nenhum tipo de investimento por si só vai poder contar com sponsor, somente com acionistas. E quão previsíveis são essas modelagens. É uma equação com questões fundiárias, de conectividade, energia e ambiente político para trazer volumes vultosos de reais e de dólares”.