Futuro sombrio com crise climática chega às telas em série da Apple

Criada pelo roteirista de Contágio, Extrapolations mostra elenco estelar vivendo em um planeta inóspito e tenta convencer as pessoas de que é preciso agir – e rápido

Cena da série Extrapolations, da Apple TV+, que trata do futuro com a mudança climática
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No começo da pandemia, Contágio, dirigido por Steven Soderbergh, foi um dos filmes mais assistidos no mundo – talvez por um desejo de controle ou de informação, em um momento em que não se sabia muito sobre o novo coronavírus. Havia ali algumas dicas importantes, de tossir no braço a evitar tocar o rosto.

Scott Z. Burns, roteirista de Contágio, quer fazer algo parecido com a mudança climática. 

Ele já tem em seu currículo o crédito de produtor de Uma Verdade Inconveniente (2006), documentário que ilustra a campanha do ex-vice-presidente americano Al Gore sobre os perigos do aquecimento global.

Burns é o criador da série de ficção Extrapolations, que tem um elenco invejável, indo de ganhadores do Oscar como Forest Whitaker, Marion Cotillard e Meryl Streep até astros da televisão, como Kit Harington (Game of Thrones), Matthew Rhys e Keri Russell (The Americans) e David Schwimmer (Friends).

Os três primeiros episódios chegam hoje à plataforma de streaming Apple TV+. Os outros cinco capítulos estreiam a cada sexta-feira, com o final exibido no dia 21 de abril.

A série, como o título indica, extrapola a ciência climática para especular como serão os próximos anos lidando com a crise climática – que já está acontecendo. Como disse a produtora-executiva Dorothy Fortenberry no material de imprensa, não é uma história sobre a origem da mudança climática nem algo que se passa 300 anos no futuro.

Para Burns, é tentador chamar a série de ficção científica, mas ele baseou a série na ciência, com roteiros criados a partir da consultoria de ambientalistas renomados como Denis Hayes (um dos criadores do Dia da Terra) e Bill McKibben, que também é jornalista e lidera a entidade 350.org.

“Como Contágio, a série foi pesquisada para trazer à luz o que é possível, e talvez até provável, a não ser que encontremos a coragem para mudar de rumo”, disse no material de imprensa. “Cada episódio examina uma parte diferente do planeta e uma consequência de nossas ações e inações.”

Normalmente, as séries e filmes apocalípticos sobre um desastre dessa magnitude focam no depois: como a sociedade e os seres humanos que restam se reorganizam em um mundo pós-destruição. 

Extrapolations é uma rara produção que se detém sobre a crise enquanto ela acontece. Até porque, como disse Burns, não temos certeza de como será o fim. Mas a ciência já dá conta de compreender o que pode nos esperar.

Futuro próximo

Extrapolations começa em 2037 – cada episódio se refere a um ano, com algumas exceções. Os produtores queriam projetar um futuro não tão distante a ponto de parecer remoto.

É preciso perseverar no primeiro episódio, um tanto expositivo, mas o esforço compensa.

Líderes mundiais discutem o clima em Tel Aviv. Omar Haddad (Tahar Rahim) está preocupado com o aumento da temperatura global, mas tem um problema imediato em suas mãos: a escassez de água em seu país, a Argélia, ameaça causar instabilidade social. Ele quer que o bilionário Nick Bilton (Kit Harington) ofereça sua tecnologia de dessalinização.

Enquanto isso, a mulher de Ezra, a bióloga Rebecca Shearer (Sienna Miller), grávida, é evacuada de uma floresta em chamas no norte do estado de Nova York.

Em Tel Aviv, também mergulhada na fumaça de incêndios, Marshall Zucker (Daveed Diggs), que acaba de se formar numa escola de rabinos, vê sua mãe sucumbir aos efeitos da poluição. No Ártico, Junior (Matthew Rhys) percebe que sua ideia de instalar ali um cassino não é nada comparada à possibilidade de exploração de minérios.

Os demais episódios são independentes, mas há elementos de ligação, e alguns personagens reaparecem ao longo da série, entrelaçando dramas pessoais e globais.

Em 2046, o segundo capítulo, com a temperatura do planeta 1,8°C acima dos níveis pré-industriais, crianças sofrem de “coração de verão”, uma má-formação ligada ao aquecimento.

É o que acontece com Ezra (Joaopaulo Malheiro), o filho de Rebecca e Omar, que morreu precocemente. O menino só pode ficar alguns minutos ao ar livre. Ela agora trabalha em Cáli (Colômbia), na empresa Menagerie2100, que cataloga, acompanha e registra animais à beira da extinção, como a baleia jubarte. Um software permite que ela converse com o bicho, dando ao mamífero a voz de sua mãe, Eve (Meryl Streep).

Um roteiro assustador

Em 2047, a temperatura subiu mais 0,03 grau. Cidades costeiras estão sofrendo com as inundações e os furacões. O rabino Zucker tenta salvar a sua sinagoga em Miami ao mesmo tempo em que ajuda a adolescente Alana (Neska Rose) a atravessar uma crise de fé.

O ano de 2059 é dividido em dois episódios. Na série, o mundo já ultrapassou o limite de 2 graus estabelecido pelo Acordo de Paris. Cidades como Jacarta e Xangai estão embaixo d’ água, e a Amazônia entra em colapso.

Na falta de acordos eficazes, a violência passa a ser vista como uma saída. A inventora Gita Mishra (Indira Varma) e seu enteado Rowan (Michael Gandolfini) acreditam que intervenções humanas radicais no clima, conhecidas como geoengenharia, possam ser a solução.

Mas o ex-marido de Gita e pai de Rowan, Jonathan Chopin (Edward Norton), tem dúvidas. No quinto episódio, 2059 é um ano em que os indianos não conseguem sair durante o dia e precisam de máscaras de oxigênio, oferecidas pelos camelôs. Sete anos depois, Londres sofre com chuvas ininterruptas. Ezra está perdendo a memória por causa de sua doença congênita.

Em 2068, com o planeta 2,44 graus mais quente, São Francisco virou um inferno em que as pessoas só podem sair à rua com aparelhos portáteis de oxigênio. Em um jantar de Réveillon, Auggie (Forest Whitaker) revela à sua mulher, Sylvie (Marion Cotillard), que vai ter sua consciência digitalizada, para acordar novamente quando o mundo estiver melhor. No último episódio, 2070, Nicholas Bilton (Harington) vai a julgamento por ecocídio.

Durante toda a série, há a tensão entre o que pode e deve ser feito e entre aquilo que realmente é. Entre a ganância desmedida e a solidariedade humana.

Extrapolations mostra que o maior empecilho para uma ação determinada de salvamento da Terra são os seres humanos, gananciosos, egoístas, acostumados ao conforto. Mas também solidários, capazes de amar e de inventar tecnologias, fazer ciência, criar belezas.

Sua pretensão é fazer pessoas ao redor do globo perceberem que é preciso agir de verdade, agora.