A tecnologia que está revolucionando o estudo da biodiversidade

DNA ambiental detecta a presença de centenas ou milhares de espécies em pequenas amostras de terra ou água

A tecnologia que está revolucionando o estudo da biodiversidade
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MONTREAL – Ao longo dos anos, biólogos no campo tinham identificado cerca 200 espécies diferentes de plantas nos platôs da serra de Carajás, a área no Pará em que a Vale explora minério de ferro.

O Instituto Tecnológico Vale, uma entidade sem fins lucrativos mantida pela mineradora, passou os últimos três anos fazendo a mesma medição, mas com mais rigor científico e usando uma tecnologia que promete revolucionar o que se entende por mapeamento de biodiversidade.

O resultado foi um número de espécies vegetais quase seis vezes maior: 1.106.

A sondagem mais recente incluiu uma técnica conhecida como análise do DNA ambiental, ou eDNA. “Peixes, plantas, mamíferos, tudo deixa algum rastro genético”, diz Guilherme Oliveira, diretor científico do instituto.  Sinais de vida que sempre estiveram ali, invisíveis, agora podem ser decifrados e contabilizados.

Com amostras do solo que podem pesar somente meio grama, os cientistas do instituto conseguem identificar centenas, às vezes milhares de espécies por meio de traços de material genético que elas deixaram para trás.

As técnicas de análise do eDNA, aperfeiçoadas nos últimos anos, estão transformando o que se entende por mapeamento da biodiversidade, com implicações importantes para a ciência, para os esforços de conservação e também para os negócios (pense nos estudos de impacto ambiental).

Hoje esses testes usam amostras de terra ou de água, mas há avanços também na captura de DNA do ar. “Imagine sugar o ar de contêineres para fiscalizar o tráfico ilegal de animais”, diz Kat Bruce, fundadora da NatureMetrics, uma das startups que querem transformar em negócio a medição da diversidade biológica. “Estamos só começando a entender as possibilidades da tecnologia.”

Visão de raio-X

Oliveira é especializado em biologia molecular e bioinformática e, antes do ITV, era pesquisador da Fiocruz. “Fui para o instituto levar as tecnologias dos estudos biomédicos para estudos ambientais.”

Levantamento de biodiversidade sempre foi um trabalho analógico por excelência.

Especialistas vão a campo para fazer observações e colher amostras.

Muitas vezes o trabalho precisa ser complementado com consultas presenciais, que envolvem viagens internacionais ou envio de material para análise de especialistas em outros países.

Em resumo: esse tipo de mapeamento é um processo lento e caro, e as restrições de tempo e custo significam que o diagnóstico será necessariamente incompleto.

A tecnologia digital muda completamente essa equação. Pequenas amostras concentram uma enorme variedade de material genético residual. Alguns mililitros da água de um lago podem revelar, por exemplo, que pessoas se banharam ali.

Esses resquícios de DNA não são suficientes para que se obtenha um resultado parecido com os dos testes de ancestralidade, mas o mapa da biodiversidade daquele lago vai incluir também seres humanos.

Depois de isolados, cada um desses “códigos de barra genéticos” é comparado com grandes bancos de dados de referência, para dar o nome aos bois (não literalmente, pois não se procuram bois nem bichos de grande porte, facilmente vistos a olho nu).  

Apesar de contar com alguma intervenção humana, o grosso do trabalho é feito por computadores e sistemas de inteligência artificial. Em outras palavras, é muito mais rápido.

Os resultados são mais precisos, pois variações nos atributos morfológicos das plantas podem levar a erro de classificação quando ela é feita por humanos. “Nenhum método é perfeito”, diz Oliveira, “mas conseguimos enxergar mais coisas.”

O negócio da medição

A britânica Kat Bruce, doutora em ecologia molecular, foi uma das primeiras a entender que sequenciamento genético seria o futuro do monitoramento ambiental – e poderia ser um negócio.

Com dois colegas, ela fundou a NatureMetrics, uma das companhias pioneiras em análise do DNA ambiental.

“Achavam que eu estava louca”, disse ela ao Reset, numa entrevista que começou na COP27, em Sharm el-Sheikh, e continuou em Montreal. Hoje, a startup conta com mais de 500 clientes, inclusive brasileiros, para medir e monitorar seus impactos na natureza.

Tradicionalmente, quem procura a NatureMetrics são especialistas ambientais das companhias ou consultores. Mas um anúncio da semana passada indica como o assunto da startup está subindo degraus na hierarquia corporativa.

A empresa criou um painel de controle para organizar e sintetizar as informações, apontando tendências e scores de biodiversidade para os tomadores de decisão.

“Durante muito tempo, o resultado do nosso trabalho era uma planilha enorme, cheia de nomes [das espécies] em latim”, diz Bruce. “Isso faz sentido para quem é cientista. Precisamos de métricas que sejam entendidas na sala do conselho de administração.”

A brasileira Carbonext, desenvolvedora de projetos de preservação de florestas para geração de créditos de carbono, tem planos de gerar receita no futuro a partir do uso do eDNA. A empresa passará a ter acesso a essa tecnologia, já usada pela Shell, depois que a empresa de energia comprou uma fatia minoritária do seu capital. A ideia é poder gerar créditos ‘premium’ que entreguem também a preservação da biodiversidade na floresta.

Mudança de cultura

Os órgãos reguladores ainda usam as informações compiladas pelo Instituto Tecnológico Vale como dados de apoio aos estudos de impacto ambiental tradicionais, diz Oliveira.

A mesma curva de aprendizado acontece na mineradora. A reação inicial não foi efusiva. Multiplicar o número de formas de vida encontradas não significaria muito mais trabalho – e custo – para a empresa?

A resposta é contraintuitiva, afirma o pesquisador. “Na verdade você acaba encontrando muito mais exemplos de uma espécie.”

“Uma planta que você imaginava ser endêmica de uma certa região acaba aparecendo em outros lugares, então no fim das contas é mais fácil garantir a sobrevivência dela.”

Kat Bruce menciona outra vantagem de uma investigação completa logo de saída. “Imagine que no meio do projeto você descubra uma espécie ameaçada. O local pode ser reclassificado como um habitat crítico, o que significa custos de mitigação mais altos e não-previstos.”

Amazônia e além

O aprendizado do ITV na região de Carajás agora será expandido para o restante da Amazônia. O instituto anunciou um projeto em cooperação com o ICMBio, órgão do Ministério do Meio Ambiente, para investigar espécies ameaçadas e de interesse para a bioeconomia.

A iniciativa vai durar quatro anos. O custo, de US$ 25 milhões, será financiado pela Vale.

Além da eficiência no mapeamento, as técnicas de DNA ambiental também podem ajudar a garantir a perpetuação de espécies. Oliveira dá o exemplo da harpia, ou gavião-real, encontrada em duas áreas de conservação da Vale, na Amazônia e na Mata Atlântica.

Conhecer a diversidade genética da população tem impacto nas ações de manejo, pois ela está diretamente associada à sobrevivência da espécie.

“De certo modo, a harpia está sob os cuidados da Vale. Então geramos esse conhecimento e nos conectamos com a comunidade de pesquisadores que trabalha com a conservação”, diz Oliveira.