CARBONO

Piauí quer gerar 20 milhões de créditos de carbono até 2030

Estado assinou acordo com Mercuria, que fará aporte inicial de até R$ 20 milhões para estruturar projeto; Systemica dará suporte técnico

Piauí quer gerar 20 milhões de créditos de carbono até 2030

O Piauí está próximo de dar o pontapé em seu programa de créditos de carbono. O Estado anunciou na manhã desta terça-feira (8) que fechou acordo com duas empresas para investir e desenvolver o programa, com previsão de gerar 20 milhões de créditos de carbono até 2030. 

Os créditos gerados por Estados são conhecidos como jurisdicionais, pois trata-se de um sistema que engloba uma jurisdição inteira. Nele, se leva em conta os resultados das políticas públicas de preservação florestal adotadas no Estado todo, diferentemente dos projetos que cobrem áreas circunscritas, os mais comuns no país hoje. Isso reduz o risco de deslocamento do desmatamento para áreas vizinhas.

O programa terá financiamento inicial da suíça Mercuria, uma das maiores tradings de commodities de energia do mundo – presente em 50 países, faturou US$ 176 bilhões em 2023. O aporte inicial previsto é entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões a depender dos custos de desenvolvimento e implementação em discussão com o Estado. Ele será feito por meio de um fundo da Mercuria, o Silvania, que tem US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões) para financiar soluções climáticas ligadas à natureza e uma iniciativa para acelerar programas jurisdicionais.

O Piauí se junta ao Pará e ao Tocantins, que já possuem projetos de REDD+ jurisdicionais, como são chamados. O governo paraense fechou a venda de 15 milhões de créditos no ano passado em uma transação de R$ 1 bilhão (pelo câmbio atual).

Nesse sistema, os créditos só são gerados se houver queda nas taxas de desmatamento em relação à média histórica. A estimativa do Piauí de gerar 20 milhões de crédito nos próximos cinco anos tem como base a projeção de redução anual de 10% de área desmatada. O programa possui regras e mecanismos para evitar sobreposição com projetos privados, que são deduzidos da contagem geral de créditos gerados.

“Este acordo representa um passo importante para o Piauí na nossa luta contra o desmatamento e as mudanças climáticas. Não apenas protegeremos nossas florestas, mas também criaremos oportunidades sustentáveis para nossas comunidades”, disse o governador do Piauí, Rafael Fonteles, em nota.

Um estudo do MapBiomas divulgado em maio de 2025 apontou que o Piauí teve uma área desmatada total de aproximadamente 142.871 hectares em 2024, cerca de três vezes maior que a área desmatada em 2019 (42.022 hectares). 

Modelo

O acordo do Piauí foi assinado entre o Silvania e a Investe Piauí, sociedade de economia mista do governo estadual, em Genebra, na Suiça, onde fica a sede da Mercuria. O financiamento inicial será para enquadrar o programa do Estado nos padrões do Art Trees (Architecture for REDD+ Transactions), um dos selos mais rigorosos do mercado de carbono voluntário. Os recursos também são para estruturar uma plataforma de monitoramento, consulta pública e redução efetiva do desmatamento. 

O acordo inclui também uma parceria com a Systemica, que tem o BTG entre os sócios, para atuar na estruturação técnica do sistema estadual.

“Uma das belezas do modelo jurisdicional é que ele não parte da premissa de fragmentar o território. Ele entende que o poder público tem a obrigação de gerenciar as florestas como um todo”, diz Celso Fiori, head de soluções baseadas na natureza da Mercúria no Brasil, ao Reset. “Ao mesmo tempo, o Estado não assume risco de performance. Toda a estruturação, a parte técnica, o capital e o risco ficam com a Silvania.”

Este é o segundo investimento do gênero da empresa: em 2024, a trader anunciou um investimento de R$ 14 milhões em REDD+ jurisdicional do Tocantins.

O Silvania atuará também na ponta da demanda garantindo a compra dos créditos gerados (o que é conhecido como offtaker). Parte dos créditos serão usados para para compensação de emissões da própria Mercúria, parte será para revenda no mercado internacional. 

“Nosso papel é garantir a monetização e buscar consumidores finais que valorizem esse tipo de ativo de alta integridade”, diz Fiori. A companhia transaciona entre 20 milhões a 30 milhões de créditos de carbono por ano e também atua no mercado regulado da Europa e no de combustível de baixo carbono da Califórnia.

O acordo prevê que a receita com a venda dos créditos não ingressem de forma livre no orçamento público, mas que seja vinculado a políticas estaduais contra o desmatamento. A gestão será do governo estadual com participação da sociedade civil, produtores e comunidades locais. “Não existe distribuição de dinheiro em espécie na ponta, mas sim a entrega de serviços previamente acordados com as comunidades beneficiárias”, explica Fiori. 

Destino das receitas

O programa do Pauí ainda está em estruturação, o que contará com consultas públicas. Um dos temas será a da “repartição de benefícios”, que define como os recursos gerados com a venda dos créditos serão usados. No programa do Pará, por exemplo, ele têm de ser usados obrigatoriamente em atividades de conservação, o que inclui repasses às populações locais que fazem parte crucial desse trabalho. 

O processo envolve ainda uma série de etapas: auditorias, elaboração de políticas públicas estaduais, avaliação da regularização fundiária, conexão com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), criação de salvaguardas, além da organização de consultas públicas. No Tocantins, já foram 26 encontros com comunidades locais antes da versão preliminar do projeto. 

“É um processo longo, que precisa envolver desde o início os órgãos de controle, como Ministério Público Federal, Funai, Ibama”, diz o executivo da Mercuria. Além disso, um site será criado para dar transparência aos fluxos de recursos, metas e execução orçamentária.

A execução técnica será feita pela Geonoma, empresa especializada em monitoramento, reporte e verificação (MRV), da qual a Mercúria também é sócia. A empresa existe há 15 anos e realizou o processo completo de MRV no Tocantins. “Demorou anos para sistematizar dados, definir modelos e processar os códigos necessários. Agora temos maturidade técnica para replicar”, aponta Fiori.

Com o avanço da regulamentação do mercado de carbono no Brasil e a realização da COP30, em Belém, a expectativa da Mercuria é posicionar os programas jurisdicionais como a próxima fronteira dos créditos florestais no país. 

“Há uma diferença relevante entre os projetos jurisdicionais e os projetos privados convencionais. É mais conservador do ponto de vista da linha de base e exige comprovação robusta de participação comunitária. Depois da crise dos créditos de REDD+, os compradores internacionais elevaram os requisitos. E os programas como esse respondem a esse novo momento”, avalia Fiori.