CARBONO

Para a Deep, contabilizar carbono tem de ser rápido, barato e automático

Empresa de software se prepara para surfar a onda de novas exigências de transparência climática no Brasil e no mundo

Deep ESG

O engenheiro Arthur Covatti e o administrador Paulo Miranda, sócios na empresa de software Deep, estão numa missão. Querem convencer companhias a mudar seus processos para que os dados sobre as emissões de carbono estejam à disposição da organização o tempo todo, e não apenas em relatórios anuais. “Não podemos prometer ajudar (o cliente a automatizar o inventário de carbono) sem conversar sobre processos”, diz Covatti (à esquerda na foto).

“Normalmente, precisamos primeiro convencer o executivo de sustentabilidade e depois ajudar esse executivo a convencer o CEO dele.” A conversa pode ser difícil, mas, pelo menos para a Deep, vem funcionando. A empresa, com cinco anos de vida, tem hoje 250 clientes e mais que dobrou de tamanho em 2024.

Os sócios acham que o esforço vale a pena porque identificam uma ameaça no horizonte. O mercado se move como um navio, bem lento para mudar o curso. Pelas práticas mais comuns, fazer relatórios ESG é uma empreitada demorada e cara, que consome meses de trabalho e a dedicação exclusiva de um grupo de funcionários.

Empresas criam forças-tarefa para levantar informação sobre gastos com energia e combustível, impacto ambiental de produtos, gestão de resíduos e outros tópicos, em investigações paralelas ao dia a dia do negócio. Os relatórios são feitos com um ano de intervalo e os padrões mudam frequentemente, o que dificulta comparações de um ano para o outro.

Esse jeito de trabalhar vem levando o navio do mercado na direção de um iceberg. Regulações adotadas a partir de 2023 no Brasil, União Europeia, China, Japão, Canadá, Califórnia e outras jurisdições obrigam mais de 60 mil companhias a melhorar sua transparência climática. (A regulação federal nos Estados Unidos de Trump devem ser a exceção.)

Nesses mercados, uma sequência de novas exigências vai entrar em vigor entre 2025 e 2033. Cada companhia afetada diretamente pelas novas regras puxa um cordão de fornecedores, distribuidores, recebedores de investimento e interessados, que também vão contabilizar emissões.

“Seria loucura continuar trabalhando do jeito tradicional”, afirma Covatti. “As empresas brasileiras vão precisar fazer inventário com maior frequência, por vários motivos – porque o cliente pediu, porque querem exportar, porque vão atuar num mercado de carbono regulado. Por isso o trabalho precisa ser fácil, barato e automatizado.”

O caminho vai ser longo. Um paper de 2024 da OCDE (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento) classifica os relatórios empresariais de emissões como “limitados” e atribui parte do problema ao uso de indicadores “subjetivos”. “Muito da divulgação até agora tem sido incompleta ou inadequada”, alerta a OCDE.

“A maioria das empresas faz contabilidade de carbono de forma rudimentar, que pode limitar a habilidade delas de se manter à frente da evolução regulatória e de potencialmente criar valor”, alertou em novembro o consultor Hemant Ahlawat, da McKinsey, em artigo sugerindo que os diretores financeiros assumam mais responsabilidade nessa área.

“Muito frequentemente, as empresas têm dados sobre carbono desencontrados, inconsistentes e ineficientes espalhados pela organização – ou não têm dado significativo nenhum.”

Processos assim – bagunçados mas recorrentes, que praticamente imploram para ser sistematizados – costumam render boas oportunidades de negócio para desenvolvedores de software. Covatti percebeu isso e, em 2020, aos 24 anos, depois de se formar em engenharia aeroespacial pelo ITA, fundou a Deep, junto com Miranda, experiente consultor em estratégia empresarial. A proposta do negócio é ajudar os clientes a monitorar frequentemente variáveis como carbono, pegada hídrica, diversidade ou qualquer outra questão ESG.

Outros empreendedores também detectaram a oportunidade. A consultoria britânica Verdantix contou 88 empresas relevantes disputando o mercado internacional de contabilidade de carbono em 2024, incluindo players como a brasileira WayCarbon e a americana Sinai, fundada pela brasileira Maria Carolina Fujihara.

A PwC estima que tenha ocorrido em 2021 o pico de investimentos em startups de “inteligência de dados” relacionada a gases de efeito estufa. Segundo a consultoria, há uma forte movimentação ainda em andamento: startups desse segmento receberam US$ 2 bilhões em investimentos em 2023 e US$ 1 bilhão nos três primeiros trimestres de 2024. Esse mundo não é só das startups. Gigantes de software corporativo, como IBM, Microsoft, Salesforce e SAP, passaram a oferecer produtos específicos para a gestão de carbono.

Nesse segmento cada vez mais disputado, Covatti acredita que a Deep oferece diferenciais importantes. Seu serviço se integra aos principais software de gestão, os ERP (Enterprise Resource Planning). A conexão é facilitada pela parceria estratégica com a maior empresa brasileira desenvolvedora de ERP, a Totvs, que investiu R$ 10 milhões na Deep e vende seu software (a startup captou até hoje R$ 30 milhões de investidores).”

Outra diferença é o esforço de “tropicalização”. Na produção de relatórios de carbono, existem fatores de conversão globalmente aceitos – isso permite que indicadores financeiros, como o gasto com combustível, sejam transformados em indicadores físicos, como emissões de carbono.

A Deep mantém bases de dados brasileiros e produz, quando necessário, fatores de conversão específicos para o Brasil, a fim de alcançar o máximo de precisão nos relatórios. Assim, espera que em 2025 consiga mais que dobrar de tamanho novamente – e que as conversas com os clientes fiquem pelo menos um pouquinho mais fáceis.

Atualizada às 15h20 com uma correção sobre o investimento da Totvs, que foi de R$ 10 milhões, não R$ 22 milhões como publicado anteriormente.