Operação da PF desmonta 'organização criminosa' do carbono

Empresário teria vendido R$ 180 milhões em créditos gerados em centenas de milhares de hectares grilados; aviões, lanchas e carros de luxo são apreendidos

Policiais federais na operação greenwashing
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Uma operação da Polícia Federal deflagrada na manhã de quarta-feira revelou o que deve ser o maior escândalo envolvendo créditos de carbono no Brasil.

Quatro pessoas foram presas. Dois aviões, uma lancha e carros de luxo, incluindo um Porsche e duas Mercedes-Benz, foram apreendidos, e R$ 1,6 bilhão pertencente aos indiciados foi congelado.

O empresário paulista Ricardo Stoppe Júnior, apontado como líder da organização criminosa, estava foragido até a publicação desta reportagem.

Segundo a Polícia Federal, Stoppe começou se apossando de terras na região do Ituxi, uma área remota do Amazonas, e mais recentemente vinha avançando no Apuí e em Nova Aripuanã.

Todos esses territórios sofrem forte pressão de desmatamento e por essa razão são considerados propícios para a preservação viabilizada por financiamento privado.

Em áreas que seriam da União, empresas do Grupo Ituxi, controlado por Stoppe, e parceiros desenvolveram projetos para gerar créditos de carbono que renderam cerca de R$ 180 milhões, de acordo com estimativas da PF.

As fraudes teriam resultado na apropriação ilegal de mais de 500 mil hectares, uma áreas três vezes maior que a do município de São Paulo. Servidores públicos teriam auxiliado a quadrilha falsificando dados no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), segundo a PF.

Crimes também foram cometidos no manejo florestal realizado nos projetos, disse ao Reset Thiago Marrese Scarpellini, delegado da Polícia Federal em Porto Velho (RO) que há dois anos investiga o caso.

Batizada de Greenwashing, a operação policial acontece num momento em que diversas iniciativas de autorregulação tentam recuperar a credibilidade do mercado voluntário, em que empresas adquirem créditos de carbono para compensar suas emissões de gases de efeito estufa.

Vídeo da Operação Greenwashing mostra bens apreendidos (fonte: Polícia Federal)

Cada crédito corresponde a uma tonelada de CO2 (ou o equivalente em outros gases) que foi removida ou deixou de ser lançada na atmosfera.

Os empreendimentos de Stoppe eram de desmatamento evitado, também conhecidos pela sigla REDD+, um tipo de atividade que remunera programas que mantêm a floresta em pé.

Madeira ilegal

Os projetos de Stoppe envolviam manejo florestal, que é o corte programado de parte das árvores para comercialização da madeira.

A exploração é realizada mediante autorizações conhecidas como DOFs (Documento de Origem Florestal), comprovando que a madeira foi extraída legalmente.

Segundo Scarpellini, os projetos das companhias de Stoppe cortavam menos árvores do que poderiam. Os DOFs que sobravam seriam usados para esquentar madeira extraída ilegalmente em outras áreas, incluindo a reserva indígena Kaxarari.

Dessa maneira, os projetos ganhavam dinheiro ao vender mais créditos de carbono – pois mantinham mais floresta intocada – e também com a lavagem de madeira, segundo a PF.

O esquema de exploração ilegal de árvores foi revelado no último dia 22 pelo site Mongabay. Segundo a reportagem, empresas como Nestlé, Gol, Toshiba e Boeing compraram créditos ligados aos empreendimentos de Stoppe.

Procurado pelo Reset, o Grupo Ituxi afirmou em nota que “não teve acesso aos autos da investigação da Polícia Federal. Assim que a Justiça autorizar a liberação do conteúdo das denúncias, a empresa irá se manifestar publicamente”.

Mega operação

A operação da Polícia Federal aconteceu em cinco Estados (Amazonas, Mato Grosso, Paraná, Ceará e São Paulo). Foram cumpridos 76 mandados de busca e apreensão.

Scarpellini afirma que os negócios de Stoppe faturaram cerca de R$ 600 milhões com a venda de madeira. As terras de que ele teria se apossado ilegalmente valeriam R$ 800 milhões.

Foram detidos também o filho de Stoppe, Ricardo Villares Lot Stoppe, Élcio Aparecido Moço, dono de uma empresa que participava dos projetos de carbono investigados, José Luiz Capelasso e sua filha Poliana.

Estes dois últimos eram responsáveis pela parte operacional do esquema madeireiro, afirma o delegado. Poliana Capelasso, engenheira ambiental, seria responsável pelos documentos de manejo florestal. (A reportagem não conseguiu identificar os advogados de defesa.)

Velho oeste amazônico

Original de Birigui e morador de Araçatuba, duas cidades próximas no noroeste do Estado de São Paulo, o médico Stoppe se apresentava como o maior vendedor pessoa física de créditos de carbono do país.

Em entrevista à TV Bandeirantes na COP28, em Dubai, ele fala sobre a necessidade de o país criar um mercado regulado de carbono. A mesma reportagem menciona escândalos revelados ano passado envolvendo a geração ilegal de créditos de carbono em terras públicas.

Ele comprou sua primeira fazenda no Mato Grosso no fim dos anos 1990 e pouco tempo depois descobriu e “se apaixonou” pela região de Ituxi, onde estão seus empreendimentos de carbono, conforme declarou à Exame.

A ideia inicial era criar gado, mas o negócio de ativos ambientais provou ser mais interessante, afirmou ele na mesma entrevista.

Ituxi fica numa área de difícil acesso. “São mais de 2 mil km de Manaus. Um agente saiu de Porto Velho no domingo para participar da operação que aconteceu hoje (quarta)”, diz Scarpellini.

Foi nesse “velho oeste” amazônico que o empresário usurpou terras públicas, afirma o delegado da PF, corrompendo agentes públicos estaduais e federais. “Ele se especializou nisso, a grilagem dele é eletrônica.”

O mercado reage

Uma pessoa experiente no mercado de carbono e que há anos trabalha na região disse ao Reset que “uma hora a casa ia cair”.

Outra, que atua no mercado de carbono, afirma que Stoppe era conhecido por ser falastrão e por fazer “o mínimo possível” para obter créditos. “É aquela história, um Fusca e um Porsche te levam ao mesmo lugar.”

O Porsche, nessa analogia, seriam os projetos que envolvem as comunidades locais e oferecem ao comprador não só toneladas de carbono para compensação, mas também os chamados co-benefícios sociais e de biodiversidade.

Essa pessoa afirma que o episódio é péssimo para o setor. Ao mesmo tempo, faz parte da vida em um mercado que atua sem regulamentação.

“Pelo menos a barra está subindo. Hoje as exigências [de documentação fundiária] são cada vez maiores. É melhor assim.”