Mais um passo foi dado hoje para tentar preservar a reputação do mercado de compensações voluntárias de carbono, que vem sofrendo com acusações de falta de integridade e greenwashing.
Desta vez o alvo são os planos de descarbonização de empresas e investidores e as promessas e compromissos públicos assumidos.
O Voluntary Carbon Market Integrity Initiative, entidade que atua do lado dos compradores de créditos, acaba de publicar um código de conduta para definir o que as empresas podem e não podem afirmar com base na compra de créditos de carbono.
Em março, outro programa chamado Core Carbon Principles fez o mesmo do lado dos vendedores de créditos.
Os procedimentos recomendados pelo VCMI são a primeira tentativa de organizar um mercado que hoje pode ser descrito como um “vale-tudo”.
Além do uso indiscriminado de termos como “verde” e “neutro em carbono”, inúmeras denúncias de greenwashing foram feitas ao longo dos últimos anos apontando maus usos de créditos de carbono.
Há três semanas, autoridades suíças acusaram a FIFA de fazer afirmações falsas quanto à neutralidade de carbono da Copa do Mundo do ano passado, no Catar.
A compensação do torneio incluiu a compra de 3,6 milhões de toneladas de créditos (cada um corresponde a uma tonelada de CO2 ou o equivalente em outros gases).
O sistema do VCMI introduz uma camada extra de complexidade para quem deseja usar créditos, mas a expectativa é que ele também represente alguma segurança para as companhias.
Um dos objetivos da iniciativa é justamente dar confiança a essas transações. Os riscos de reputação associados ao mau uso ou a créditos de má qualidade é apontado como um dos motivos da desaceleração recente no mercado.
O que diz o código
Atualmente, as companhias fazem todo tipo de afirmação pública com base na compra de créditos de carbono. A neutralização das emissões de viagens aéreas ou de eventos são dois exemplos populares.
Esse tipo de utilização continuará sendo possível dentro do sistema desenhado pelo VCMI – desde que sejam atendidas quatro condições básicas:
- A primeira é que a companhia tenha contabilidade de suas emissões de gases de efeito estufa e metas de redução alinhadas com o Acordo de Paris, ou seja, mirando o net zero em 2050.
- Depois, a empresa deverá escolher entre três selos que indicam a “qualidade” da compensação. A mais acessível delas, batizada de prata, corresponde à compra e à aposentadoria de créditos que correspondam a 20% a 60% das emissões da companhia depois de demonstrado progresso em relação a suas metas de curto prazo. Nos selos ouro e platina, as exigências aumentam para mais de 60% e mais de 100%, respectivamente.
- O terceiro passo diz respeito à garantia de origem dos créditos, que terão de ser adequados aos Core Carbon Principles.
- Finalmente, serão exigidas comprovações de todas as informações por uma terceira parte independente. As bases para essa avaliação serão publicadas no segundo semestre.
O que muda na prática?
A elaboração do código levou dois anos e envolveu consultas públicas e um período de testes com mais de 70 empresas.
Tanto do lado da oferta quanto da demanda, o principal argumento dessas iniciativas de ordenamento é o papel essencial que os créditos de carbono terão na luta contra a mudança do clima.
“A integridade é o que fará do mercado voluntário uma ferramenta poderosa que nos levará a um mundo de emissão zero e mobilizará as finanças necessárias para países de baixa e média renda de forma mais rápida”, disse em comunicado Tariye Gbadegesin, co-presidente do VCMI.
Mas não há garantias de que o código seja adotado de fato pelos compradores de compensações.
As exigências de planos detalhados de descarbonização e a etapa burocrática extra da verificação independente foram potenciais obstáculos apontados durante a elaboração do programa.
Além disso, existem iniciativas paralelas com o mesmo objetivo, como a da Science Based Targets initiative (SBTi).
Por outro lado, o VCMI colabora com algumas entidades de regulação e de autorregulação (como as que definem regras para a publicidade) para que seus critérios possam ajudar na formulação de requisitos mínimos de integridade e credibilidade.
Na União Europeia, no Reino Unido e nos Estados Unidos já existem discussões avançadas para determinar que tipo de afirmações climáticas as empresas podem fazer com base nos offsets adquiridos.