Na Pachama, IA dá escala aos créditos de carbono 

Startup do Vale do Silício lança sistema 'self-service' para acelerar a criação de projetos de preservação e restauração da natureza

Na Pachama, IA dá escala aos créditos de carbono 
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A startup Pachama aposta no poder da tecnologia digital para que os créditos de carbono florestais cumpram a promessa dupla de preservar a natureza e ajudar na luta contra a mudança do clima.

“Para ter impacto precisamos multiplicar o financiamento dessas atividades em dez vezes, cem vezes”, diz o fundador e CEO Diego Saez-Gil. “Temos que proteger e restaurar em uma escala muito maior que a atual.”

A melhor maneira de fazer isso, acredita ele, é abordar a questão como se faz no Vale do Silício, colocando computadores, sensores e software para trabalhar.

A empresa, que nasceu como um marketplace de carbono, já usava sistemas de inteligência artificial para analisar imagens de satélite e ofertar somente créditos considerados de alta integridade.

Ainda assim, o volume de negócios não avançava na velocidade esperada por Saez-Gil, um argentino veterano de duas startups nos Estados Unidos e habituado à progressão geométrica do mundo digital.

A Pachama tomou, então, duas decisões. A primeira foi partir ela mesma para a originação, buscando parceiros interessados em “plantar” créditos agora para colhê-los mais adiante.

O programa Regenera América, bancado pelo Mercado Livre, foi lançado em 2021 e já conta com R$ 115 milhões para reflorestamento de áreas degradadas na América Latina, a maior parte no Brasil. 

A segunda decisão talvez seja mais ambiciosa. A startup vai oferecer sua infraestrutura para que proprietários de terras, ONGs ou mesmo desenvolvedores possam colocar em pé com mais agilidade seus projetos de geração de créditos de carbono.

O serviço funciona totalmente online, pela web. Basta fazer o upload de um arquivo com as coordenadas de GPS, ou então simplesmente desenhá-la no mapa, para saber se a área é elegível, quanto carbono seria gerado e qual a renda potencial.

“Às vezes você precisa trazer um consultor ou um cientista da Europa para fazer inventários de carbono”, diz Saez-Gil. “Estamos falando de uma economia de tempo de semanas ou meses. E esse tipo de coisa representa parte importante do custo financeiro do projeto.”

Carbono.com

Numa sala de reuniões de um coworking na Faria Lima, Saez-Gil faz uma demonstração. A tela mostra um projeto hipotético para reflorestar uma área de cerca de 100 hectares no interior do Rio de Janeiro.

(Por causa dos custos envolvidos, esse é o tamanho mínimo de um projeto hoje.)

A partir do mapa, o sistema identifica que 71% da área está apta a gerar créditos de carbono, depois de descontadas as construções e um espaço que já tem floresta nativa.

Respondidas algumas questões a respeito da titularidade da terra e dos usos prévios do terreno, o software emite três estimativas, que variam de 324 a 500 toneladas de carbono sequestradas por hectare ao longo de 40 anos (que correspondem à duração mínima de um projeto).

“Antes disso, ou você chamava uma empresa ou então tinha de procurar a [certificadora] Verra, baixar a metodologia VM0047 e estudar as cem páginas.”

A plataforma automatizada é somente um empurrão – as comprovações de posse das terras, por exemplo, ainda envolvem mergulhos nas profundezas da burocracia brasileira.

E toda iniciativa precisa passar por todas as etapas de certificação pelas entidades que validam os projetos e emitem os créditos.

Saez-Gil diz que o objetivo da digitalização é fazer as coisas “mais rápido e mais barato”. Outra vantagem, segundo o CEO, é o “empoderamento” dos donos de terras.

“Infelizmente ainda há muitos casos de pessoas que são enganadas por desenvolvedores mal-intencionados. Aqui, você mesmo pode checar. Esses são os dados, essa é a ciência.”

O dinheiro

Por enquanto, o sistema cobre Brasil, Argentina e Estados Unidos. Uma ONG do Rio já está utilizando o sistema para reunir proprietários interessados em participar de uma iniciativa conjunta de restauro.

O plano é lançar uma chamada pública nos próximos meses para encontrar mais projetos.

A Pachama também quer ajudar os pequenos na outra parte fundamental desse tipo de iniciativa: o financiamento.

Saez-Gil vislumbra vários modelos. Uma companhia pode fazer um pagamento antecipado para garantir os créditos que vai adquirir no futuro a um preço mais baixo. Outra possibilidade são investidores apostando no retorno puramente financeiro.

Em troca do serviço, a startup deve exigir algum tipo de exclusividade na negociação dos ativos.

Credenciais

A Pachama tem as credenciais geográficas e técnicas esperadas de uma startup de base tecnológica. A sede fica no Vale do Silício (Saez-Gil mora em San Francisco), e o fundo Breakthrough Ventures, de Bill Gates, é um dos investidores, junto com a gestora brasileira Positive Ventures. (A companhia já recebeu ao todo US$ 90 milhões de aportes de fundos de venture capital.)

Sam Altman, CEO da OpenAI e provavelmente o executivo de tecnologia mais badalado do mundo hoje em dia, também aparece na história da startup.

A empresa deu os primeiros passos na Y Combinator, aceleradora que Altman comandava antes de tornar-se o nome símbolo da revolução da inteligência artificial.

“Estive com ele umas três vezes, mas agora ele ficou famoso demais e não responde mais minhas mensagens”, diz Saez-Gil, em tom de brincadeira.

Mas seu comprometimento com a tecnologia é firme. Ele diz que quando fundou a companhia não sabia quase nada sobre créditos de carbono, mas seu “modelo mental” era o Airbnb.

“Queríamos ser um marketplace que cobrasse uma taxa fixa. Com mais transparência, mais dinheiro é direcionado para os projetos e mais confiança entre as partes”, diz o CEO.

A lista de clientes também reflete a vocação tecnológica. Nomes como Amazon, Salesforce e Softbank já compraram créditos de carbono na plataforma verificada da startup.

Mas a convicção não se baseia só em “tecno-otimismo”. Em 2020, pouco menos de um ano após fundar a empresa, sua casa foi destruída por um incêndio florestal.

Ele estava viajando com a mulher naquele final de semana, mas o evento serviu para reforçar a importância da missão da Pachama, afirma Saez-Gil. 

Embora a companhia esteja cada vez mais focada em iniciativas de restauração, a proteção da vegetação nativa por meio de projetos que evitam o desmatamento – conhecidos como REDD+ – também são essenciais.

“Não faz sentido plantar milhões de árvores se você estiver perdendo o resto da Amazônia.”