João Paulo Capobianco foi secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na primeira passagem de Marina Silva pela pasta, entre 2003 e 2008. Agora, está repetindo a dobradinha.
O biólogo, que estava à frente do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) antes de assumir a nova função, defende que um mercado regulado de carbono é essencial para financiar a transição energética do Brasil para uma economia de “carbono negativo”.
O número 2 do agora rebatizado Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) frisa que a ambição é que o país vá além do carbono zero. “Nós vamos fixar mais carbono do que a gente emite”, afirma.
Para atingir esse objetivo, uma das promessas cruciais do novo governo é zerar o desmatamento, tanto ilegal como legal. Para o ilegal, o prazo para encerrá-lo é “ontem”, por meio de medidas punitivas e combate ao crime organizado associado à destruição ambiental principalmente da região amazônica.
Capobianco defende ainda políticas públicas e pagamentos por serviços ambientais que incentivem e remunerem a vegetação em pé mesmo em áreas em que o desmatamento é autorizado pelo Código Florestal.
Em entrevista ao Reset, o secretário também falou sobre qual será o papel da Autoridade Climática, figura que foi criada neste governo, a atual situação do Fundo Amazônia e a presença do crime organizado na região amazônica. A seguir, os principais trechos da conversa:
Que medidas práticas estão sendo tomadas para chegar ao desmatamento zero?
É um desafio que está sendo estabelecido para o governo todo e que se traduz objetivamente em algumas frentes. A primeira foi a criação de uma Secretaria Extraordinária de Prevenção e Controle do Desmatamento e Ordenamento Territorial no Ministério do Meio Ambiente.
No dia da posse, o presidente assinou vários decretos, incluindo a criação da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento Nacional – em âmbito nacional, e não só na Amazônia.
Ele também restabeleceu o PPCDAM, que é Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, com o PPCerrado, que é o Plano de Prevenção e Controle do Cerrado e determinando que os ministérios se organizem para apresentar ações para os demais biomas. Teve também a revogação do decreto que liberava garimpo de forma totalmente descontrolada no Brasil, que é muito importante. Já estamos numa rota de implementação.
E o desmatamento zero é sem adjetivos, não é só desmatamento ilegal zero. O ilegal tem que ser eliminado o mais rápido possível, o prazo para eliminá-lo é ontem.
Mas o desmatamento legal – aquele que está previsto no Código Florestal, onde um proprietário rural teria ou tem legalmente o direito a suprimir uma área – é uma questão de esforço do governo em termos de políticas públicas.
Então são duas coisas. Do lado ilegal, punição, arrochar todos os processos, e estamos preparando uma série de medidas. Do outro, medidas econômicas, pagamentos por serviços ambientais, implementação do mercado de carbono regulado, uma série de instrumentos que tornem vantajoso para quem tem o direito de desmatar não exercer esse direito.
Existe uma diferença fundamental na Amazônia em relação a 20 anos atrás: a presença do crime organizado na região. Qual será o impacto disso no combate ao desmatamento?
Essa é uma enorme preocupação. Segundo análises feitas por diferentes instituições públicas e privadas, o crime organizado encontrou na Amazônia território fértil para se expandir, especialmente no governo anterior.
Isso gera uma dificuldade, mas nós entendemos que o governo tem condição de enfrentar através dos seus órgãos de inteligência, da sua capacidade de operação da Polícia Federal. É um desafio, mas não é um desafio que o governo se sinta acuado. Pelo contrário, é mais um elemento para justificar um planejamento muito bem feito do combate ao desmatamento, porque junto nós vamos estar combatendo o crime organizado, o que vai trazer um benefício enorme para o país.
Haverá uma aproximação com o setor privado para tratar de iniciativas de conservação e reflorestamento?
Já está havendo uma aproximação com o setor privado para combater os desmatamentos. Existem no Brasil extensas áreas de pastagens degradadas que tem baixíssima produtividade. Quando você utiliza técnicas, como a desenvolvida pela Embrapa, de integração lavoura, pecuária, floresta, onde você recupera o solo, melhora a condição de produção e produz mais no mesmo território, gera-se soluções, que vão sendo incorporadas.
Existe uma parcela muito importante do setor privado que já está nesse caminho, que já incorporou a questão ambiental, que já sabe que nossos produtos no exterior serão demandados em termos da comprovação da sua origem. A União Europeia já aprovou uma diretriz que vai banir esses produtos que não comprovarem a legalidade na produção. Isso já é uma realidade.
Nós temos caminhos muito fortes no setor privado, estamos trabalhando com o Ministério da Agricultura e Pecuária, estamos totalmente integrados. Os discursos do ministro de Agricultura e Pecuária, de Minas e Energia, estão todos muito alinhados. Nossa prioridade é de fato trazer o setor privado para esse campo.
O governo pretende revisar a NDC brasileira (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, com metas de descarbonização submetidas ao Acordo de Paris). Como se dará isso? Quem vai coordenar?
Vai ser um sistema totalmente diferente do que foi feito na última revisão. Com base em dados científicos, com base na melhor informação disponível e com consulta pública. Não vai ser feito nada açodadamente. A NDC é algo extremamente importante, que tem que ser feito dentro da da melhor técnica e informação científica e com consulta, senão não tem adesão.
A regulação do mercado de carbono é uma agenda do Ministério da Fazenda e não do MMA. Mas qual a percepção da pasta sobre a vontade da Fazenda de avançar nisso? Qual a posição do MMA sobre o mercado regulado de carbono? O governo anterior editou um decreto que recebeu críticas do setor privado e que não esgota o tema.
O mercado regulado de carbono é extremamente importante, porque tem um potencial para um país como o Brasil, que pode ser a primeira economia a se tornar carbono negativa, ou seja, o primeiro país de economia média para grande a emitir menos do que sequestra.
Cerca de 50% da emissão do país é desmatamento. Então, se o Brasil reduz o seu desmatamento a zero, como é o esforço que está sendo construído, amplia o esforço em energias renováveis, faz o processo de recuperação, conversão de pastagens e melhoria através do programa de Agricultura de Baixo Carbono, nós vamos fixar mais carbono do que a gente emite.
Nesse contexto, ter um mercado regulado de carbono, bem dirigido, bem organizado, que evite a questão de dupla contagem, o uso indevido de crédito é fundamental. Será um instrumento econômico importantíssimo para financiar a transição energética para uma economia do carbono negativo.
E qual é a opinião do governo sobre o mercado voluntário de créditos de carbono? O país vai proibir ou restringir a exportação desses créditos para usá-los em sua NDC?
O mercado voluntário é voluntário. Não é algo que o governo tenha um papel, uma responsabilidade. As próprias empresas, os grupos, as organizações e as comunidades se organizam no sentido de dar credibilidade. Acho extremamente positivo porque ele tem mostrado, inclusive, resultados positivos e tem tido um papel importante no financiamento de iniciativas relevantes de conservação e de recuperação e de melhoria ambiental.
Qual é a situação atual do Fundo Amazônia? Como está a busca por parcerias? Já há algo definido?
O Fundo Amazônia tem uma quantidade significativa de recursos disponíveis: são cerca de R$ 3 bilhões. Ele estava paralisado porque o governo anterior unilateralmente alterou o sistema de governança do fundo e, evidentemente, os doadores não aceitaram.
Em 1° de janeiro, um outro decreto importantíssimo foi a recomposição do Cofa, que é o comitê coordenador justamente do fundo Amazônia. O Ministério do Meio Ambiente, que preside o fundo, já solicitou a indicação de todos os membros do conselho e já convocou a primeira reunião para 15 de fevereiro.
Vamos tomar as medidas necessárias para aprimorar a agilizar o desembolso dos recursos que estão lá e, de outro lado, buscar mais doadores. Hoje os principais doadores são Noruega e Alemanha. E a ideia é ampliar isso para outros países, além de fundos privados e fundações que possam contribuir.
Sobre a figura da Autoridade Climática, qual será o escopo de sua atuação?
Essa proposta da Autoridade Nacional de Segurança Climática foi uma proposta apresentada pela ministra Marina Silva durante a campanha do presidente Lula. Sempre foi, desde a sua origem, algo que deveria estar no Ministério do Meio Ambiente.
Não é um órgão de ação política, é um órgão técnico que tem como objetivo fazer o monitoramento e apoiar as ações do governo federal para que sejam cumpridas as metas assumidas no âmbito da convenção sobre mudança do clima.
É uma peça fundamental porque o governo assume compromissos na convenção [do clima] e esses compromissos precisam se transformar em políticas públicas e gerar resultados. Isso é feito, só que é necessário que haja um acompanhamento.
Isso pode dificultar ou apoiar determinadas ações e propostas de governo de obras de infraestrutura, por exemplo. Como é que isso vai ao encontro ou de encontro às metas? Então é um órgão técnico de assessoramento, monitoramento e formulação do governo. Ele subsidia o conjunto.
O garimpo ilegal e a mineração na Amazônia se tornaram temas centrais no debate ambiental nos últimos anos. Que medidas devem ser adotadas coibi-lo e para limitar os danos causados pela atividade?
Primeiro, o presidente da República revogou um decreto anterior, do ex-presidente, que utilizou uma uma figura que nem existe, do “garimpo artesanal”.
Segundo, já uma decisão do governo de transição que está entre as prioridades dos primeiros 100 dias de fazer as ações necessárias para a retirada de garimpo de terras indígenas, unidades de conservação e de outras áreas prioritárias. Isso está sendo preparado e é fundamental. Existe uma preocupação de combater a ilegalidade e, ao mesmo tempo, oferecer alternativas e ter uma ação social.
Uma das agendas mais caras à ministra Marina Silva é a da bioeconomia. Qual a política do governo para incentivá-la?
A ideia é fazer uma agenda muito intensa em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com parceria com a Apex, agência exportadora. Agora temos lá uma pessoa com muita experiência na questão ambiental, que é o Jorge Viana, que foi o governador do Acre e implementou uma política de gestão de florestas no estado.
Queremos fazer uma ação muito bem organizada para ampliar a inserção de produtos da floresta no mercado nacional e internacional, fomentar o uso sustentável, criar novas alternativas de agregação de valor. Apoiar a melhoria na qualidade do produto, porque muitas vezes o processo produtivo não dá a qualidade necessária para entrar no mercado de forma um pouco mais adequada.
E também trabalhar mais no sentido de estimular o uso de princípios ativos da nossa biodiversidade, que têm sido pouco utilizados em função das dificuldades burocráticas e legais.
Na COP15, de Montreal,o governo brasileiro teve um papel relevante. Uma das questões foi a valorização do reconhecimento do papel dos povos indígenas tradicionais na conservação e do uso sustentável da biodiversidade. E também na questão da necessidade do reconhecimento dos direitos dessas populações desses povos originários sobre conhecimentos [associados a] sequenciamentos genéticos.
A agenda verde tem sido muito bem recebida pela comunidade internacional e investidores (principalmente) estrangeiros. Como o senhor avalia a reação do setor privado?
Nenhuma empresa, nenhum setor da economia pode se dar o luxo de achar que as normas não vão ficar cada vez mais restritas. Só se a pessoa tiver vivendo no mundo da lua ou na Terra plana.
Tem ainda infelizmente alguns segmentos, empresários que ainda ficam gritando contra e se recusando a aderir lutando para mudar lei no Congresso, lutando para fazer lobby – todo esse “passar a boiada” do governo anterior. O que ele conseguiu com isso? Conseguiu atrasar a agenda do Brasil, em benefício de uma minoria e em prejuízo da maioria.
São os estertores dos conservadores que acham que mudança climática é invenção, que vão continuar desmatando e grilando terra e que vai ficar tudo bem. Você pode ter certeza que a mudança, a eleição de um novo presidente tem a ver muito com essa questão ambiental, pela percepção de risco, inclusive, de descaminho do Brasil. Não tem nem choro nem vela, é fazer a lição de casa e aproveitar o nosso tempo de transição para melhorar nossa atividade econômica.