Com quantos projetos de lei se faz um mercado regulado de carbono

Para ser efetiva, regulação em elaboração precisa estabelecer política pública estruturada, com processo participativo e baseada na justiça climática

Conjunto de círculos de madeira com símbolos ligados à economia verde para simbolizar o conceito de redução de dióxido de carbono.
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Faz cerca de três anos que a regulação de mercado de carbono entrou no radar do Legislativo de forma mais contundente, com um projeto de lei de autoria do então deputado Marcelo Ramos

Cinco projetos de lei e muitos textos substitutivos depois, diversas abordagens foram propostas, cada uma tratando de interesses e perspectivas distintas. Nesse contexto, o anúncio de que o governo federal está trabalhando em um projeto próprio, em uma construção conjunta entre os diversos ministérios, parece trazer conforto de que haverá uma visão abrangente capaz de incorporar diferentes perspectivas. 

Mas o que é importante constar em uma lei que estabelece um mercado de carbono regulado no Brasil?

Na minha opinião, primeiramente, precisamos de uma lei que estabeleça obrigações em relação à demanda, ou seja, que estabeleça que determinadas fontes de emissão de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil serão sujeitas a certas obrigações de conciliação de suas emissões de GEE com direitos de emissão (permissões) outorgados pelo governo. 

Esta obrigação principal que recairá sobre as fontes reguladas inclusive precisa estar clara na lei, ou seja, a obrigação de conciliar suas emissões de GEE com permissões ou offsets, cujo processo e periodicidade poderão ser definidas depois em regulamento.

Se em um primeiro momento não é possível definir exatamente quais são os setores cobertos pelo sistema, deve-se considerar que todas as fontes de emissão de GEE são potencialmente sujeitas à regulação, e posteriormente por meio de regulamento os setores passam a ser incluídos, baseado nos devidos estudos macroeconômicos. 

É preciso também haver um processo claro sobre como será definido o limite de emissões de gases de efeito estufa global e por setor, e sobre como serão definidos os critérios de alocação dos limites para cada ente regulado, incluindo consideração sobre se as permissões serão distribuídas gratuitamente ou sujeitas a aquisição por meio de leilões.

Também é fundamental haver previsão das infrações e sanções aos entes regulados que descumprirem as obrigações previstas na lei, e estas sanções devem ser pesadas o suficiente para encorajar os agentes a cumprir a lei. 

Outro ponto oportuno é a definição da natureza jurídica das permissões e seu tratamento tributário, bem como dos créditos de carbono utilizados no âmbito do sistema. A definição sobre a possibilidade e o percentual de uso de offsets para conciliação das emissões também é importante. 

Neste contexto, surge a oportunidade de o estado brasileiro também criar um programa de offsets, que estabeleça critérios, credenciamento e um registro público de offsets, os quais poderão servir para cumprimento das obrigações do sistema de comércio de emissões pelos agentes regulados. 

Um registro nacional de reduções de emissões pode ajudar a melhorar o ambiente para o mercado de carbono voluntário no Brasil, trazendo mais transparência, acessibilidade, segurança jurídica e qualidade para o ambiente de projetos de carbono brasileiros. 

Mas é claro que isso demanda um alto custo de implementação e operacionalização para o governo brasileiro, e, portanto, é necessário considerar esse processo com uma implementação gradual e buscando-se alternativas para financiamento, cooperação técnica ou participação de atores privados, desde que prevenidos quaisquer riscos de conflitos de interesses.

Cabe ainda esclarecer que não faz sentido que o novo projeto de lei regulamente o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).  

O Mercado Brasileiro de Reduções de Emissão só faz sentido se estivermos tratando de um programa de offsets, de “reduções verificadas de emissão” (RVEs), e não de um sistema de comércio de emissões (SCE) baseado em permissões e obrigações de conciliação de emissões com permissões por atores regulados. 

A verdade é que este SCE é um instrumento novo que não tinha previsão na PNMC e, portanto, o novo projeto de lei que o instituir estará agregando um novo tipo de instrumento à PNMC.

Por fim, é oportuno que a lei traga clareza sobre salvaguardas ambientais e sociais e elementos de justiça contratual envolvendo comunidades vulnerabilizadas participantes de projetos de carbono que sejam elegíveis dentro do registro nacional, ainda que remeta a uma maior regulamentação posterior.

Repetindo a pergunta: o que é importante constar em uma lei que estabeleça um mercado de carbono regulado no Brasil? Não sou em quem deve responder. 

A resposta a esta pergunta demanda uma sessão muito mais ampla de debates e consultas públicas com todos os stakeholders, orientada por estudos, dados, cenários, tratada por meio de oficinas, exposições e audiências públicas. Isso ocorreu no âmbito do projeto Partnership for Market Readiness do Banco Mundial em cooperação técnica com o Ministério da Economia, concluído em 2020.

Arrisco dizer que o mercado de carbono que queremos todos brasileiros e brasileiras é aquele baseado na ciência e na integridade ambiental, em uma política pública séria, estruturada e permanente, em um processo participativo e na justiça climática — não deixando ninguém para trás.