ENTREVISTA: Na Ambev, risco climático para o agro virou pauta do conselho

“Footprint dos nossos insumos está mudando no mundo por causa dos efeitos do clima”, diz o CEO Jean Jereissati

Jean Jereissati, CEO da Ambev: 20% do bônus depende de metas ESG, como garantir a circularidade de embalagens
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Dependente de insumos agrícolas e (muita) água para fazer cerveja, a Ambev está cada vez mais atenta aos riscos que as mudanças climáticas oferecem ao seu negócio. 

“Se a água é uma preocupação mais antiga, recentemente discutimos muito sobre como o footprint da agricultura dos nossos insumos está mudando no mundo por causa dos efeitos do clima”, diz o CEO Jean Jereissati, em entrevista ao Reset

Na última quinta-feira, a Ambev fez um evento online para atualizar o status das suas metas de sustentabilidade para 2025 e também do compromisso de se tornar net zero até 2040. 

“Acho que vamos conseguir chegar ao net zero antes de 2040, mas é uma década de muito trabalho com toda a turma”, diz Jereissati. 

O maior nó está na cadeia de valor, responsável pela maior parte das emissões de gases da fabricante de bebidas. “Eu uso às vezes a minha mão forte”, diz ele. “Estamos empurrando o ecossistema inteiro para mudar.”

A seguir, os principais trechos da entrevista, em que Jereissati, acompanhado de Carla Crippa, vice-presidente de relações institucionais e impacto positivo, falou da gestão de água, de bônus atrelados a metas ESG e de como, na sua visão, os atributos de sustentabilidade são lidos pelos investidores.

Neste ano os eventos climáticos extremos estão por todo lado. A inflação do azeite no mundo todo, decorrente da seca na Espanha, é um exemplo de como um setor inteiro da economia pode ter problemas com eventos climáticos imprevisíveis. Os riscos climáticos entram no radar da Ambev, que depende da agricultura e da água para fazer cerveja? Como?

É no conselho de administração que a gente discute todos os riscos da companhia. Porque, às vezes, eu, como CEO, estou preocupado com este ano, com o ano que vem, rodando a máquina. Então, é o conselho que me puxa para olhar cinco anos, dez anos para a frente, tudo o estamos vendo de riscos, de cyber security a clima.

Risco climático é um tema que a gente já trabalha. A gente cuida da água há muito tempo. Nos últimos dez anos, plantamos quase dois milhões de árvores nas bacias para garantir a proteção dos rios onde as nossas fábricas estão.

É um tema constante, mas sobre o qual discutimos bastante recentemente no board.

Sobre qual aspecto especificamente?

Se a água é uma preocupação mais antiga, recentemente discutimos muito sobre como o footprint da agricultura dos nossos insumos está mudando no mundo por causa dos efeitos do clima. Já estamos vendo uma nova fronteira de lúpulo sendo criada na Argentina, nos Estados Unidos; vemos as plantações de cevada indo mais para o Sul por causa dos efeitos do clima.

Carla Crippa: Quando a gente olha a cevada, especificamente, temos uma estratégia de diversificação geográfica da produção. Temos micro-regiões desenvolvidas no Brasil e na Argentina e isso é exatamente para ter mais resiliência, por exemplo, em situações de clima. Trabalhamos muito com a Embrapa no desenvolvimento de sementes para conseguir uma plantação mais preparada para esse tipo de evento. Temos um time dedicado à resiliência das plantações dos insumos que utilizamos. 

Mas vocês já estão observando, então, uma mudança de padrão de produção agrícola dos fornecedores de vocês, é isso?

Já estamos. Todos os anos tem uma mudança geográfica pequenininha. Mas, no longo prazo, percebemos que esse é um movimento estrutural que tem acontecido e tentamos nos adequar com técnica, com parcerias, com a Embrapa, para estarmos atualizados sobre o tema e entendendo qual é a nossa parte, o que a gente pode fazer com relação a isso.

De que maneira isso tem sido discutido no conselho? 

O board quer se certificar de que estamos usando todo o conhecimento que existe no mundo para endereçar isso; e que temos as ferramentas internas para, a partir desse conhecimento, conseguir evoluir.

Tem muito espaço ainda porque, quando fazemos o nosso mapeamento, vemos que a cadeia de fornecimento está segura.

Vocês podem gerenciar muitas coisas, mas uma bacia hidrográfica, por exemplo, não se forma só no entorno de onde estão. A empresa está inserida num contexto climático que não depende só da ação de vocês, certo?

Primeiro, tentamos fazer a nossa parte. Temos investido muito ao longo dos últimos tempos na nossa capacidade de ser mais eficientes, em tecnologia nas plantas para que a água não suma, para utilizar cada vez menos água para cada litro de cerveja. E isso nos transformou numa referência mundial do setor. [O consumo de água nas fábricas caiu 55% em 18 anos e a média para cada 1 litro de cerveja produzida caiu de 5,36 litros de água para 2,4 litros.]

A partir disso, vamos para o mundo exterior para entender o contexto. Cuidamos das bacias do entorno das fábricas há muito tempo. 

Carla Crippa: Sempre que tem um projeto de recuperação de bacia, a primeira fase é um diagnóstico, para entender qual é o problema. Se são pequenos pecuaristas que estão devastando áreas de proteção ambiental, se é uma questão de demarcação de terra, se tem como fazer um pagamento por serviço ambiental para que os produtores rurais do entorno evitem a atividade econômica que devasta. A visão de preservação de bacias é sistêmica e contamos com conhecimento da nossa equipe, mas também de TNC e WWF, nossos principais parceiros.

Já estamos com 13 bacias em situação de alto risco hídrico nas áreas onde a Ambev atua. Só neste último ano incluímos duas bacias na lista. E a nossa meta é garantir 100% de disponibilidade e qualidade de água até 2025, não só para o nosso abastecimento, mas para toda a população e empresas que dependem dessas bacias. [Até agora a empresa diz ter atingido 72%].

Você mencionou que na cerveja Corona estão substituindo a embalagem por garrafas de vidro retornáveis e que isso demandou investimentos massivos. Do ponto de vista financeiro, como vocês olham para os investimentos que precisam ser feitos para atingir as metas de sustentabilidade? É um custo que precisa ser incorrido ou tem que dar retorno?

No caso da Corona, esse é um atributo da marca, de puxar a fronteira de sustentabilidade na sua cadeia. E, neste caso, isso vem dentro das discussões do P&L dela, do que ela gera, de como reinveste no negócio como um todo.

Carla Crippa: De modo geral, os investimentos em sustentabilidade tendem a se pagar, mas alguns a gente faz porque tem que fazer.

Sobre a meta de ser net zero em 2040, tudo indica que os escopos 1 e 2 estão bem encaminhados. O problema é o escopo 3, ou seja, as emissões da cadeia de valor. O que falta e o que estão fazendo a respeito?

Hoje temos 98% da nossa eletricidade de fontes renováveis e nossas operações próprias estão bem. Já temos 13 fábricas que são carbono neutras.

Com compensação via créditos de carbono?

De forma residual, sim. 

A visão do escopo 3 realmente é mais difícil e temos trabalhado em duas fronteiras: nossos clientes e nossos fornecedores.

No caso dos clientes, por meio da parceria com a startup Lemon, cada vez mais damos acesso aos nossos contratos de energia limpa ao pequeno varejo.

Com fornecedores, tivemos um milestone importante, que foi a assinatura de um compromisso climático conjunto por 200 deles, de produtos agrícolas, embalagens e de refrigeradores, que representam 70% da emissão de carbono da cadeia. Para mantermos a nossa relação viva, eles têm que caminhar. [A meta até 2025 é reduzir em 25% as emissões de gases da cadeia de valor e até agora o corte foi de 15%].

E o que tem sido feito com isso?

Carla Crippa: Agora o esforço é a mensuração para fazer os inventários de emissão de gases de efeito estufa deles.

Jean Jereissati: Nos comprometemos com a redução de carbono e estamos seguros das nossas métricas, mas agora recebemos a aprovação do SBTi [Science Based Target initiative] e somos a primeira cervejaria da América Latina que conseguiu a validação das métricas e reduções de carbono de forma independente.

Acho que vamos conseguir chegar ao net zero antes de 2040, mas é uma década de muito trabalho com toda a turma. Vamos ter que acompanhar as métricas e, eventualmente, trocar fornecedores se eles não estiverem caminhando na velocidade do que a gente se propôs.

Isso já está acontecendo?

Não estamos na fase de punição ainda. Mas temos mudado muito nossos contratos para quem está na fronteira da inovação. Por exemplo, há 3, 4 anos fomos a primeira companhia do Brasil a garantir um contrato de compra de veículos elétricos antes que o fornecedor, a Volkswagen, tivesse o que entregar. Mas o contrato dava uma tranquilidade para eles investirem na frente.

Hoje você e os executivos têm metas ESG para a remuneração variável. Como está funcionando? 

Eu e toda a minha equipe direta temos uma meta, que geralmente representa 20% do bônus. Cada um tem 5 metas e uma delas é ligada a um indicador ESG, que pode variar entre ambiental, social e de governança.

Eu, especificamente, tenho uma cesta de indicadores. Tenho que garantir que, até 2025, 100% das embalagens sejam retornáveis ou recicladas – e não reciclável, porque todo mundo é reciclável [o percentual está em 83%]. Também tenho que criar novos comitês internos, para que o board possa liberar seu tempo para focar nas coisas certas. E no social a minha meta é a inclusão produtiva de 5 milhões de brasileiros. 

Carla Crippa: As metas dos vice-presidentes são desdobradas para a equipe, cada um dentro da sua área de atuação, até chegar aos analistas. Então, na ponta, 

tem gente com meta de consumo consciente de álcool, de redução de açúcar etc.  

Você está conseguindo cumprir?

Vou bater. Essa meta da circularidade de embalagens, se eu não ficar no pé, não consigo bater. Ela depende de uma conscientização da cadeia, dos clientes como um todo. Eu uso às vezes a minha mão forte. Uma decisão que você toma hoje, como da troca da embalagem da Corona, começa a se refletir em um ano e meio. Eu já sei que essa meta vai continuar comigo por algum tempo. Tenho que tomar decisões hoje, os projetos não podem atrasar, a conscientização do varejo tem que acontecer. 

E a gente tem que garantir que a cadeia dê conta. Por exemplo, a cadeia de garrafas pet recicladas no Brasil sofreu na pandemia, por causa dos catadores [que não conseguiam trabalhar]. Por mais que no longo prazo esteja crescendo a circularidade, naquele ano foi difícil e tivemos que compensar com retornabilidade de garrafa. Temos que operar a meta mesmo, porque ela não vem naturalmente. Estamos empurrando o ecossistema inteiro para mudar.

E os investidores da Ambev se preocupam com o ESG? 

Olha, a massa crítica do evento foi boa. Os analistas que fizeram perguntas são importantes. Foi-se o tempo em que isso não era relevante, que isso não estava nas métricas do mercado financeiro.

Você acha? Me parece que a importância é muito marginal. Num evento de divulgação de resultados não se ouve uma pergunta a respeito e ninguém coloca isso no preço, no modelo financeiro…

Eu sou mais otimista.

Hoje, para as marcas se tornarem relevantes, elas têm que ser responsáveis e a gente acha que o nosso lugar não é de correr atrás da regulação. Temos que estar na fronteira, sermos protagonistas. E o mercado financeiro tem valorizado esse lugar, não diretamente, olhando para o que você está fazendo naquela bacia hidrográfica específica. Mas o posicionamento como empresa responsável ajudou muito a Ambev. Então, pode ser que você não perceba diretamente o interesse, mas tudo está conectado hoje.

E nós estamos com uma base de investidores estrangeiros muito forte. Dos top 10, seis ou sete são gringos. BlackRock é o maior e nos pergunta muito sobre essas iniciativas.

Na frente da governança, quando eclodiu a crise de Americanas no começo do ano, os investidores foram olhar as empresas que tinham os mesmos acionistas e houve uma cobrança em cima de Ambev. Como isso afetou vocês?

São duas empresas completamente separadas, com governança separada, com CEOs diferentes, com boards diferentes, apesar de terem alguns sócios em comum. Então, teve uma percepção inicial de que existiam mais similaridades do que realmente existem e rapidamente isso ficou claro.

Mapeamos os stakeholders, consumidores, clientes, supermercados, bares e fornecedores e eles não tiveram um dia de dúvida. Na comunidade financeira houve mais perguntas, pedidos de esclarecimento, especialmente dos analistas de sell side, buy side e investidores. Mas não teve estresse; lá houve um problema de crédito e a Ambev não tem dívida, tem caixa líquido.