Uma das pioneiras na conservação de grandes áreas nativas no Brasil, a Votorantim se prepara para entrar no reflorestamento em escala para geração de créditos de carbono — um mercado que vem atraindo players como a re.green, que tem a família Moreira Salles entre seus sócios, e a Biomas, formada por um conjunto de grandes empresas que incluem Vale e Itaú.
Por meio da Reservas Votorantim, braço criado há cerca de dois anos para gerir ativos ambientais, a holding está em fase final de estudos para implantar um projeto piloto de 3 mil hectares de reflorestamento com espécies nativas na Mata Atlântica.
“Estamos apenas esperando uma revisão de metodologia da Verra [principal certificadora do mercado voluntário de carbono], que deve ser concluída até o fim deste ano para já fazemos nesse novo modelo”, afirma David Canassa, diretor da Reservas Votorantim.
A ideia é começar devagar e ir implementando os aprendizados para dar escala a essa linha de negócio.
“Em tudo que fazemos, usamos um teste piloto para ter certeza que estamos fazendo direito – e dando certo nossa hipótese, a gente expande”, afirma o executivo.
Com mais de 80 mil hectares conservados em duas grandes áreas, uma na Mata Atlântica (chamado Legado das Águas) e outra no Cerrado (o Legado Verdes do Cerrado), a Reservas vem trabalhando com uma estratégia de “múltiplo uso de terra” para monetizar o que pouco tempo atrás era visto por muitos como um passivo dentro do balanço do grupo.
O reflorestamento já faz parte do modelo de negócio do grupo. Hoje, a Reservas presta serviços de plantio e regeneração de paisagens para outras empresas, em cerca de 125 hectares, com outros 300 contratados. A expectativa é chegar a mil hectares até o fim do ano.
“Nos últimos dois anos, as consultas de clientes vem crescendo bastante, especialmente por conta da expectativa de que vai se criar um mercado de carbono de sequestro”, afirma Canassa.
O perfil dos clientes são empresas que fecharam algum tipo de compromisso de abatimento de emissões de gases de efeito estufa. No pipeline, há contratos em fase final com empresas do setor de óleo e gás e mineração, afirma ele.
Nesse modelo, a Reservas opera num regime de serviços: fornece as mudas, faz o plantio e o acompanhamento do projeto por cinco anos, momento mais crítico de crescimento das plantas.
No novo modelo, o plano é investir com seu próprio balanço para gerar os créditos, que podem ser vendidos para outras empresas — que podem incluir as companhias do próprio grupo Votorantim, mas não se limitam a elas.
Preparando o terreno
O conhecimento construído ao longo de 12 anos de experiência desde que criou o Legado das Águas está culminando nessa nova iniciativa.
Há quase uma década, a Reservas vem investindo em pesquisa num viveiro na Mata Atlântica, hoje batizado de “centro de biodiversidade”, com o mapeamento genético de várias espécies.
Uma estrutura similar, foi construída no Cerrado, onde a companhia conta o maior banco de sementes do bioma.
Cada um dos viveiros tem capacidade de 200 mil a 250 mil mudas por ano, um número que hoje é “facilmente escalável”, de acordo com diretor.
“Estamos olhando para esse mercado há muito tempo, desde o Acordo de Paris, quando o Brasil se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares”, aponta. “Ele andou de lado por muito tempo e acabamos focando em paisagismo sustentável nesse meio tempo, mas agora parece que a hora [da regeneração] chegou.”
Um dos principais desafios do reflorestamento é a taxa de sucesso das mudas. Em geral, é aceitável uma perda de 10% a 15% — mas não raro, o percentual chega a 50%, diz Canassa, dependendo de condições de solo e topografia do terreno.
“Nas florestas comerciais, de pinus, a taxa de insucesso não chega a 0,5%. Não temos uma Embrapa das espécies nativas aqui e precisamos investir em pesquisa para fazer acontecer.”
Na Reservas, exemplifica ele, uma muda de palmito juçara, que demorava até um ano e meio para começar a brotar há alguns anos, hoje leva menos de três meses. No Legado Verdes do Cerrado, a empresa tem protocolo para produção de 90 espécies; no Legado das Águas, esse número chega a 150.
Cada muda produzida é 100% rastreável e através de um QR code é possível verificar todas as etapas da cadeia produtiva, inclusive sobre a origem da semente, o que garante o padrão de qualidade das plantas. Esse projeto, chamado de Código Verde, foi pioneiro no uso da tecnologia de rastreio, que antes era utilizado apenas na indústria e na monocultura no país.
Outro desafio é fazer a educação do mercado de que o reflorestamento espécies nativas e biodiversidade leva tempo. “Plantar floresta nativa é igual plantar safra. Precisa esperar a época de chuva, precisa verificar se a qualidade está adequada. Não é simplesmente lançar as sementes e as mudas”, diz Canassa.
Virada no preço
Segundo ele, o reflorestamento no Brasil custa cerca de R$ 20 mil por hectare em “condições ótimas”, com terreno plano, bom acesso a estradas e mão de obra especializada.
Na prática, contudo, as condições costumam ser mais adversas, com lugares remotos e acidentados, onde o custo pode chegar a R$ 45 mil a R$ 50 mil por hectare.
Em linha com outras projeções de mercado, a Reservas estima que o preço do crédito de carbono precisa chegar a cerca de US$ 40 a US$ 45 por tonelada para viabilizar os projetos de reflorestamento em maior escala.
Hoje, esse número está em cerca de US$ 16 por tonelada, na média — com alguns poucos projetos com cobenefícios sociais associados, registrados na Gold Standard, chegando na casa dos US$ 40.
A ‘ressaca’ nos preços dos créditos no começo deste ano, impulsionada por reportagens internacionais que questionavam a qualidade de créditos, especialmente de conservação florestal, não preocupa Canassa.
“Há três, quatro anos, quanto enfrentamos a ‘pedreira’ de fazer um projeto de REDD+ no Cerrado, o preço do crédito estava próximo de US$ 1. Hoje, consigo vender a US$ 10, US$ 12”, afirma o diretor. “É uma tendência para fazer jus aos compromissos de compensação. Todos concordam que o carbono vai valorizar.”