
É um tanto difícil imaginar que uma rocha triturada até se tornar pó, ao ser jogada sobre a terra onde acontece o cultivo agrícola, possa capturar carbono da atmosfera e estocá-lo no solo – e com isso gerar créditos de carbono. Em meio à comprovação do potencial da técnica, duas startups que testam a tecnologia no Brasil fecharam seus primeiros negócios.
A InPlanet emitiu e vendeu seus primeiros créditos de um projeto na cidade de Rio Claro, interior de São Paulo. Foram 235 toneladas de carbono removidas, das quais 90 foram entregues à empresa de tecnologia holandesa Adyen por um preço de US$ 200 a US$ 300. Os créditos foram auditados pela Eco Engineers.
Fundada pelos alemães Felix Harteneck e Niklas Kluger, a InPlanet desenvolveu uma metodologia a quatro mãos para gerar os créditos com a Isometric, uma plataforma inglesa de registro de remoção de carbono que tem entre seus clientes grandes compradores de créditos de carbono, como Frontier, Google e Microsoft.
A técnica utilizada se baseia no intemperismo acelerado de rochas (ERW, na sigla em inglês). Depois de pulverizadas, rochas como o basalto são despejadas sobre a terra e “dissolvidas” com a água da chuva. Esse pó reage com o CO2 presente no solo, gerando sólidos de bicarbonato, que desce às camadas mais profundas do solo.
Com o tempo, esses depósitos entram nos lençóis freáticos, migram para os rios e se assentam no fundo do mar – em tese, para sempre. Por esse motivo, a técnica é considerada uma remoção permanente de carbono.
No projeto da InPlanet, foram despejadas 10 toneladas de pó de basalto por hectare em uma plantação de cana-de-açúcar em 2023. Um ano depois, a maior parte do pó havia se dissolvido e a captura foi comprovada. A remoção líquida foi calculada em 0,5 tonelada por hectare (que equivale a mais ou menos um campo de futebol).
“Nosso modelo inicial foi conservador demais. O resultado foi muito melhor, quatro vezes mais rápido. É um resultado motivador para a tecnologia e para o modelo de negócio. Pensamos que a dissolução iria exigir de cinco a dez anos, mas foi de 70% no primeiro ano”, diz Kluger.
Negócios
Outra startup que testa a tecnologia no Brasil, a Terradot fechou no início de abril um acordo com a Microsoft para remover 12 mil toneladas de carbono entre 2026 e 2029. A startup aplicou 50 mil toneladas de basalto em projetos que somam 2 mil hectares e espera gerar seus primeiros créditos ainda este ano.
É comum que empresas de carbono façam vendas antecipadas para financiar os projetos, usando como garantia os créditos por ele gerados. “Além de comprar créditos de remoção de carbono, a Microsoft está investindo na pesquisa científica necessária para construir confiança na ERW e melhorar drasticamente a precisão da medição, dos relatórios e da verificação”, disse James Kanoff, CEO da Terradot, em comunicado.
Fundada na Universidade Stanford, no coração do Vale do Silício, a startup captou US$ 54 milhões em 2024 numa rodada série A e tem contratos de entrega com outras companhias de tecnologia que somam 300 mil toneladas em remoção.
A Microsoft tem o compromisso de ser carbono negativa em 2030 e para isso compra milhões de créditos (cada um equivalente a uma tonelada de carbono). A companhia começou a testar os créditos de ERW com a startup inglesa Undo e já fechou negócios com startups brasileiras que removem carbono via reflorestamento.
A tecnologia de intemperismo acelerado também tem sido premiada. A última edição da competição XPrize Carbon Removal premiou a Undo em segundo lugar. Em primeiro ficou a americana Mati Carbon, que desenvolveu um software para quantificar e validar a remoção de CO2 da atmosfera a partir do ERW.
Integridade
A maior parte dos créditos de carbono negociados hoje vem de categorias que evitam a emissão de gases de efeito estufa, especialmente os que evitam o desmatamento.
Mas denúncias de inconsistências metodológicas, exploração de comunidades vulneráveis e fraudes – como o desmonte de uma quadrilha que grilou 500 mil hectares de terras públicas no Amazonas – derrubaram o interesse por esses créditos e os preços pagos por eles. Em 2024, os valores pagos variaram entre US$ 4 e US$ 6 por tonelada de CO2, segundo dados da Systemica, uma desenvolvedora de projetos.
No chamado mercado voluntário, em que empresas compram créditos para compensar sua pegada de carbono mesmo sem obrigações legais, os grandes compradores têm demonstrado mais interesse em apoiar atividades que removam CO2 do ar. Nesse segmento, os valores sobem para cerca de US$ 50 por crédito.
É neste contexto que fundos de venture capital e big techs estão financiando novas tecnologias, como a do intemperismo acelerado.
Isso explica, em parte, o valor pago pela Adyen pelos créditos da InPlanet. Segundo Kluger, o valor esperado para o futuro é próximo de US$ 100. “Foi uma decisão da Adyen para incentivar o EWR, para a iniciação da tecnologia”, diz. Segundo ele, a alta integridade dos créditos gerados pela técnica explicam também o valor mais alto.
A receita desses primeiros créditos gerados pela InPlanet ficaram integralmente com a startup. Kluger conta que o plano é criar um modelo em que ela seja compartilhada com os produtores. No modelo atual, a startup disponibiliza o pó de rocha para ser usado na plantação sem custo para o produtor, além de custear as análises do solo – necessárias para a emissão do crédito.
Para além do carbono, o uso de pó de rocha (chamado de remineralizadores) melhora a qualidade do solo e traz benefícios à produção agrícola. Ao fornecer minerais como o potássio, essencial para as plantas, ele substitui fertilizantes químicos como o NPK, o que traz redução de custos ao produtor.
Comprovação
A confiança é um ponto crítico para a geração de qualquer crédito de carbono. No caso do ERW, o desafio de comprovação e medição ainda é grande.
O mundo está atrás de uma metodologia de qualidade, que seja um consenso, explica Suzi Huff Theodoro, geóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB). “Existe uma corrida nos grupos de pesquisa para elaborar a melhor metodologia de quantificação de carbono capturado e verificável”, diz.
A captura e estoque de CO2 no solo varia de acordo com seu manejo, níveis de biomassa e condições climáticas. A professora avalia como positiva a metodologia da InPlanet e da Isometric, mas defende que ela siga menos a cartilha da ciência internacional e considere mais as particularidades do solo tropical brasileiro, que é mais pobre que os de clima temperado e mais afetado por chuvas, por exemplo.
Segundo Theodoro, o conhecimento científico ainda precisa avançar. “Temos uma indicação do potencial total de captura de uma rocha feita a partir de uma análise, e é esse número que temos usado, mas a gente precisa de muito mais para dizer o seguinte: ao acrescentar 1, 2 ou 20 toneladas de pó de rocha no solo, dependendo das condições climáticas, das plantas, teremos a captura de X toneladas de carbono por ano. Isso ninguém tem ainda”, afirma.
Com o conhecimento obtido na geração do primeiro lote, a InPlanet prevê uma certificação mais rápida daqui para frente. Além da remoção nas plantações de cana-de-açúcar, a startup começou outro projeto na produção de laranja, também no interior paulista.
“A gente trabalha com certos elementos que a gente tem que identificar no solo. Agora a gente já sabe como é a terra da primeira fazenda, por exemplo, para a próxima rodada de certificação. Já sabemos exatamente quais elementos a gente vai olhar no solo, como quantificar a distribuição da rocha, a remoção de carbono. É um aprendizado”, diz Kluger.