Startups apostam no Brasil para gerar créditos de carbono com pó de rocha

InPlanet e Terradot são duas pioneiras em nova técnica que usa o fertilizante natural para sequestrar carbono no solo

Mãos seguram pó de rocha moída
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*Reportagem atualizada às 10h25 para ajustar a informação sobre a rodada de ‘series A’ da Terradot, que está em andamento.

Investidores estrangeiros experientes e reconhecidos por colocar dinheiro em startups disruptivas estão de olho em um negócio bastante peculiar no Brasil: gerar créditos de carbono por meio da aplicação de pó de rocha na agricultura. 

As startups alemã InPlanet e a americana Terradot estão trabalhando com produtores rurais brasileiros para espalhar pó de rocha (os chamados remineralizadores) em suas plantações. Além de substituir fertilizantes químicos, o pó de rocha ajuda a sequestrar carbono no solo, um processo conhecido como intemperismo acelerado.

As empresas são pioneiras na geração desse novo tipo de créditos de carbono no país. O Brasil, com uma das maiores áreas agricultáveis do mundo, é um candidato natural para ser laboratório, por isso as duas startups estão investindo aqui. 

“Encontramos aqui essa comunidade da rochagem. Inicialmente essa era uma entre nossas soluções para remoção de carbono, as outras eram biochar [uma espécie de carvão vegetal] e agroflorestas, mas com o tempo entendemos que essa era a que tinha mais espaço para inovar”, diz ao Reset engenheiro ambiental alemão Niklas Kluger, sócio-fundador da InPlanet. 

A empresa resolveu se concentrar no pó de rocha, já usado em 10% da área agropecuária brasileira para recuperação do solo, olhando para a captura de carbono. “O país tem todos os fatores a favor: clima tropical, tipo de solo, setor de mineração [que produz pó de rocha], a legislação de remineralizadores que incentiva o mercado”, lista Kluger, que estima emitir o primeiro crédito de carbono no país ainda este ano. 

A matriz energética das mineradoras, a logística já existente e a aceitação dos produtores rurais também entraram na conta da Terradot. “É o melhor lugar para fazer captura de carbono [com remineralizadores], pois as pedreiras usam máquinas elétricas para moer a rocha, uma matriz limpa, e o agricultor brasileiro tem predisposição para inovação e para testar coisas novas”, disse Júlia Sekula, CFO e líder Brasil da Terradot, em evento na semana passada.  

Do pó viestes…

As duas empresas fazem parte de um movimento crescente, principalmente nos Estados Unidos, de startups que trabalham com intemperismo para remoção de CO2 da atmosfera.

A maior parte dos créditos de carbono negociados hoje vem de categorias que evitam a emissão de gases de efeito estufa, especialmente os que evitam o desmatamento.

Mas denúncias de inconsistências metodológicas, exploração de comunidades vulneráveis e fraudes – como o desmonte de uma quadrilha que grilou 500 mil hectares de terras públicas no Amazonas – derrubaram o interesse por esses créditos e os preços pagos por eles.

No chamado mercado voluntário, em que empresas compram créditos de carbono para compensar sua pegada climática mesmo sem obrigações legais, os grandes compradores têm demonstrado mais interesse em apoiar atividades que removam CO2 do ar.

A Microsoft é uma das que mais investem nesse tipo de solução climática. A empresa anunciou a compra futura de milhões de créditos (cada um equivalente a uma tonelada de carbono) de startups brasileiras de reflorestamento.

Uma árvore retira e estoca CO2 da atmosfera – enquanto está em pé. Igualmente, o solo pode atuar tanto como emissor quanto capturador de carbono, dependendo do seu manejo, níveis de biomassa e condições climáticas. 

Breve pausa para a aula de geologia e química.

O intemperismo é um dos processos responsáveis pelo sequestro do carbono no solo. Certas rochas, como o basalto, reagem com o CO2 e criam sólidos de bicarbonato no solo. Levadas pelas águas e pelos aquíferos subterrâneos, elas serão depositadas no oceano, em tese para sempre. Por isso chamam essa forma de captura do carbono como permanente. 

Com o uso de rochas moídas, o que levaria milhares de anos no ritmo da natureza acontece em décadas – daí o nome intemperismo acelerado.

Por estar numa região de clima tropical, o Brasil tem vantagens. “Em regiões tropicais a radiação solar é intensa, contribuindo para temperaturas elevadas durante a maior parte do ano, e os índices de chuvas são elevados. Com isso, há o favorecimento do processo do intemperismo”, diz a geóloga Viviane Oliveira, pesquisadora do uso de remineralizadores em solos tropicais. 

Metodologia 

Em termos práticos, o negócio de gerar crédito de carbono com pedras moídas é relativamente simples. Depois da aprovação do insumo pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a mineradora tritura a rocha e o agricultor ou pecuarista espalha algumas toneladas do pó em suas terras.

O desafio das climate techs é medir o carbono retido no solo para emitir e vender os créditos de carbono correspondentes. 

A InPlanet desenvolveu sua própria metodologia, que está alinhada com a de certificadoras como Puro.earth e a Isometric, segundo o sócio-fundador Kluger. “Como é algo muito novo, o desenvolvimento dessas metodologias é em colaboração”, explica. 

Existe uma corrida internacional para apresentar uma medição escalável, mas uma das limitações é a variedade dos solos pelo mundo, diz a geóloga Suzi Huff Theodoro, professora da Universidade de Brasília (UnB). 

“Muitas são desenvolvidas no norte para solos de clima temperado. Elas precisam ter uma melhor compreensão das característica do nosso solo, que é diferente, para que a gente não incorpore técnicas de manejo não apropriadas para a realidade local”, afirma. 

O Vale do Silício está de olho

Mesmo com essas incertezas, os investidores e os compradores de créditos de carbono estão apostando na ideia.  

Fundada na Universidade Stanford, a Terradot recebeu aportes de John Doerr, da empresa de venture capital americana Kleiner Perkins. Doerr é um investidor lendário do Vale do Silício, que apostou cedo em Google, Amazon e Slack quando as companhias eram apenas startups não-comprovadas. 

A Terradot fez uma rodada de captação semente de US$ 4,2 milhões em janeiro deste ano, segundo a plataforma de dados PitchBook, e está em processo de levantar mais capital com uma captação do tipo ‘série A’. . 

Estão ainda entre seus investidores nomes como Sheryl Sandberg, ex-número 2 do Facebook e hoje sócia da Bernthal Venture Partners. Ao seu lado no conselho de administração da Terradot está Ann Miura-Ko, da gestora de venture capital Floodgate, figura recorrente da lista de Midas da Forbes e eleita entre os 20 maiores investidores de capital de risco pelo New York Times. 

Completam a lista o financista George Roberts, da KKR, uma das cinco maiores empresas de private equities do mundo, e Ponderosa Ventures, que investe em startups que transformam os setores de comida e agricultura. 

Em sua rodada pré-capital semente, a InPlanet levantou 1,2 milhão de euros em janeiro de 2023 dos investidores Carbon Removal Partners, Übermorgen Ventures, Trellis Road,  Katapult VC e Carbon Drawdown Initiative.

Na rodada semente, em outubro do mesmo ano, captou outros 4,3 milhões de euros com FoodLabs e Salvia, além de um segundo aporte dos investidores da rodada anterior. 

Outra fonte de financiamento dessas startups são os contratos de venda antecipada de créditos, ou offtake. 

Para ter uma ideia do apetite por compensações de carbono mais íntegras, 300 empresas de tecnologia globais criaram a Frontier, iniciativa para intermediar a compra de créditos de mais de US$ 1 bilhão em créditos de remoção permanente até 2030.

A InPlanet é uma das empresas selecionadas pela aliança e já fechou contratos do tipo com a processadora de pagamentos digitais Stripe e a plataforma de comércio eletrônico Shopify. Segundo Kluger, a empresa deve emitir seu primeiro crédito de carbono certificado ainda em 2024.

Outras startups proeminentes nesse novo negócio lá fora são Lithos, Undo, Eion, Project Vesta, Heirloom, 44.01 e Carbon Collect.