Por que os projetos de carbono não podem descuidar do social

Alinhar a economia com a floresta em pé é essencial para o desenvolvimento da Amazônia – mas as soluções precisam ser pensadas de dentro para fora

Morador de comunidade ribeirinha da Amazônia
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Há quatro anos, eu estava no Acre, atravessando a balsa de Xapuri para a reserva extrativista (resex) Chico Mendes, quando um menino me abordou. Ele era filho de uma das lideranças da cooperativa, curioso e mais articulado do que eu naquela idade. Me perguntava de onde eu vinha e o que fazia. Eu queria saber para onde ele ia e o que queria ser quando crescer. ‘Quero trabalhar com borracha na floresta!’, respondeu ele. Ficamos amigos.

Passado o inverno amazônico, quando termina a temporada da castanha e começa a da borracha, estava eu lá novamente. Ele apareceu com um celular. Não demorou muito para que mergulhasse no abismo das redes sociais. Mesmo sabendo que seria ignorado, puxei assunto para bisbilhotar o que ele assistia. No feed, tudo se resumia a gado, caubóis com fivelas que pareciam cinturões de campeões de boxe e fazendas análogas à floresta.

Confesso que fiquei um pouco decepcionado, mas quem sou eu para julgar? O acesso à tecnologia é ótimo, e também tive minha cota de redes sociais. Porém o fato é que o futuro dele e de muitos jovens amazônidas é moldado por um imaginário que ignora a floresta. As coisas não são pensadas de dentro para fora, mas de fora pra dentro.

Se um jovem quer começar uma carreira profissional na Amazônia Legal, suas oportunidades estão em indústrias em que a floresta é vista como um problema. Entre os empregados formais, cerca de 60% trabalham na pecuária, 30% na agricultura e apenas 5% na produção florestal. Isso se soma a uma taxa de desemprego que chega a 40% na região, o dobro da média nacional para jovens entre 25 e 29 anos. A floresta não é uma opção de carreira.

A promessa do carbono

A solução é clara: alinhar a economia com a floresta em pé.

E é exatamente isso que o mercado de crédito de carbono se propõe a fazer. No entanto, as soluções existentes nem sempre são pensadas de dentro para fora. Metodologias e certificações são importadas de uma realidade diferente, o que limita o acesso a poucos.

O resultado é que a grande maioria dos projetos ocorre em áreas privadas. Ou seja, empresas e propriedades que já possuem grandes extensões de terra e recursos, adotando uma abordagem estritamente ambiental, muitas vezes deixando de contemplar populações tradicionais ou considerando-as externas ao projeto.

Já as tentativas de implementar projetos focados em comunidades têm enfrentado diversas barreiras metodológicas, como cálculos de linha de base, consultas prévias, questões fundiárias e aprovações necessárias de órgãos como a Funai, Incra e ICMBio. Além de pré-requisitos como planos de gestão territorial ou planos de manejo de unidades de conservação.

A presença do modelo privado é importante. Que bom ver empresas lucrando com créditos de carbono em vez de indústrias que contribuem para o desmatamento. Mas esse modelo também precisa abordar  a raiz do problema. A exclusão das populações amazônidas pode aprofundar ainda mais as desigualdades e a vulnerabilidade.

Repensando o modelo

Da forma como tem sido executado, o modelo de crédito de carbono pode não ser a  resposta para resolver a crise climática.

No mundo, diversos movimentos contraculturais têm raízes ambientais: a agricultura biológica na França, a biodinâmica na Alemanha, os movimentos orgânicos e regenerativos nos Estados Unidos, a abordagem natural no Japão e a permacultura na Austrália. No entanto, esses movimentos eram estritamente ambientais, já que a pobreza e a vulnerabilidade rural não eram os principais desafios.

No Brasil, a raiz do problema ambiental é social. Como Chico Mendes dizia, ‘ecologia sem luta de classes é jardinagem’. 

Existem cerca de 25 milhões de amazônidas, a maioria trabalhando na indústria do desmatamento ou convertida em pobres nas periferias das cidades. O que precisamos é de um mercado desenhado de dentro para fora. Um mercado em que a floresta possa ser sonho de uma profissão.

Precisamos usar a criatividade e o empreendedorismo dos jovens brasileiros para integrar comunidades tradicionais como coautoras e protagonistas dos projetos. Criar metodologias adaptadas para lotes de terra com perfil de aldeias ou assentamentos. Garantir acesso a tecnologias para coleta de dados. Colaborar com o setor público, que deve atuar como facilitador, e empresas privadas, que podem ser impulsionadoras.

A solução para a crise climática só será possível quando os jovens amazônidas sonharem em trabalhar com carbono, com serviços ambientais, com a floresta – e na floresta – em pé.

* Beto Bina fundou a Farfarm.co em 2018 e, entre 2019 e 2022, foi responsável pela gestão da equipe de sourcing da VEJA (VERT no Brasil), com foco em algodão agroecológico e borracha nativa. É formado em administração de empresas com mestrado em Business for Social Impact na GCNYC.

(Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)