Por que o Amazonas foi ‘all in’ nos créditos de carbono

Eduardo Taveira, secretário do Meio Ambiente, defende que pagamento pela manutenção da floresta em pé é essencial nas finanças climáticas

Eduardo Taveira, secretário do Meio Ambiente do Estado de Manaus, defende os créditos de carbono do tipo REDD+ como instrumento para financiar a adaptação climática
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Apesar da duradoura crise de credibilidade, incluindo o maior escândalo do setor em seu Estado, Eduardo Taveira continua acreditando que o pagamento pela manutenção da floresta em pé ainda é peça essencial das finanças climáticas.

Taveira é secretário do Meio Ambiente do Amazonas, onde a Polícia Federal desmontou um esquema que envolvia a geração de créditos em terras griladas.

“Quando fiquei sabendo da Operação Greenwashing, comemorei”, afirmou o secretário ao Reset, em uma passagem por São Paulo.

O Amazonas anunciou em maio o resultado de um edital para que empresas privadas realizem atividades de proteção de unidades de conservação estaduais em troca da geração de créditos de carbono.

São 11,9 milhões de hectares, o equivalente a pouco menos que a soma de Portugal e Bélgica. Trata-se da maior parceria entre Estado e empresas no nascente negócio do carbono.

O Ministério Público Federal recomendou na semana passada que o governo do Estado suspenda a iniciativa enquanto não houver consulta prévia e livre às populações tradicionais afetadas. Taveira afirma que essa é uma etapa futura, já prevista na licitação.

As cinco companhias selecionadas – BrCarbon, Carbonext, Ecosecurities, Future Climate (ex-Future Carbon) e Permian Serviços Ambientais – terão de apresentar em detalhes o que pretendem fazer nas áreas que venceram. Isso inclui obter a concordância das populações que vivem nas áreas concedidas.

“Os contratos só serão assinados no momento que tiver a aprovação das consultas públicas”, diz o secretário. “Se a comunidade disser: ‘Não queremos’, o Estado não contrata.”

Finanças do clima

Os motivos para a aposta de Taveira no REDD+, como também são chamados os créditos resultantes da proteção da floresta, em parte têm a ver com o pragmatismo.

Conseguir recursos para adaptar o Estado a um clima que já está mudando é uma agenda urgentíssima, afirma o secretário. “O financiamento climático é o grande desafio.”

Apesar de uma profunda crise de reputação que persiste há um ano e meio – derrubando demanda e preços globalmente – e da recente preferência dos compradores por créditos de reflorestamento, Taveira argumenta que o desmatamento evitado continua sendo essencial.

“Reflorestamento custa caro, é complicado e tem longo prazo. Não estou dizendo que não seja possível: quanto mais mecanismos tivermos, melhor”, diz o secretário. “Mas o REDD+ está pronto. É a melhor maneira de reconhecer o trabalho [de preservação] que já foi feito.”

A expectativa é que as 21 unidades de conservação (UCs) estaduais licitadas gerem algo como 163 milhões de créditos de carbono. Cada um deles corresponde a uma tonelada de CO2 que deixou de ser lançada na atmosfera.

As companhias privadas que implementarem os projetos ficarão com 15% das receitas obtidas, e o Estado, com 85%.

O dinheiro não entrará no orçamento do governo amazonense, afirma o secretário. Metade tem de ser reinvestida nas próprias áreas em que foram gerados os créditos, seguindo as normas dos conselhos consultivos das UCs.

Esses organismos na prática atuam como gestores das unidades e são compostos por integrantes das comunidades que vivem no lugar.

Agilidade

A outra metade vai para um fundo estadual de mudanças climáticas, para investimento em outras regiões, fortalecimento da Defesa Civil e outras políticas públicas.

Esse carimbo é importante porque a mudança do clima traz consigo um elemento de imprevisibilidade que dificilmente pode ser conciliado com a velocidade da administração pública.

Neste ano, vários rios da região – incluindo o Madeira, uma via fluvial crítica na logística local – já estão baixando antes do esperado e sem que tenham  voltado aos níveis normais depois da estiagem do ano passado. “Estamos emendando uma seca na outra”, diz Taveira.

O Estado tinha planejado a contratação de brigadistas para setembro, um mês antes do auge esperado para a seca, mas ela veio com dois meses de antecedência.

“Não tem como lidar com o nível de incerteza climática que estamos enfrentando”, afirma o secretário. “Estamos sujeitos a tribunal de contas, a análises. Numa discussão mais profunda, todo esse arcabouço de tomada de decisão vai ter de ser repensado de alguma maneira.”

O plano, segundo o secretário, é anunciar as primeiras vendas de créditos na COP30, que acontece no ano que vem, na capital paraense Belém.

Jurisdicional

Ele também rejeita a ideia de que os sistemas jurisdicionais de REDD+ – que avançam no Acre e estão sendo estudados no Amazonas – representem uma “estatização” da oferta de créditos.

Aqui, cabe um parêntese técnico: a maior parte dos projetos de desmatamento evitado existentes hoje no país são realizados em terrenos privados.

Uma das críticas fundamentais a esse modelo é o chamado vazamento: a devastação da floresta pode ser contida numa área circunscrita, mas acaba migrando para lugares onde não há as mesmas defesas.

Num cenário hipotético – mas perfeitamente plausível –, o desmatamento pode diminuir em ilhas de projetos privados, mas aumentar no agregado estadual.

Essa é uma das fragilidades que os sistemas jurisdicionais se propõem a resolver. Em vez de projetos isolados, a ideia é abarcar uma jurisdição inteira – neste caso um Estado.

Os créditos só são gerados caso se comprove que naquela jurisdição toda houve redução líquida do desmatamento.

Em tese, isso não impede que empreendimentos privados continuem existindo e gerando seus próprios créditos. Mas é fundamental que esses ativos sejam descontados do total que cabe ao Estado.

Sem uma contabilidade unificada clara e transparente, existe o risco de que a mesma atividade seja contada e vendida mais de uma vez.

No setor privado, há o temor de que essa conciliação não aconteça, o que representaria um sinal de alerta para os compradores.

Taveira diz que esse receio não é razoável. “O Estado está preparando um arranjo para evitar essa dupla contagem. Estamos criando um sistema para justamente garantir que não haja essa dupla contagem [das toneladas de carbono].”

Antes de tudo isso, o Amazonas tem de optar por uma metodologia de apuração de créditos em jurisdições inteiras. O Acre tem um pré-acordo envolvendo o padrão ART trees, que traz consigo uma coalizão de potenciais compradores.

O Estado está observando a experiência do vizinho, que criou uma empresa pública para negociar os créditos em nome do governo acreano.

O Amazonas também já abriu a sua estatal do carbono e agora quer  estabelecer um fundo patrimonial para abrigar os recursos arrecadados com a venda e garantir sua longevidade.

Taveira está envolvido com o REDD+ há 15 anos e é claramente um entusiasta do mecanismo. No fim da conversa, ele volta ao pragmatismo, agora sob a ótica fiscal:

“É isso ou nós vamos disputar recursos do orçamento com educação e saúde. É a nossa realidade.”