* Atualizada às 10h com a informação sobre a reação de funcionários da entidade e às 19h10 corrigindo o nome do CEO da SBTi
Numa guinada que deve ter reflexos nos projetos privados de proteção da Amazônia, a entidade que concede o mais respeitado selo de qualidade para os planos net zero corporativos vai passar a aceitar compensações com créditos de carbono como parte das estratégias de descarbonização das empresas.
A iniciativa Science Based Targets (SBTi) anunciou que os créditos poderão ser usados para abater emissões de gases de efeito estufa do escopo 3 das companhias, ou seja, aquelas da cadeia de valor de produtos e serviços.
“A SBTi reconhece que, devidamente sustentado por políticas, padrões e procedimentos baseados em evidências científicas, o uso de certificados de atributos ambientais pode funcionar como uma ferramenta adicional para lidar com a mudança climática”, afirmou o conselho gestor da entidade.
Certificados de atributos ambientais são os créditos de carbono negociados no mercado voluntário, segundo a SBTi, mas não se limitam a esse instrumento.
O anúncio representa uma mudança de posição importante da entidade, que sempre olhou com desconfiança para esse instrumento – e ainda há resistências internas. Um dia depois do anúncio, um grupo de funcionários se manifestou contra a decisão (leia mais abaixo).
Os critérios de avaliação em vigor hoje dizem que as compensações só podem ser utilizadas para “neutralizar emissões residuais ou para financiar mitigação climática” além das metas da companhia.
Em outras palavras, o offsetting só é admitido no fim da jornada de descarbonização, para dar conta das emissões remanescentes que não puderem ser cortadas com as tecnologias disponíveis.
Com a nova diretriz, fica aberto o caminho para que os créditos de carbono sejam usados para ajudar as empresas a atingir seus objetivos de curto e médio prazo.
Notícia positiva
As regras de admissão dos créditos serão anunciadas até julho. Elas vão incluir “salvaguardas e limites” e as condições que os offsets devem atender para serem aceitos.
Mesmo sem os detalhes práticos, o anúncio é uma das raras notícias positivas para o mercado voluntário em mais de um ano – e também para as companhias que desenvolvem projetos geradores de carbono no Brasil.
“O reconhecimento da SBTi representa uma oportunidade para o país. Estamos falando de 4.500 empresas com metas aprovadas, a maior parte delas estrangeiras”, diz Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica Ambipar e um veterano do segmento.
“Elas vão olhar para créditos de alta qualidade para compensar suas emissões de escopo 3, e esses créditos já estão sendo gerados aqui.”
Uma pesquisa recente da coalizão empresarial We Mean Business e da consultoria Bain & Company com 187 líderes de corporações de grande porte indicou que os investimentos nos mercado voluntário aumentariam 9% ao ano caso a SBTi reconhecesse a validade desse instrumento.
Metade das companhias consultadas que hoje não negociam offsets também seriam incentivadas caso os riscos de associação com greenwashing fossem reduzidos.
No ano passado, o mercado voluntário – especialmente o que envolve projetos ligados à proteção de florestas, os mais comuns no Brasil – foi chacoalhado por denúncias de exagero nos benefícios climáticos, fraudes e exploração de comunidades vulneráveis.
O resultado foi um recolhimento dos compradores, receosos com problemas de reputação, e queda generalizada nos preços. Uma série de iniciativas de autorregulação, tanto do lado da oferta quanto da demanda, tenta resgatar a credibilidade do sistema.
Reforma
O processo consultivo dos últimos meses que culminou na admissão dos créditos de carbono foi uma novidade positiva, diz Janaína Dallan, co-CEO e fundadora da Carbonext, uma desenvolvedora de projetos de proteção da floresta amazônica visando gerar créditos.
“Essa abordagem colaborativa não apenas fortalece a credibilidade do padrão [SBTi], mas também garante que diversas perspectivas sejam consideradas em seu desenvolvimento”, afirma ela.
A SBTi foi lançada oficialmente em 2015 para avaliar os planos de descarbonização das empresas segundo critérios objetivos e alinhados com a melhor ciência disponível. A iniciativa foi criada por uma parceria entre o Pacto Global da ONU, CDP, We Mean Business Coalition, World Resources Institute e WWF.
A primeira versão do padrão net zero SBTi foi divulgada em 2021. Nos últimos anos, entretanto, a entidade vinha sendo alvo de críticas por não conseguir lidar com o crescente volume de compromissos para avaliar.
Também havia queixas em relação a uma abordagem estrita demais, o que na prática impedia que negócios com menos recursos pudessem submeter seus planos.
Em janeiro deste ano, os sócios fundadores se desligaram da SBTi, que tornou-se uma organização beneficente com sede no Reino Unido. A Fundação Ikea fez uma doação de US$ 18 milhões, que se soma a outros US$ 18 mi doados pelo Bezos Earth Fund em 2021.
Além da injeção de capital, houve uma mudança estrutural. Uma subsidiária será responsável por conduzir as avaliações, enquanto a organização-mãe segue atualizando os critérios técnicos.
Para este ano, a promessa é mais uma atualização do padrão net zero corporativo e o lançamento da versão para instituições financeiras. Outra iniciativa em andamento é a criação de padrões específicos para seis setores de alto impacto climático: petróleo e gás, energia elétrica, carros, químicas, vestuário e seguros.
Turbulência
A decisão sobre os créditos de carbono gerou uma revolta interna na SBTi, noticiou a agência Reuters. “Demandamos ação imediata para mitigar o grave dano reputacional causado pelas ações do conselho”, diz uma carta enviada por um grupo de funcionários ao conselho gestor e ao CEO da entidade, segundo a agência Reuters.
Eles pedem que a nova política seja abandonada, além da saída do CEO, o brasileiro Luiz Amaral, e dos integrantes do colegiado que foram favoráveis à aceitação dos offsets.
A agência de notícias, que afirma ter tido acesso à comunicação, relata que os signatários incluem as equipes de validação e operações de metas, os departamentos técnico, de impacto e de TI e os chefes de várias áreas.
O Reset entrou em contato com representante da SBTi no Brasil, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.