Os planos da CEO da Verra para resgatar o mercado de créditos de carbono

À frente da maior certificadora do mundo desde julho, Mandy Rambharos está ciente da gravidade da crise – e confiante numa retomada

Os planos da CEO da Verra para resgatar o mercado de créditos de carbono
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A sul-africana Mandy Rambharos assumiu em julho o cargo de CEO da Verra, a maior certificadora de créditos de carbono do mundo. Por quê? “Me amarraram e amordaçaram”, diz ela, brincando.

A piada tem explicação. Rambharos aceitou o emprego na empresa que muitos acreditam simbolizar tudo o que há de errado com um mercado em crise profunda há pelo menos dois anos – e que é visto com desconfiança pelos críticos praticamente desde o dia em que foi criado.

A Verra, uma entidade sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos, é a maior certificadora de projetos que geram créditos de carbono, principalmente os que protegem a floresta, chamados de REDD+.

São esses os créditos envolvidos nas denúncias de exagero dos benefícios climáticos, exploração de populações indígenas e comunidades empobrecidas e em fraudes milionárias – como a revelada na Operação Greenwashing.

Entre outras atribuições, Rambharos precisa ajudar a salvar a credibilidade desse tipo de instrumento financeiro. Ela também tem de transformar a Verra, uma operação lenta e criticada por ainda usar PDFs e revisões manuais enquanto concorrentes montam sistemas automatizados e baseados em blockchain.

Rambharos está ciente de tudo isso. “Não vamos olhar para a realidade com lentes cor-de-rosa. Como ecossistema, temos um trabalho a fazer para melhorar a narrativa em torno do REDD+”, disse ela ao Reset durante a COP29, no Azerbaijão.

Uma nova metodologia para gerar créditos preservando florestas, conhecida pelo código VM0048, é um aspecto central. Ela muda um dos pontos frágeis do sistema usado hoje, no qual os próprios desenvolvedores determinam a ameaça de desmatamento – o que abria a margem para um “superfaturamento de créditos”.

A nova metodologia recebeu a bênção do Integrity Council, uma iniciativa independente que criou um selo de qualidade com a intenção de recuperar a credibilidade do mercado voluntário.

A executiva está em casa nas conferências do clima da ONU. Sua carreira foi construída na Eskom, a estatal de eletricidade da África do Sul. Sua experiência com transição energética e mercados de carbono a levou a representar o país em negociações internacionais durante mais de 15 anos, incluindo a coliderança das negociações do Artigo 6.

Misturando doses iguais de otimismo e realismo, com um pouco de humor autodepreciativo, Rambharos conversou com a reportagem em um cantinho do estande da África do Sul.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Os dois últimos anos têm sido horríveis para o mercado voluntário, especialmente para os créditos de floresta. Como você avalia as perspectivas?

Em alguns casos, as críticas foram justificadas porque havia desenvolvedores de projetos tentando enganar o mercado, mas elas também nos ajudaram a melhorar.

Críticas são boas, certo? Você precisa delas para melhorar, para olhar para si mesmo. O que está errado? Como posso corrigir os problemas? E acho que foi isso que fizemos com o REDD+.

Vamos parar os projetos, olhar para a metodologia, atualizá-la e garantir a mais alta qualidade e integridade. Foi isso o que fizemos com a [nova metodologia] VM0048. Receber a aprovação do Integrity Council foi uma notícia fantástica. 

Não teremos os mesmos milhões de créditos, porque é uma metodologia mais conservadora. Os projetos atuais terão que fazer a transição, e sim, haverá um uma redução [do volume] por causa dos novos cálculos de linha de base. É um impacto que o mercado terá que enfrentar, mas isso não é ruim porque em troca você ganha mais qualidade e integridade.

No Brasil, muitas empresas dizem que a crise fez os compradores migrarem para créditos de reflorestamento, conhecidos como ARR. O REDD+ ainda tem salvação?

Sem dúvida. Muitos desenvolvedores de projetos nos disseram que estão esperando a atualização do VM0048 porque ainda há muito potencial. E não são [tipos de crédito] mutuamente exclusivos. Há lugares onde o ARR é mais apropriado e outros onde o REDD+ é melhor. Todas essas abordagens são importantes.

Mas não vamos olhar para a realidade com lentes cor-de-rosa. Como ecossistema, temos um trabalho a fazer para melhorar a narrativa em torno do REDD+.

O que você diz às pessoas que afirmam que os créditos de carbono são apenas uma licença para poluir, que não são cientificamente verificáveis, que não representam uma tonelada de carbono real… todos esses argumentos que ouvimos o tempo todo?

Acho que o argumento evoluiu.

Mesmo?

Acho que, na prática, no terreno, sim. A narrativa talvez não tenha acompanhado. Essa é a distinção. Muitos anos atrás, quando os mercados de carbono começaram, havia alguma verdade nessas críticas. Mas se você observar nossos maiores compradores — Amazon, Salesforce, Meta, Microsoft —, são as empresas que mais reduzem emissões.

Quando falo em evoluir, digo que as empresas sabem que não podem apenas comprar créditos de carbono como primeiro passo. Primeiro, elas precisam fazer o máximo possível para cortar emissões e só depois buscar os créditos.

Mas como mudar a percepção? Porque muitos esperam uma perfeição que não existe em relação a outros setores ou mercados.

Sinceramente, as pessoas não entendem que quando você escreve um artigo negativo sobre os mercados de carbono e o mercado cai, isso afeta comunidades no Brasil, no Chile, na Colômbia ou onde quer que seja. Você está impactando comunidades e financiamentos que vão para essas comunidades.

Acho que precisamos de mais gente defendendo essa causa, dizendo: “Isso é o mercado de carbono”. Não estamos dizendo que todos os atores são bons. Tem gente ruim, como em todos os mercados. Eliminamos esses caras, mas não podemos jogar fora o mercado inteiro.

Qual sua expectativa em relação ao mercado de carbono da ONU, criado pelo Artigo 6? O que ele vai significar para o mercado voluntário? Vai haver mais demanda? Haverá uma intersecção entre os dois? [A entrevista aconteceu antes da decisão adotada no fim da COP29]

Esses mercados estão convergindo. Passamos por todo o processo para garantir que as metodologias atuais sejam de maior qualidade e padrões mais elevados. E não vemos por que o processo da ONU precise reinventar a roda.

Desenvolver uma metodologia leva cerca de 12 a 18 meses, sendo otimista. Por que não adotar as que já foram feitas pela Verra e pela Gold Standard [outra certificadora], ajustá-las quando necessário, mas garantir que estamos usando o que já existe no ecossistema?

Se você usar uma metodologia da Verra no Artigo 6, os projetos podem ser aprovados muito rapidamente. Os desenvolvedores de projetos não vão precisar esperar.

Uma crítica unânime que ouço de desenvolvedores de projetos no Brasil é que a Verra é muito lenta, usa documentos em papel, é burocrática. Alguns buscam alternativas. O que está sendo feito nessa frente?

Estamos mudando tudo isso que você mencionou. A Verra tem 17 anos, então, quando começou, havia muitos processos e revisões manuais. Uma das prioridades é essa mudança.

No passado, todos os projetos eram revisados muitas vezes, por várias pessoas. Agora adotamos uma abordagem baseada em risco. Quando esses projetos chegam para registro, fazemos uma avaliação com base em vários critérios, como a metodologia utilizada, o número de créditos previstos para serem gerados, entre outros. Classificamos como baixo, médio ou alto risco.

Um projeto de baixo risco passa pelo processo rapidamente. Se for um projeto de alto risco, então ele passa por uma revisão completa, o que leva um pouco mais de tempo.

Mas os projetos de REDD+ poderiam se encaixar nessa categoria de baixo risco?

Neste momento, acho que não. Devido ao escrutínio no mercado, ainda precisamos garantir que estamos fazendo uma revisão completa, mas talvez cheguemos lá. Se a nova metodologia for aplicada exatamente como ela é e ficarmos satisfeitos, a revisão será rápida.

A outra parte é a digitalização. Em vez de documentos em PDF processados manualmente, teremos uma ferramenta de submissão de projetos online. Também estamos digitalizando o restante do processo de revisão. Mesmo que projetos de alto risco ainda passem por uma revisão humana final, o processo é acelerado.

E os sistemas que integram todas as etapas e geram créditos automaticamente em blockchain? Em tese, seria uma solução de custo mais baixo e mais rápida. Vocês olham para isso também?

Definitivamente. Tivemos algumas conversas com provedores de tecnologia para fazer a parte do monitoramento, por exemplo. Muita gente diz que não é ciência de foguetes porque a indústria financeira já faz isso.

Mas não é exatamente igual. No mercado de carbono, os compradores se importam com a origem dos créditos. Eles se importam se o crédito vem de um projeto no Chile ou na Etiópia. Existem locais de onde eles preferem não comprar.

No mercado financeiro, ninguém se importa de onde vem um dólar; ele simplesmente é negociado. Aqui, precisamos poder dizer ao comprador: “Este é o projeto de onde vem o crédito, e este é o risco associado”. Eles querem saber caso, no futuro, o projeto seja criticado ou enfrente problemas.

Como a Verra se financia? Como crescer, ter uma estrutura maior para ser mais rápidos, além de todas as iniciativas que mencionou?

Essa é uma pergunta difícil porque acabamos de fazer cortes. E isso se deve a várias razões, incluindo a queda no mercado. Nossa receita vem das emissões de créditos. Investimos milhões de dólares para atualizar a metodologia REDD+, mas como as emissões caíram, houve uma queda no fluxo de caixa.

Não precisamos necessariamente crescer, mas precisamos de financiamento para acelerar o processo de digitalização, por exemplo. Mudamos nosso modelo de cobrança, em que muito do trabalho era feito por nós antecipadamente e a receita não vinha porque os desenvolvedores simplesmente não emitiam os créditos.

Vocês têm doadores ou recebem subsídios?

Ainda não. Se você conhecer alguém… (risos) Estamos desenvolvendo uma estratégia de arrecadação de fundos. Tenho conversado com muitos financiadores que entendem a importância de expandir o mercado de carbono e os benefícios de sustentar programas como o de REDD+.