CRÉDITOS DE CARBONO

Com R$ 550 mi, iniciativa acelera créditos de carbono nos Estados

Race to Belém, financiada pelo fundo suíço Silvania, quer espalhar novo modelo de crédito jurisdicional, a exemplo de Tocantins

Natalia Renteria, da Race to Belém

Uma iniciativa batizada ‘Race to Belém’ tem US$ 100 milhões (cerca de R$ 550 milhões) para apoiar Estados brasileiros a implementar sistemas de créditos de carbono jurisdicionais.

Com recursos do Silvania, fundo suíço que investe em soluções climáticas baseadas na natureza, e apoio das ONGs internacionais The Nature Conservancy e Conservation International, a campanha quer difundir no país esse mecanismo de financiamento da conservação florestal.

“Corrida até Belém” faz referência à capital paraense, onde acontece a COP30, mas o mês de novembro não é a linha de chegada.

“Os sistemas jurisdicionais estão apenas começando a ser implementados, mas queremos fazer um sprint até a COP, porque acreditamos que ela é uma oportunidade de mobilização única”, diz Natalia Renteria, responsável pela iniciativa no Brasil.

Como sugere o nome, trata-se de um sistema que engloba uma jurisdição inteira – no caso, um Estado.

A campanha Race to Belém vem ajudando na implementação do sistema no Tocantins. Além de apoio técnico, foram investidos mais de R$ 20 milhões em capacitação de pessoal e compra de equipamentos. Renteria afirma que o Estado pode ser o primeiro ente subnacional do mundo a efetivamente emitir créditos jurisdicionais.

A expectativa é que sejam gerados mais de 50 milhões de créditos jurisdicionais no Tocantins até 2030, o que pode gerar uma receita de R$ 2,5 bilhões, de acordo com o governo estadual.

Combate ao desmatamento

A ideia da Race to Belém é aproveitar os aprendizados do Tocantins e disseminar a experiência pelo país. A campanha venceu um edital lançado pelo Piauí, que está em fase final de contratação. Conversas estão em andamento com outros Estados, afirma Renteria.

A iniciativa nasceu do envolvimento dos tocantinenses com a suíça Mercuria, uma das maiores tradings de commodities de energia do mundo – petróleo, gás, biocombustíveis e também créditos de carbono.

Além do compromisso de que todos os seus novos investimentos até o fim deste ano seriam energias limpas e negócios sustentáveis, a companhia lançou o Silvania, um fundo independente de US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões) para financiar soluções climáticas ligadas à natureza.

A empresa vinha ajudando o Tocantins a estabelecer seu sistema jurisdicional, e a criação da Race to Belém foi um passo lógico e natural, segundo Renteria.

Os US$ 100 milhões vêm da Silvania, e as ONGs fornecem apoio técnico. O objetivo da iniciativa é aumentar a oferta de créditos de carbono florestais de qualidade – e potencialmente mais valorizados – para a Mercuria negociar.

No caso de um projeto de conservação florestal privado, ou REDD+, a geração de créditos está diretamente ligada à proteção de uma área circunscrita.

No JREDD (o “J” indica jurisdicional), são as atividades do Estado dentro de suas fronteiras que vão permitir apurar a redução efetiva do desmatamento ilegal e da degradação florestal, que se traduzem em créditos comercializáveisem.

“Isso significa fortalecer políticas públicas, colocar em prática ações de comando e controle”, afirma Renteria. Ela dá o exemplo de um painel de acompanhamento de desmatamento e queimadas em tempo real.

Batizado de Cigma (Centro de Inteligência Geográfica em Gestão do Meio Ambiente), o sistema reúne informações colhidas de diversas fontes e as apresenta com vários recortes espaciais ou temporais – o Cigma pode ser acessado online.

Os Estados que mais precisam de ferramentas deste tipo não têm condições de fazer o investimento, diz Renteria. “O que temos no Brasil hoje é uma base regulatória bastante desenvolvida. Mas falta o capital.”

Apoio técnico

A Race to Belém só é viável porque o fundo Silvania é paciente e está preparado para assumir um risco que não necessariamente seria tomado por investidores tradicionais, afirma Renteria.

Uma possibilidade é que o Estado não obtenha resultados verificáveis – e, portanto, não possa emitir créditos de carbono. Neste caso, o aporte terá sido perdido.

E se o esforço for abandonado por motivos políticos, como na troca de governos? “Se uma nova gestão não quiser gerar os créditos, é ela que vai ficar sem o dinheiro [da venda]. Não é só um programa ‘bonitinho’. Estamos falando de bilhões de reais.”

O Tocantins já obteve resultados da implementação de políticas públicas. Agora, é necessário fazer a certificação das emissões que foram evitadas, o que na prática significa a geração dos créditos de carbono.

O Estado ainda não anunciou acordos de intenção de venda desses ativos nem um preço estimado. E o dinheiro, quando vier, não entrará no orçamento estadual.

Os recursos vão para um fundo criado por uma lei específica e que será administrado por representantes de todas as partes interessadas, ou seja, todos aqueles que contribuíram para o esforço de conter a devastação.

O Estado está obtendo o chamado consentimento livre, prévio e informado das comunidades e de proprietários de terras, já que o programa cobre o Estado inteiro. Quem quiser ser excluído do sistema para fazer um projeto de forma individualmente pode fazê-lo.

Créditos de carbono jurisdicionais

Um programa jurisdicional tem duas diferenças fundamentais em relação aos mais comuns no país, baseados em propriedades particulares ou em áreas circunscritas, como terras públicas.

A primeira e mais óbvia é a extensão territorial. A segunda tem a ver com a aceitação dos créditos gerados. Nos sistemas jurisdicionais, o cálculo é realizado com base em resultados efetivamente obtidos.

Denúncias de superfaturamento de créditos em projetos individuais, exploração de comunidades vulneráveis e crimes – como o revelado pela Operação Greenwashing, da Polícia Federal – levaram a uma queda generalizada nos preços dos ativos gerados em projetos individuais.

Empresas que buscam compensar de forma voluntária seu impacto climático têm evitado esses créditos de projetos por medo de problemas de reputação – o que derrubou os preços. Estima-se hoje que cada crédito, que corresponde a uma tonelada que deixou de ser lançada no ar, seja vendido por algo como US$ 5.

O Pará fez um acordo prévio para vender 12 milhões de seus créditos jurisdicionais a US$ 15. Os compradores fazem parte da Coalizão Leaf, que tem como um dos critérios a aquisição exclusiva de créditos JREDD. Amazon, Inditex (dona da Zara) e Nestlé são parte da aliança.

Fora do Brasil, os sistemas jurisdicionais têm avançado mais em nível nacional: Costa Rica e Gana são dois países que firmaram acordos de venda de créditos com a Coalizão Leaf.