A engenheira florestal Janaina Dallan é uma das pioneiras no Brasil no desenvolvimento de projetos para gerar créditos de carbono com a preservação da Amazônia. Por mais de uma década, entre altos e baixos do mercado, ela basicamente pregou no deserto. Era um projeto aqui, uma venda de créditos acolá.
Mas, de dois anos para cá, a história virou.
A demanda crescente de empresas do mundo todo para neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa impulsiona as trocas voluntárias de crédito de carbono, e a sua Carbonext, fundada em 2010, se tornou uma das protagonistas de um mercado local que começa a se estruturar em bases mais sólidas e escaláveis.
No último ano e meio, a Carbonext construiu um banco de nada menos que 20 projetos em desenvolvimento simultâneo, que englobam um total de 58 áreas, entre próprias e de parceiros.
A empresa é uma desenvolvedora de projetos: identifica as oportunidades e toca as ações para manter a floresta em pé, que mais tarde gerarão os créditos de carbono.
“Arrisco dizer que nenhuma empresa nunca desenvolveu tantos projetos de carbono ao mesmo tempo”, diz Luciano Corrêa da Fonseca, co-CEO da Carbonext, que tem entre as concorrentes a Biofílica, comprada pela Ambipar no ano passado, e a Sustainable Carbon.
“Hoje no mundo existem cerca de 100 projetos [de preservação florestal certificados para gerar créditos de carbono], sendo 30 deles no Brasil. Nos próximos 12 a 15 meses vamos aumentar essa quantidade em 20%.”
Irmão de Dallan, Fonseca fez carreira no mercado financeiro e deixou o Pátria Investimentos em 2020 para dividir o comando da Carbonext quando percebeu que o sonho de juventude da irmã estava no ponto para decolar. Sua experiência com finanças, somada aos vinte anos de aprendizado de Dallan (antes de empreender ela trabalhou em multinacionais do setor), poderia fazer a diferença.
“Unimos as duas expertises e estamos numa expansão bem acelerada, porque o mercado está pedindo”, diz Dallan. “Um dos nossos objetivos é ter 10 a 15 milhões de hectares de floresta sob proteção nos próximos anos. Já temos 2 milhões no momento.”
A Amazônia brasileira tem aproximadamente 400 milhões de hectares de floresta, dos quais cerca de 150 milhões estão sob ameaça de desmatamento. A ambição da Carbonext, portanto, é chegar a ter 10% das áreas sob risco em seu portfólio de projetos.
“É uma área equivalente ao Estado do Rio de Janeiro, mas é pouco perto do tamanho da floresta. Por isso, nossa visão é que tem espaço para muito mais gente nesse mercado. É um esforço maior que a gente”, diz Fonseca.
Para tirar do papel o plano de escalar as áreas preservadas, no ano passado, a empresa fez uma rodada ‘série A’ de R$ 30 milhões com mais de 20 investidores, entre eles Canary e Alexia Ventures. O dinheiro está sendo aplicado na montagem do que Fonseca chama de ‘fábrica de projetos’.
Clonando Janaína
As metodologias e certificações para a geração de créditos de carbono vêm sendo refinadas há muitos anos, e hoje já existem alguns carimbos de qualidade amplamente aceitos pelos compradores.
O problema sempre foi a aplicação dessas técnicas em grande escala. Tipicamente, o desenvolvedor tem de identificar uma área adequada, negociar com o proprietário da terra e passar pelas várias etapas de qualificação e certificação para só então ter algo comercializável.
O resultado disso é que empresas como a Carbonext desenvolviam um projeto hoje, depois de dois anos faziam outro. Para dar à empresa o ritmo que o crescimento do mercado agora comporta e evitar gargalos, a empresa foi estruturada como uma linha de produção.
São várias etapas: os projetos entram pela área de captação, passam para negociação, diligência fundiária e técnica para dimensionar o potencial de geração de créditos; uma vez dentro de casa, passam pelo desenvolvimento propriamente, registro, certificação e monitoramento constante.
“Antes, a Janaína fazia isso tudo sozinha. Agora, foram montadas seis equipes técnicas, com seis líderes, que são praticamente a Janaína do passado. Estamos replicando a Jana”, diz Fonseca. E como essa é uma atividade nova, a formação da equipe é especialmente trabalhosa, diz Dallan.
O foco da Carbonext está na geração dos créditos, mas a empresa também criou uma área comercial e uma mesa de créditos de carbono e hoje já é capaz de fechar suas vendas com grandes clientes diretamente, sem passar necessariamente por um broker.
A demanda vem principalmente da Europa, com montadoras e petroleiras entre as clientes, mas também há cada vez mais clientes locais. Muitos dos contratos hoje são de longo prazo, num modelo de take or pay, que amarra vendedor e comprador.
Mas com a demanda andando rápido, o quadro é de escassez. “Hoje temos que recusar vendas porque não temos créditos. Eu digo aos clientes que eles precisam esperar a auditoria das novas áreas, a próxima safra de carbono”, diz Dallan.
A divisão do bolo
Quando os 2 milhões de hectares de floresta hoje em desenvolvimento estiverem produzindo, a Carbonext terá capacidade de gerar entre 10 e 15 milhões de créditos de carbono por ano.
No modelo de contrato desenhado pela empresa, dos recursos obtidos com a venda dos créditos, 30% remuneram a Carbonext (e eventualmente o broker) e 70% ficam obrigatoriamente na floresta.
Mais precisamente, metade de tudo fica com o proprietário da terra. “A lógica é que esse é um ativo que precisa ser remunerado”, diz Fonseca. E 20% são aplicados no desenvolvimento socioeconômico da área (perfazendo os 70%).
Essa é a lógica desse tipo de projeto: estimular a economia local para que derrubar árvores não seja uma questão de sobrevivência.
Dallan e Fonseca explicam que tudo começa com o investimento em infraestrutura básica, educação, saúde, e outros itens como instalação de internet e painéis solares.
Mas o fundamental é o desenvolvimento da vocação econômica da área, para gerar renda para a população local. Aí podem entrar a extração do açaí, da seringueira, da castanha do Pará ou o manejo sustentável da madeira, por exemplo.
Segundo Fonseca, sairá das áreas preservadas pela Carbonext, por exemplo, um dos maiores contratos de fornecimento de açaí existentes, equivalente a 500 mil toneladas/ano.
Na visão de Fonseca e Dallan – e de outros empreendedores de projetos florestais –, os créditos de carbono gerados pela Carbonext têm um papel transitório. Fazem uma espécie de ponte.
(Tecla SAP: o tipo de crédito que a Carbonext gera é o chamado REDD+, sigla em inglês para redução de emissões causadas por desmatamento e degradação de florestas. A lógica é criar projetos que evitam o desmatamento e, por meio de uma metodologia certificada pelo Verra, organização internacional que atua na auto regulação desse mercado, gerar os créditos. É também na plataforma do Verra que um crédito é ‘aposentado’, ou seja, sai do sistema quando comprado por uma empresa ou pessoa para compensar sua pegada. Cada crédito equivale a 1 tonelada de CO2 que deixou de ser lançada na atmosfera. A receita obtida com a venda dos créditos é que financia a preservação.)
“Os créditos vão sair de cena quando gestores de florestas como nós encontrarem soluções para explorar sustentavelmente a floresta em pé, fazendo frente às outras formas de exploração, que hoje é derrubar para botar gado ou soja”, diz Fonseca, fazendo um paralelo com o papel que os créditos de carbono tiveram para pagar a conta do desenvolvimento da geração de energias renováveis. “A bioeconomia é a energia renovável da floresta.”
Como as ações de desenvolvimento socioeconômico da região preservada fazem parte da certificação do carbono, os compromissos assumidos com as comunidades são auditados anualmente, sob risco de cancelamento do projeto como um todo.
Offsets na berlinda
Com a profusão de compromissos climáticos voluntários mundo afora, não faltam críticas de ambientalistas ao uso excessivo de offsets de carbono. A queixa é que as empresas, em vez de fazer um esforço real para descarbonizar suas atividades, têm dependido da compensação para mostrar um balanço favorável de suas emissões.
Há críticas especialmente dirigidas aos offsets florestais do tipo REDD+, que, na visão de alguns, correm o risco de perder todo o benefício ambiental caso a floresta seja derrubada no futuro.
O uso de compensações foi uma das maiores críticas de um levantamento publicado semana passada que apontou buracos nas metas net zero de grandes empresas globais, como Apple, Walmart, Ikea e as brasileiras Vale e JBS.
Os autores adotam uma posição extrema: os créditos têm valor e cumprem um papel importante na contenção do desmatamento e no desenvolvimento econômico de certas populações – mas eles deveriam ser encarados como uma ação filantrópica, não como um desconto do orçamento de emissões das companhias.
Janaina Dallan diz que a preocupação com a integridade do mercado de créditos florestais é grande e está no foco da empresa. “O que falamos para todos os nossos clientes é: você tem que fazer um plano de redução das suas emissões, com investimentos em troca de matriz energética. O que você não conseguir reduzir, o residual, aí sim você faz essa ponte [com o crédito de carbono], ajudando a preservar biodiversidade e reduzindo o desmatamento.”
Dallan faz parte da Task Force on Scaling Voluntary Carbon Markets, uma iniciativa privada global que trabalha para escalar o mercado voluntário de carbono de forma eficiente, e no ano passado ela ajudou a fundar no Brasil a Aliança Brasil para Soluções Baseadas na Natureza, que reúne os desenvolvedores de projetos de carbono florestais, da qual é presidente.
“Queremos manter a integridade desse mercado. Porque agora tem muita gente enxergando esse mercado como uma mina de ouro e chegam os ‘carbon cowboys’, como já aconteceu no passado.”