A Mata Atlântica agora tem seus próprios créditos de carbono

Reservas Votorantim e Eccon desenvolveram uma metodologia nova para medir serviços ambientais em toneladas de CO2 e acabam de colher primeira safra

A Reservas Votorantim e a Eccon acabam de colher a primeira safra de carbono gerado a partir de uma nova metodologia que mede serviços ambientais na Mata Atlântica
A A
A A

Uma metodologia inédita e 100% brasileira para a geração de créditos de carbono a partir da preservação de mata nativa acaba de render sua safra inaugural, como se diz no jargão do setor.

A colheita é resultado de um trabalho de três anos da Reservas Votorantim, empresa que desenvolve soluções de economia verde para o grupo da família Ermírio de Moraes, e a consultoria Eccon.

A notícia é relevante por alguns motivos. O primeiro deles é geográfico. Os créditos foram produzidos na Mata Atlântica, a milhares de quilômetros da floresta amazônica, de onde sai quase a totalidade dos créditos de proteção de florestas do país.

Mas uma característica ainda mais importante é o método de apuração.

Projetos que têm o objetivo de conservar a Amazônia (conhecidos pela sigla REDD+) lidam com o avanço do chamado arco do desmatamento, uma ameaça que vem de fora. Ou seja, é a preservação da floresta diante do risco iminente de derrubada e queimada para dar lugar a atividades econômicas, como a extração de madeira ou a agropecuária, que dá origem aos créditos. 

O novo sistema, batizado de PSA Carbonflor, não lida com esses riscos externos.

Seu princípio é medir o impacto de atividades realizadas pela própria floresta  para mitigar os efeitos da mudança climática e, assim, garantir a sua permanência.

Uma grande diferença, portanto, é que se aplica a áreas que não estão sob pressão de desmatamento, mas que têm um papel importante a cumprir para o equilíbrio climático.

A sigla PSA se refere a pagamento por serviços ambientais. Como qualquer outro crédito, o Carbono Plus (C+), nome da nova modalidade, corresponde a uma tonelada de CO2 estocada na biomassa. Mas o trabalho realizado para obtê-lo é diferente.

Isso significa “conservar nascentes, manter o curso dos rios e, é claro, controlar incêndios”, diz David Canassa, diretor da Reservas Votorantim. “Tudo isso já é fundamental hoje e será ainda mais importante no futuro da preservação.”

A ideia central da nova metodologia é remunerar os serviços ambientais que protegem a natureza da mudança do clima usando uma unidade existente e  amplamente comercializada – a tonelada de carbono.

O carbono da Mata Atlântica

Os 93,4 mil créditos C+ dessa primeira leva foram gerados em pouco menos de 22 mil hectares do Legado das Águas, área mantida pela Reservas Votorantim há décadas e a maior reserva privada da Mata Atlântica.

A estimativa é que o território todo possa gerar 1,7 milhão de créditos ao longo de 100 anos. O carbono está no radar da companhia há mais de dez anos, mas até agora não havia metodologias adequadas às particularidades da região.

“Precisávamos de uma solução para esse bioma, e uma solução compatível com a legislação brasileira e a riqueza da biodiversidade local”, afirma Yuri Rugai Marinho, CEO da Eccon.

A metodologia do PSA Carbonflor não é proprietária, afirma Marinho. O desenvolvimento envolveu várias partes interessadas no tema, de proprietários de terras a órgãos ambientais regionais, e o plano é publicá-la ainda esta semana.

Como é feita a conta

De 10% a 40% da biomassa florestal do planeta corre o risco de desaparecer mesmo que o aumento da temperatura global não passe de 1,5°C, afirma Canassa, citando dados do IPCC, o painel científico da ONU para mudanças climáticas.

O limite inferior dessa estimativa é a linha de base do PSA Carbonflor. Ou seja, da totalidade do CO2 estocado dentro de uma determinada área, 10% podem ser convertidos em créditos de carbono.

A abordagem conservadora foi deliberada. “Não queríamos reinventar nada e também queríamos afastar o fantasma da contagem inflacionada de créditos”, diz Marinho.

Este é um dos problemas associados a alguns projetos REDD+. O desenvolvedor da atividade de conservação também é responsável por determinar o nível de ameaça de desmatamento – o que tem relação direta com o potencial de geração de créditos.

Apesar de baseado em serviços ambientais, o C+ representa uma tonelada de dióxido de carbono que deixou de ser lançada na atmosfera.

A expectativa é que, no futuro, o valor desses outros atributos também seja reconhecido. “Quando [a empresa] tiver de reportar seus impactos de biodiversidade, de água, impacto social e assim por diante, isso já está medido”, diz Canassa.

Quem vai comprar?

Parte da primeira safra de créditos Carbono Plus será comprada pelo escritório de advocacia Pinheiro Neto para compensação das suas emissões de gases de efeito estufa.

Canassa diz não saber o que será feito do restante. A metodologia ainda não faz parte dos grandes programas independentes de certificação, como Verra e Gold Standard.

Ela será submetida para avaliação, mas uma aprovação pode demorar meses ou anos. A falta de uma opinião de terceira parte não é uma preocupação agora, diz o executivo.

Em primeiro lugar, ele menciona o fator novidade. “Queremos abrir o debate mais profundo a respeito da metodologia, mas também sobre a conservação de florestas no Brasil.”

Marinho, da Eccon, estima que as metodologias atuais (essencialmente do tipo REDD+) cobririam apenas 1% ou 2% do território.

Em outras palavras, faltariam mais ferramentas que possam direcionar dinheiro privado para atividades de preservação. “Não existiam perspectivas de aumentar esse número na escala necessária nos próximos anos.”

E tudo é voluntário no mercado de créditos de carbono, afirma Canassa. “Imagine o primeiro projeto de REDD feito no mundo. Também não existiam as certificadoras.”

O mercado regulado

Mas Reservas e Eccon miram numa oportunidade que vai além dessas transações motivadas pelos compromissos de descarbonização assumidos livremente pelas empresas.

O projeto de lei que cria o mercado regulado de carbono no Brasil vai impor limites de emissões a companhias que despejam muito CO2 na atmosfera.

Uma das maneiras previstas para cumprir com a regra – caso não seja possível reduzir as emissões diretamente – é o uso de créditos baseados na natureza.

A legislação ainda precisa ser aprovada, e os critérios para admissão dessas metodologias (além de eventuais limites para o volume de créditos aceitos no mercado) virão numa fase seguinte.

Com aço e cimento, dois dos setores que devem ser regulados logo de saída, o Grupo Votorantim não seria o comprador óbvio desses créditos?

Canassa diz que não. “Eles estarão à venda. Se as empresas do grupo quiserem, podem comprar, como qualquer outra.”