CARBONO

Como Pará e Tocantins viabilizaram os créditos de carbono jurisdicionais 

Programas que cobrem Estados inteiros estão prestes a gerar as primeiras receitas que têm o potencial de trazer recursos privados em grande escala para a conservação de florestas

Como Pará e Tocantins viabilizaram os créditos de carbono jurisdicionais 

Pará e Tocantins devem ser os primeiros a gerar créditos de carbono jurisdicionais no Brasil, uma modalidade de financiamento climático que tem o potencial de criar uma nova fonte de financiamento para a conservação da natureza.

As experiências foram apresentadas no evento “Mercados de Carbono: Presente e Futuro”, promovido pelo Reset nesta segunda-feira (16). O encontro foi patrocinado por Natura, Itaú, BRF Marfrig, Bradesco, Suzano, Banco ABC Brasil e Race to Belém. O evento faz parte do projeto COP30.

Nos programas jurisdicionais, levam-se em conta os resultados das políticas públicas adotadas no Estado todo, diferentemente dos projetos que cobrem áreas circunscritas, os mais comuns no país hoje.

Marcello Lelis, secretário de meio ambiente do Tocantins, afirma que o modelo está sendo crucial para “justificar” a conservação da floresta no Estado, onde a agenda ambiental na região tem pouco apoio. 

“Estamos na última fronteira agrícola do país. Então, esse é o nosso desafio. Nele, o REDD+ jurisdicional traz poder à pauta ambiental. No Estado do agronegócio, a área ambiental fala com uma voz pouco ouvida”, disse Lellis.

Tocantins firmou uma parceria público-privada com a gigante suíça de commodities energéticas Mercuria Energy Group, que fez os investimentos necessários para colocar o projeto de pé.

Nos próximos 20 dias, por exemplo, um novo sistema de análise de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) será instalado. Os aportes também permitiram uma reforma na Secretaria do Meio Ambiente.

No Tocantins, a expectativa é que a redução do desmatamento alcançada entre 2020 e 2024 já permita a emissão de 13 milhões de créditos, disse o secretário.

Pará

Em setembro passado, o Pará, que será sede da COP 30 neste ano de 2025, anunciou um acordo com compradores internacionais interessados na primeira “safra” de seus créditos de carbono jurisdicionais.

Participantes da Coalizão Leaf, grupo que reúne grandes multinacionais globais e governos como os do Reino Unido e da Noruega, vão adquirir 12 milhões de toneladas de carbono geradas pelo programa jurisdicionai do Estado. Cada uma deve ser negociada a US$ 15, num total que pode chegar a US$ 180 milhões.

“A gente não consegue alcançar desmatamento zero se não tiver uma fonte estável e com escala adequada de financiamento. Cada Estado vai ter sua realidade, mas o fato é que essa transformação econômica na mudança do uso da terra e de combate às ilegalidades não vai acontecer se eu não tiver uma fonte previsível de financiamento para as florestas”, afirmou Raul Romão, secretário de meio ambiente do Estado.

Segundo o secretário, o preparo jurídico para viabilizar os créditos exigiu reestruturações dentro do governo, com estudos que começaram em 2022. Para isso, o Pará conseguiu nos últimos anos um financiamento da iniciativa de apoio a projetos florestais do governo da Noruega, a NICIF.

“Já temos uma escala interessante, mas precisamos que todo o arranjo esteja pronto para que isso, de fato, aterrize, e os créditos sejam verificados, emitidos e de fato aconteça a comercialização”, diz Raul Romão.

“Perceba que, nesse modelo, eu tenho uma previsibilidade [de recursos financeiros], e isso gera incentivo para que eu reduza o desmatamento. Se tiver desmatamento e queimada, eu perco, além da biodiversidade e aumento do risco climático, eu perco dinheiro.”

Por todo o Brasil

A campanha Race to Belém, financiada pelo fundo suíço Silvania, quer expandir a adoção dos sistemas jurisdicionais no Brasil. O Silvania foi criado pela Mercuria, e o objetivo da iniciativa é replicar pelo país a experiência com Tocantins.

A Race to Belém tem R$ 550 milhões disponíveis para ajudar a criar mais programas jurisdicionais. “Os Estados precisam de capital para implementar as suas políticas públicas, e reduzir a sua degradação. Hoje, eles não têm recursos nos seus orçamentos para investir nessas políticas de redução de desmatamento ilegal. Então, o capital privado é uma virada de jogo”, afirmou Natália Renteria, diretora da campanha. 

Políticas de redução de desmatamento e de comando e controle já servem como incentivos negativos. A remuneração por esses serviços climáticos funciona como um incentivo positivo, disse Renteria.

Geração de renda

A receita das vendas dos créditos não entra no orçamento estadual. Ela vai para um fundo criado para receber esses recursos e devem ser compartilhada com os co-responsáveis pela redução do desmatamento, como comunidades indígenas e quilombolas,. 

Dos créditos gerados no Tocantins, 50% ficarão com o Estado, 25% serão destinados para financiamento do agronegócio e 25% para povos originários e agricultores familiares.

Os recursos são carimbados, afirmou Lellis, do Tocantins. O Estado, como o Pará, está na fase da realização de consultas para obter o consentimento das partes interessadas.

Para gerar créditos jurisdicionais, as toneladas de carbono evitadas são calculadas da seguinte forma: se um Estado desmatou em média 1 milhão de hectares ao ano, por exemplo, e garantiu uma redução de 40%, para 600 mil hectares, terá essa diferença convertida em toneladas de emissões evitadas – e créditos de carbono.