Como a Vale puxa a descarbonização de seus fornecedores

Com a iminência de novas exigências regulatórias, mineradora envolve centenas de parceiros para obter um retrato mais preciso de sua pegada completa de carbono

Operação da Vale em Paraupebas, Pará
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Sobre o Apoio

O desafio climático da Vale segue o padrão de grandes mineradoras – e da maioria das grandes empresas: 97,8% de suas emissões de gases de efeito estufa estão associadas a seus fornecedores e clientes, o chamado escopo 3

A gigante brasileira tem a meta de reduzir 15% dessas emissões até 2035, em comparação com 2018. Isso vai depender do envolvimento de sua cadeia de valor, e para isso a Vale dialoga com seus fornecedores desde 2020. 

O projeto é desenvolvido em parceria com o CDP (antigo Carbon Disclosure Project), organização internacional que administra o maior sistema mundial de divulgação de dados corporativos relativos ao carbono.

De um total de cerca de 800 companhias fornecedoras, 566 aderiram à iniciativa, inicialmente. Juntas, elas representam 30% do dispêndio global da Vale. As selecionadas não representam necessariamente as que têm maior peso em termos de carbono, mas produzem matérias-primas ou insumos críticos para o negócio.

Um exemplo é a distribuidora de combustíveis Vibra. A Vale é a maior consumidora individual de energia do país. Seus enormes caminhões de mineração e suas locomotivas queimam cerca de 1 bilhão de litros de óleo diesel por ano.  

“Estamos fazendo esse engajamento com empresas de todos os tamanhos. Desde a Vibra, uma companhia listada na bolsa, até uma empresa que transporta funcionários em Vitória”, diz Marco Braga, diretor global de suprimentos da Vale.

Essa diversidade faz com que as conversas tenham perfis diferentes: vão de um café com o dono a reuniões entre equipes de sustentabilidade. Mas o contato inicial costuma ter o mesmo objetivo: incentivar a divulgação das informações pelos parceiros.

Foco na medição

A primeira fase do projeto terminou no ano passado. Do começo deste ano até 2025, o objetivo é aprimorar a medição e os reportes desses parceiros. A ideia é avançar no grau de “maturidade” indicado pela metodologia do CDP.

Das 566 empresas-parceiras da primeira leva, 55% engajaram no programa e 14% receberam nota A ou B. Destas, 200 foram convidadas a continuar na segunda etapa – grupo no qual o engajamento sobe para 98% e as notas A ou B são atribuídas a 26%.

No caso de empresas do porte da Vale, é cada vez maior a pressão para a contabilização correta do impacto climático da cadeia de valor completa.

O novo padrão de reporte ISSB, que será obrigatório para as companhias brasileiras a partir de 2027, inclui a exigência de divulgação dos três escopos. 

Em maio, a União Europeia também aprovou uma legislação que inclui a obrigação de grandes empresas pertencentes ou com negócios relevantes no bloco a monitorar as práticas ambientais e de direitos humanos ao longo de sua cadeia.

“O que vemos hoje na União Europeia é reflexo de uma crença do que já se tinha no passado, de que cada vez mais você precisa entender a cadeia como parte do seu negócio”, diz Rodrigo Lauria, diretor de mudanças climáticas e carbono da Vale. 

Os 566 fornecedores que integraram a primeira fase do programa da Vale relataram uma redução de 350 milhões de toneladas de CO2 anuais, em média, nos três anos em que a iniciativa foi realizada.

Isso não significa, no entanto, que essa redução esteja diretamente atrelada aos produtos consumidos pela Vale e à sua carteira de emissões. O desafio é justamente ter em mãos os dados precisos atribuídos às compras da mineradora.

A dificuldade de calcular o escopo 3, que, dependendo do negócio, pode envolver milhares de fornecedores e clientes, é reconhecida – o próprio ISSB decidiu dar um ano extra para que a informação seja incluída nos relatórios.

Por outro lado, o poder de influência das grandes corporações globais sobre seus parceiros é considerado um motor essencial da descarbonização dos negócios. “Trabalhamos para atingir nossas metas de redução de emissões e também para trazer nossos fornecedores conosco nessa jornada de descarbonização”, afirma Braga.

A outra ponta

O custo do programa é “quase nenhum” diante de um retorno “espetacular” tanto na contabilidade de carbono quanto na reputação da Vale, diz Braga. 

O foco é no chamado “upstream”, ou nos produtos e serviços consumidos pela mineradora. Mas a maior parte do escopo 3 da Vale está no chamado “downstream” da cadeia de valor, ou seja, na etapa de consumo, que inclui logística de distribuição, processamento e uso de minérios como ferro, níquel e cobre.

A companhia afirma ter iniciativas que olham exclusivamente para a siderurgia. A transformação do minério de ferro em aço em altos-fornos é responsável por algo entre 7% e 8% de todo o carbono lançado na atmosfera.

Em relação ao transporte marítimo, a Vale diz investir em pesquisas que aumentem a eficiência no uso de combustíveis pelos navios cargueiros e a otimização da logística.

Os escopos 1 e 2, respectivamente o CO2 emitido em suas operações próprias e na geração da energia que consome, estão sob controle da empresa. A meta anunciada é obter uma redução de 33% dessas emissões até 2030

Planos para a eletrificação de maquinário e substituição do carvão por hidrogênio verde fazem parte do mapa estratégico dos próximos anos.