O governo do Amazonas anunciou no começo de maio os vencedores de uma licitação que autoriza o desenvolvimento de projetos de carbono em 11,9 milhões de hectares de terras públicas, a maior do tipo já realizada por um ente público.
A chamada incluiu 21 unidades de conservação, que serão exploradas por cinco companhias: BrCarbon, Carbonext, Ecosecurities, Future Carbon e Permian Serviços Ambientais.
O objetivo é implementar iniciativas que mantêm a floresta em pé, também conhecidas pela sigla REDD+. O governo espera uma geração de 163 milhões de créditos de CO2. Cada um deles corresponde a uma tonelada de gás carbônico que deixa de ser lançada na atmosfera pelo desmatamento evitado.
Os contratos terão duração de 30 anos. As companhias serão responsáveis pela elaboração e monitoramento dos projetos, pelo trâmite junto às entidades certificadoras e pela venda dos ativos.
“A iniciativa privada tem a experiência de fazer esses projetos de REDD+”, diz Janaina Dallan, CEO da Carbonext. “Temos a mão-de-obra qualificada, a tecnologia para fazer o monitoramento com imagens de satélite. As startups já estão muito avançadas nisso.”
O modelo não prevê o pagamento de outorgas, como numa concessão. As empresas ficam com 15% das receitas obtidas, e o Estado, com 85%.
O edital prevê que metade do dinheiro arrecadado pelo governo seja investido nas áreas geradoras dos créditos, e a outra vá para o Fundo Estadual de Mudanças Climáticas (Femucs), que atua em gestão ambiental e mantém o programa de pagamento por serviços ambientais Guardiões da Floresta.
A seleção
Os vencedores foram escolhidos de acordo com uma lista de critérios técnicos, que ao final geraram uma pontuação. De um total de 100 pontos possíveis, 30 eram referentes à experiência prévia da companhia, e 70 às propostas do projeto a ser realizado.
As companhias terão de realizar as consultas para obter o consentimento prévio das populações afetadas e conduzir os processos de auditoria e certificação necessários para a emissão dos créditos.
“Era um trabalhão para se inscrever. Você tinha que fazer o design quase completo do projeto. Se não ganhássemos, o investimento seria perdido”, afirma David Escaquete, diretor comercial da BrCarbon.
Além desse risco logo de saída, a divisão dos recursos também é menos interessante. Em empreendimentos realizados em propriedades privadas, as desenvolvedoras costumam ficar com 50% das receitas.
Mas existem contrapartidas interessantes para as companhias. Em primeiro lugar, as terras pertencem ao Estado. “É um território inquestionável. Ninguém vai falar de sobreposição com áreas públicas. Normalmente a gente perde meses e meses com a diligência fundiária [das propriedades privadas]”, afirma Dallan.
Outro aspecto é a escala. A porção do dinheiro que fica com as empresas pode ser menor, mas isso é compensado pelo tamanho das áreas e pelo potencial de geração de créditos.
A Carbonext venceu dois lotes: a Caverna do Maroaga e a Margem Direita do Rio Negro, ambas áreas de proteção ambiental. Somadas, elas cobrem um território de quase 600 mil hectares.
Isso corresponde a quase 30% dos 2,1 milhões de hectares em que a companhia trabalha hoje, em 22 projetos – e a Carbonext, com 14 anos de existência, é uma das veteranas do segmento.
Complexidade
A Ecosecurities ficou com três áreas, que somam 3,8 milhões de hectares. Mariama Vendramini, a responsável pela operação no Brasil, afirma que a empresa vai contar com o apoio de uma ONG local para realizar as atividades de conservação. “Sempre trabalhamos com parceiros. Não vamos fazer o show sozinhos.”
Escaquete, da BrCarbon, afirma que a companhia escolheu áreas próximas de projetos privados já em andamento, no Oeste do Amazonas. “Já conhecemos o território. Temos fluidez [no contato] com os órgãos públicos, com a logística e com os stakeholders.”
Depois de um ano de crise global no mercado de compensações voluntárias, a expectativa é de uma retomada. Iniciativas que pretendem dar mais integridade aos créditos começam a apresentar os primeiros resultados práticos, como o selo de qualidade CCP, e entidades como o Banco Mundial fazem parte do esforço para aumentar a escala do negócio da proteção e da restauração florestal.
Para lidar com a falta de pessoas especializadas, um problema já sentido no setor, a BrCarbon anunciou no início do mês a Universidade do Carbono.
O curso foi elaborado em parceria com o Instituto Pecege, uma instituição de pesquisas de Piracicaba (SP), e terá duração de 18 meses. “Uma maneira de fazer crescer nossa fatia no bolo é aumentar o bolo”, afirma Escaquete. “Temos que formar muita gente.”
Próximos passos
Ainda deve demorar um bom tempo até que sejam gerados os primeiros créditos de carbono nas áreas licitadas. O primeiro passo será a realização das consultas às populações locais, um processo conhecido pela sigla CLPI (consentimento livre, prévio e informado).
Dallan afirma que não é algo trivial. A companhia estima um investimento entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões nesta etapa. Além de ser uma das condições estabelecidas no edital, a anuência das comunidades afetadas é um item exigido pelos compradores de créditos.
Denúncias de exploração de populações locais publicadas na imprensa internacional nos últimos meses foram um dos motivos que causaram a crise de confiança no mercado voluntário.
O risco de associação com escândalos levou muitas companhias a pausar a compra de créditos de carbono para fazer a compensação de suas emissões de gases de efeito estufa.
O governo amazonense estima que 8.050 famílias, de 483 comunidades, serão beneficiadas diretamente pelo programa.
“Neste momento em que falamos do impacto das mudanças climáticas, temos que fazer com que o recurso chegue diretamente às populações vulneráveis, para melhorar infraestrutura, água, economia”, afirmou, em comunicado, Eduardo Taveira, secretário do Meio Ambiente do Estado.
Outro impacto positivo deve ser a capacitação de pessoas. “Em projetos nossos temos muita gente que nunca tinha tido um emprego na vida. Hoje elas trabalham nas brigadas de incêndio, na gestão dos recursos das cooperativas”, afirma Dallan.