O esforço do presidente americano Donald Trump de penalizar produtos importados com a aplicação de tarifas pode contar com uma nova ferramenta “verde”, algo inusitado para um governo que questiona as mudanças climáticas.
A política protecionista de Trump, principalmente contra a China, levou dois senadores republicanos a propor uma taxação sobre carbono de produtos importados com alta intensidade de emissões, num modelo similar ao que a Europa vai impor a partir de 2026. Entre eles estão aço, fertilizantes, cimento, energia solar e baterias, mas não combustíveis fósseis.
Bill Cassidy, da Louisiana, e Lindsey Graham, da Carolina do Sul, apresentaram em abril uma nova versão do seu “Foreign Pollution Fee Act”.
Trump e seus assessores econômicos defendem que os Estados Unidos precisam diminuir o déficit comercial em relação a outros países com o uso de tarifas, que também favoreceriam a indústria local e as receitas do governo.
Como a economia chinesa em grande parte ainda depende da queima de carvão, os produtos do país ficariam menos competitivos em relação aos americanos caso fosse adotada uma “tarifa de carbono”.
Carvão
A indústria americana usa principalmente o gás de xisto na indústria. Cálculos da Agência internacional de Energia mostram que o gás natural, do qual o xisto é similar, emite metade do volume de carbono na comparação com o carvão.
Pesquisadores do Belfer Center, da Universidade Harvard, estimam que o governo federal arrecadaria até US$ 40 bilhões por ano com a sobretaxa.
Apesar de o alvo ser a China, o Canadá seria o país mais afetado por uma eventual política do tipo, segundo estimativas dos pesquisadores de Harvard. O país vizinho é um grande fornecedor de aço e fertilizantes para os Estados Unidos, dois produtos que geram muitas emissões de gases de efeito estufa em sua fabricação.
Os pesquisadores afirmam que o mecanismo teria mais “credibilidade internacional” se envolvesse ajustes, como acontece na Europa. Na UE, a taxação sobre a intensidade de carbono nos importados é conhecida como Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM). Ela será aplicada às importações de ferro, aço, cimento, fertilizantes, hidrogênio e eletricidade, incluindo derivados.
Mercado de carbono
Todos estes itens já estão sujeitos às regras do mercado regulado de carbono do bloco. A ideia central do CBAM é evitar que as indústrias levem a produção para jurisdições em que não há cobrança sobre as emissões de carbono.
Os importadores terão de comprar certificados para compensar os gases de efeito estufa embutidos nas cargas que entram no continente, pagando um preço correspondente àquele que teriam de pagar se eles fossem produzidos na UE.
A fase de transição começou em 2023, obrigando que importadores declarem emissões de carbono embutidas nas cargas importadas, mas ainda sem cobrança de taxas. No início deste ano, as regras foram afrouxadas visando reduzir a burocracia. A partir de 2026 a taxa incidirá apenas sobre grandes importadores.
Apesar das críticas de Trump – e da extrema-direita global – às políticas regulatórias de incentivo à redução de emissões, a agenda anti-China poderia pesar e fazer o projeto de lei andar, segundo análise do jornal inglês Financial Times. Trump já atacou a China por poluir “com impunidade”.
Decisões judiciais contrárias às outras taxas impostas pela Casa Branca e o impacto sobre os vizinhos Canadá e México, com quem os Estados Unidos também têm déficit comercial, são outras razões para o apoio à proposta.
Segundo uma nota oficial no site do senador Bill Cassidy, a lei é defendida por uma série de organizações do setor industrial, como associações do aço, e ligadas à pauta climática. Entre elas estão a Climate Leadership Council, Cleaner Economy Coalition e Evangelical Environmental Network.
Brasil entre os mais afetados
Caso a taxa sobre carbono não envolva os ajustes de cálculo, como os feitos na União Europeia, os vizinhos Canadá e México deverão ser até mais afetados que a China, também conforme a pesquisa de Harvard.
O Canadá sofreria com uma taxação de US$ 11,1 bilhões, enquanto o México sofreria com US$ 3,79 bilhões. Logo depois vem o Brasil, com US$ 3,45 bilhões, e então a China, com US$ 3,39 bilhões.
No caso brasileiro, os produtos mais taxados seriam minério de ferro e aço, combustíveis fósseis e alumínio.
Já com um mecanismo de ajuste, a política interna de precificação no Canadá impediria que o país fosse sobretaxado. O preço do carbono foi definido em US$ 70 por tonelada no país, cobrado de grandes emissores que ultrapassem um teto.
Já na China, que tem um mercado regulado, o preço sobre o carbono gira em torno de US$ 10 por tonelada.
Outra sugestão dos pesquisadores de Harvard se refere à política interna americana. Os Estados Unidos deveriam adotar um mercado regulado de carbono com cobertura nacional para deixar o mecanismo de taxação de fronteira mais legítimo. No país, há apenas sistemas de comércio subnacionais, como o da Califórnia.
Para o centro de estudos Resources for the Future, a formatação inicial da lei teria um efeito pequeno nas emissões globais. Embora o carbono incorporado nas importações dos EUA diminuísse, isso seria compensado por uma reorganização do comércio global e por um aumento nas próprias emissões industriais americanas. Segundo o instituto, as indústrias afetadas continuariam a vender seus produtos em outros lugares.