Grande financiador de projetos na área de infraestrutura no país, o BNDES definiu que não dará mais crédito para usinas térmicas a carvão. O setor foi incluído formalmente na lista de exclusão do banco.
“Não financiaremos mais térmicas a carvão, independentemente da tecnologia empregada ou de qualquer outra coisa”, diz o diretor do BNDES, Bruno Aranha, em entrevista ao Reset, a primeira desde que assumiu a diretoria de crédito produtivo e socioambiental, recém-criada com o objetivo de colocar mais foco na agenda de desenvolvimento sustentável do banco e na transição para uma economia de baixo carbono.
Como consequência da exclusão das térmicas, projetos de mineração de carvão voltados a abastecê-las também deixam de ser elegíveis para crédito do banco a partir de agora.
Em 2016, sob o comando de Maria Silvia Bastos Marques, o banco ensaiou movimento nesse sentido, mas, na prática, isso não aconteceu. Agora, a nova diretriz foi incorporada formalmente à política operacional do BNDES.
O último projeto no setor a contar com crédito do banco foi o da implantação da térmica de Pampa Sul, da Engie, em 2018. O banco destinou R$ 728,9 milhões em recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
No fim do ano passado, a térmica emitiu uma debênture para refinanciar parte das dívidas contraídas para sua construção e neste ano foi colocada à venda como parte das metas da Engie de limpar totalmente sua matriz energética.
Colocar o carvão na lista foi um primeiro passo. “Estamos revisando nossa lista de exclusão, das atividades que não apoiamos financeiramente. O carvão foi a principal novidade até agora, mas estamos estudando outras possibilidades”, diz Aranha, que, além da nova diretoria, coordena um projeto para adequar a governança do banco à agenda ESG. “A ideia é que o BNDES esteja preparado e evoluindo sempre para ser um player relevante no desenvolvimento sustentável.”
O segmento de óleo e gás segue apto a receber recursos e Aranha diz que a política não se esgota em excluir os setores mais controversos.
“Acreditamos na indução de comportamentos, de revisitar e apoiar empresas para que elas modifiquem seus modelos de negócios, reduzam sua pegada, seja tendo acesso a energia renovável, economia circular.”
Por ora, a visibilidade do banco nas análises ainda se dá na esfera dos projetos, mas a ideia é evoluir para avaliar o risco socioambiental das empresas como um todo na hora de decidir a alocação dos recursos.
Rating e compromissos
Da porta para dentro, uma empresa de rating ESG independente, a Vigeo Eris, está contratada para fazer a avaliação do banco. “Além de usar o rating nas nossas captações, também dará um direcionamento do que está faltando, um grande mapa do que precisamos melhorar para caminhar internamente”, diz Aranha. O resultado será divulgado em breve.
Segundo Aranha, o banco está se estruturando para assumir compromissos de descarbonização de suas carteiras, tanto a de crédito quanto a de ações. Um primeiro passo será medir a pegada de carbono dos dois portfólios (o inventário de emissões diretas e indiretas, mas fácil de fazer do que o da carteira de negócios, já foi concluído para o exercício de 2020).
“Se considerarmos que 53% da carteira do banco hoje é ESG, qualitativamente, podemos dizer que estamos num bom caminho.”
O que ele chama de carteira ESG são os R$ 138 bilhões que ao final de 2020 estavam alocados em projetos que geram externalidades sociais ou ambientais positivas, como energia renovável, educação, saúde, saneamento, eficiência energética e gestão de resíduos. Só no ano passado foram destinados R$ 20 bilhões a esse tipo de projeto.
Na carteira de renda variável, o desinvestimento recente de empresas consideradas maduras também colabora para que a pegada ambiental do banco se torne mais positiva, embora esse não tenha sido o norte.
Foram vendidos papéis de setores emissores de gases de efeito estufa, como Vale, Petrobras e Marfrig. O BNDES também saiu de Suzano, empresa de papel e celulose que captura mais CO2 em suas florestas do que emite nas atividades ambientais.
“Com os recursos liberados, vamos apoiar mais projetos de saneamento e de energia limpa, portanto, a reciclagem do portfólio está contribuindo positivamente para nossa pegada.”
Sob o comando de Gustavo Montezano, o BNDES abandonou a política de apoiar a formação de campeões nacionais que marcou as gestões sob governos petistas e tem dado mais foco a empresas médias e pequenas, na economia verde e lançado diversas ações na área de impacto. Recentemente o banco anunciou a criação de três fundos de impacto socioambiental, de até R$ 800 milhões.
Dentro da diretoria liderada por Aranha ficaram todas as operações de crédito direto para o setor produtivo, o que inclui indústria, serviços e comércio. O financiamento à infraestrutura segue na diretoria comandada por Petrônio Duarte Cançado, que foi desmembrada para dar origem à nova área.
Parques e Amazônia
O banco está com uma agenda robusta na área de estruturação de concessões de parques nacionais e estaduais e recentemente recebeu mandato do Ministério da Agricultura para modelar a concessão de cinco florestas de áreas de conservação federais na região Norte, num total de 2,2 milhões de hectares, para que a iniciativa privada faça o manejo sustentável.
“É quase o dobro do que o Brasil já fez até hoje de concessão de florestas. E o banco está estruturando produtos de crédito específicos para financiar esses novos atores”, diz Aranha.
Aranha e Montezano têm feito uma peregrinação por Estados da Amazônia legal nos últimos meses. Já foram ao Pará, Amapá, Amazonas e Roraima e, quando conversou com a reportagem, na sexta, o diretor se preparava para embarcar para o Acre, onde passariam esta semana. A agenda incluía de visita a aldeias indígenas a reuniões com empresários locais.
“Eu aqui no Rio e o presidente em Brasília ficamos achando soluções que podem não ser as mais adequadas. É muito importante estar lá na ponta conhecendo a realidade.”
Segundo ele, as incursões fazem parte de um estudo de novas soluções de crédito específicas para a região, que hoje tem uma fatia na carteira do banco que não corresponde ao tamanho do seu PIB.
Uma das novas frentes de crédito será para estruturar cadeias produtivas regionais. Aranha cita como exemplo o manejo controlado do pirarucu e do tambaqui, no Amazonas.
“A riqueza gerada não fica na região. Quem financia a atividade é o atravessador. Agora estamos estudando as cadeias para ver onde agregamos mais valor”, diz, completando que também há conversas com bancos, cooperativas de crédito regionais e fintechs para que atuem na ponta com o repasse dos recursos.