COLUNA - ANA LUCI GRIZZI

Hora de aterrissar metas de clima e de natureza na economia brasileira

Setor privado e financeiro precisam trabalhar junto a governo para atrair capital e garantir cumprimento de metas nacionais

Hora de aterrissar metas de clima e de natureza na economia brasileira
A A
A A

Escrevo este artigo durante meu voo de retorno da COP16 de Cali, minha primeira COP de biodiversidade. Para quem trabalha com meio ambiente há mais de duas décadas, é inquietante pensar que a dimensão internacional desse tema sempre esteve na estratosfera, muito distante e sem qualquer conexão com a agenda corporativa brasileira na Terra. Felizmente, o cenário mudou.

Como as negociações continuam em andamento, meu foco aqui é avaliar tema prático, absolutamente essencial e que deveria ser agenda prioritária do Governo, do setor privado e do setor financeiro brasileiro.

As metas 15, 18 e 19 são hot topics na COP16, impondo aos setores privado e financeiro a avaliação e reporte de riscos, dependências e impactos de natureza. Aos governos, a atualização e reforma de incentivos e, a todos, o financiamento das estratégias e planos de ação nacionais para biodiversidade, as NBSAPs.

Nosso país está, neste momento, não apenas revisando e atualizando a NBSAP com as respectivas metas, mas também revisando nossas NDCs, as contribuições nacionalmente determinadas para a redução das emissões de CO2. Logo mais, teremos novas metas climáticas e de natureza, que cascatearão obrigações a todos os setores.

Aqui, o voo deveria pousar e embarcar novos passageiros, retomando seu curso com altitude reduzida. Discutir apenas as perspectivas ambientais com base científica, longe da realidade dos negócios e dos caminhos de atração de capital, não nos conduz ao cumprimento das metas. Para isso, precisamos do setor privado e, mais ainda, do setor financeiro.

Cash is king continua sendo uma expressão muitíssimo verdadeira, com fit perfeito para cumprimento de NDCs e NBSAP: temos que tornar ambas atrativas para investimentos e passíveis de financiamento.

Isso significa que elas precisam ser revisadas com base no conhecimento científico, mas temos que agregar a perspectiva do setor privado e do setor financeiro (mercado de capitais e instituições financeiras). A ciência nos indica o que e até quando precisa ser feito, o setor privado avalia como fazer e o setor financeiro cria os mecanismos adequados para tirar os planos do papel, tendo o governo como grande articulador dessa transição para economia de baixo carbono e circular.

Assim como temos rodízios de pilotos em voos transatlânticos, precisamos compartilhar o comando das discussões das metas climáticas e de natureza, de forma colaborativa (colaboração essa muito discutida em Cali e durante a semana do clima de Nova York).

Sei bem que ainda temos resistência de ambos os lados: alguns que torcem o nariz quando discutimos instrumentos de mercado – é só pensar em como estamos, nós mesmos, destruindo o valor do mercado voluntário de carbono brasileiro – e outros mirando nos supostos milhões a serem destravados com rótulos verdes, independentemente da qualidade e integridade do lastro ambiental. Se isso continuar, o avião cairá e todos sairemos perdendo.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMAMC) está a todo vapor com a elaboração do Plano Clima que se desdobrará em planos setoriais de adaptação e mitigação, assim como com a revisão da NBSAP e definição de metas. Nesse trabalho, a academia está envolvida desde o início para assistir com dados científicos e cenários e sabemos que haverá período de consulta pública em breve.

Porém, o setor privado e o setor financeiro não estão no mesmo ritmo.

Mesmo que tenhamos movimento do setor privado em andamento, seja para apresentar sugestões às NDCs ou à NBSAP e suas metas – e eu conheço apenas um – o envolvimento é restrito e a dedicação é apenas de times técnicos. Não temos a alta liderança executiva ciente que haverá impacto no bottom line no médio prazo ou o conselho de administração ciente que haverá impacto na geração de valor para o acionista no longo prazo, em que teremos uma grande mudança nos modelos de negócios.

Pelo setor financeiro, tanto bancos como mercado de capitais continuam estacionados nas discussões de mercado de carbono voluntário (já que o regulado continua encantado), com algumas avaliações ainda tímidas sobre potenciais novos ativos ambientais, a exemplo de créditos de biodiversidade. 

As instituições financeiras não estão sentadas lado a lado com o MMAMC para construir nossas metas climáticas e financeiras visando garantir que conseguiremos canalizar capital para seu cumprimento.

Se um dia as políticas públicas ambientais foram temas circunscritos àqueles que trabalhavam nessa área, hoje elas devem ser a diretriz de nosso desenvolvimento econômico. O setor privado e o setor financeiro precisam atuar de forma proativa e propositiva junto ao governo brasileiro.

Esta janela de oportunidade tem dias contados. É pegar ou largar.