Por que as empresas brasileiras estão em peso na COP da Biodiversidade?

Conferência na Colômbia marca 'virada de chave' no interesse do setor privado pelo tema; lista de companhias e bancos inclui Santander, Natura, Vale, Boticário, Banco do Brasil e Eletrobras

Por que as empresas brasileiras estão em peso na COP da Biodiversidade?
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A COP da Biodiversidade, em Cali, promete ser a maior de todas as edições, com recorde de participação ao longo das duas semanas. Ao todo, são esperadas entre 15 mil e 20 mil pessoas de todas as partes do mundo na conferência, que começou na segunda-feira, 21. Para além de governos e organizações da sociedade civil, o setor privado tem surpreendido pelo alto interesse nas negociações sobre natureza e biodiversidade. 

Os números são pequenos quando comparados aos das mais recentes edições da COP do Clima, em que as estimativas de presença giram em torno de 70 mil pessoas. Mas a forte presença do mundo corporativo e financeiro na COP16 é um sinal de que essa agenda, com seus riscos e oportunidades, está chamando a atenção. 

Na delegação do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne mais de 100 associadas, estão 42 empresas de 17 setores, representadas por 73 executivos e especialistas. 

“Na COP15, fomos com 11 empresas e com muito menos setores. Varejo, água, químicos e telefonia, por exemplo, não tinham participado”, diz Vanessa Pereira, coordenadora de biodiversidade do CEBDS. “Isso também reflete a mudança da percepção das empresas em incluir o olhar para a biodiversidade em suas estratégias de negócios.”

Re.green, Ambipar, Eletrobras, Engie, Rumo, Suzano, CCR, Natura e Boticário, por exemplo, estarão presentes. 

Entre os bancos, Santander, Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste e Banco Amazônia estarão representados na COP16. Os brasileiros são acompanhados por gigantes estrangeiros, como JPMorgan Chase e  Standard Chartered, que farão sua primeira participação na Conferência da Biodiversidade, além do Citi, Bank of America (BofA), HSBC e Deutsche Bank. 

A International Chamber of Commerce (ICC) chega com uma delegação global de mais de 100 executivos de empresas, incluindo Microsoft, Nestlé e Bayer – desses, 18 representam empresas do Brasil.

O objetivo do setor privado é dividido entre buscar entender impactos e dependências da natureza e pressionar para que as promessas feitas pelos governos caminhem em um tempo compatível com seus interesses e processos de adaptação. 

Existe outra explicação, afirma Leonardo Fleck, head de inovação sustentável do Santander Brasil. “Temos ouvido que tem muita gente do setor privado que está deixando de ir para a COP29 do Clima [que acontece no Azerbaijão, em novembro] para vir para a COP da Biodiversidade este ano.”

Executivos do BofA, BlackRock, Standard Chartered e Deutsche Bank estão entre os que devem pular a conferência do clima, segundo o Financial Times

A COP29 é considerada uma conferência “intermediária”, sem pontos de grande atenção na agenda. A expectativa é maior pela reunião do ano que vem, que acontece em Belém do Pará.

Além disso, uma crescente de movimentos, como coalizões empresariais internacionais pela conservação e a Task force on Nature-related Financial Disclosures (TNFD) – que quer incluir a natureza nos balanços financeiros –, vem ganhando força. 

O estopim, porém, foi a aprovação do Marco Global da Biodiversidade, apelidado de “Acordo de Paris da Natureza”, que trouxe pela primeira vez no papel a responsabilidade sobre esses atores de forma explícita. 

Pressão global

O Marco Global, firmado em 2022 por quase 200 países, traz 23 metas distintas para preservação e restauração da natureza.

Com uma linguagem mais aguada que muitos ativistas esperavam, a 15ª meta diz que governos devem “incentivar e facilitar” o monitoramento e divulgação periódicos dos impactos e dependências que empresas e instituições financeiras têm em relação à natureza, incluindo toda a cadeia de valor. 

“Essa meta ajuda a trazer um recorte para esse olhar [para alavancar uma transição econômica mais justa], principalmente porque é a primeira vez que temos num tratado internacional uma meta diretamente ligada apenas ao setor privado e aos governos”, diz Pereira. 

A premissa para o estabelecimento desse compromisso é que todos os negócios dependem de alguma maneira da biodiversidade, ainda que isso não seja contabilizado ou reconhecido por eles. Em alguns setores, como o de bebidas ou papel e celulose, as consequências da gestão de recursos hídricos ou do manejo do solo são mais evidentes. Já para o setor financeiro ou de comunicação, a relação indireta torna essa compreensão mais nebulosa. 

“A grande questão é definir o que o impacto sobre a biodiversidade, seja negativo ou positivo, significa para cada negócio”, diz Rodrigo Lima,  diretor da consultoria Agroicone.

A Natura foi uma das primeiras empresas a fazer esse exercício e a se comprometer com reportes específicos segundo os padrões da TNFD. “Espero que nesta COP, as empresas e o setor financeiro estejam mais presentes com um olhar que integra biodiversidade, natureza, clima e pessoas ao modelo de negócio. Acho que a expectativa é de amadurecimento nessa linha”, afirma Priscila Matta, gerente sênior de sustentabilidade da Natura para América Latina.

1 tonelada de biodiversidade?

Quando se fala de ferramentas de financiamento para a crise climática e do mercado de carbono, uma premissa é básica: uma tonelada de carbono emitida na China é equivalente a uma tonelada de carbono emitida no Brasil. 

Na natureza, não existe uma métrica comparável – e uma consequência disso é que criar instrumentos financeiros fica muito mais difícil. “Se eu tenho uma fazenda no Mato Grosso, que começa com o perfil do Cerrado e termina no perfil de Amazônia, como eu padronizo isso?”, questiona Maria Silvia Chicarino, head de riscos socioambientais do Santander Brasil. 

Um dos desafios do banco é entender como olhar para dentro de sua carteira, uma vez que os dados necessários dependem essencialmente dos clientes, observa Chicarino. 

“Nós estamos indo para explorar como outras instituições financeiras estão incorporando essa agenda da natureza, de que forma e em que velocidade. Também para entender como elas estão aproveitando a agenda de clima que já construíram para desenvolver essa frente”, diz Fleck.

Ambição em nível nacional

Para além da meta 15, que olha especialmente para empresas e bancos, o setor privado mundo afora terá que contribuir para que outras metas sejam atingidas. As metas 18 e 19, por exemplo, falam da reversão de US$ 500 bilhões em subsídios prejudiciais para a natureza e do repasse de US$ 200 bilhões por ano de economias desenvolvidas para as em desenvolvimento. 

A COP16 é a primeira reunião dos 196 países-signatários para debater a implementação das metas acordadas no Marco Global, e as corporações devem acompanhar de perto a definição de como os compromissos firmados serão alcançados. 

Nessa edição, também era esperada a entrega das Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs, na sigla em inglês) pelos Estados – mas mais de 80% não cumpriram o prazo, inclusive o Brasil

O CEBDS, que lidera o grupo do setor empresarial nas conversas com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), entregou ao governo recomendações e contribuições para cada uma das 23 metas, diz Pereira. A organização defende que o primeiro passo seja mapear quais empresas no Brasil já fazem relatórios de sustentabilidade para, só então, tratar especificamente da natureza. 

A ICC também publicou uma série de recomendações no desenvolvimento da NBSAP brasileira, como a necessidade de metas “ambiciosas, mas operacionalizáveis”. A falta de indicadores de biodiversidade no número crescente de taxonomias sustentáveis ao redor do mundo também foi destacada pela organização. 

“Essa lacuna traz desafios ao direcionamento de recursos sustentáveis a atividades cujo enfoque poderia estar alinhado à natureza e entendemos que o Brasil, ao incluir esses aspectos no desenvolvimento de sua própria Taxonomia Sustentável e reforçá-los nas negociações em Cali, pode incentivar uma melhor alocação de financiamento a atividades relacionadas à conservação e uso sustentável da biodiversidade”, escreve.