Cali, Colômbia – Direcionar US$ 200 bilhões por ano até o fim da década para a conservação e restauração da biodiversidade, como prometeram os países signatários da Convenção de Diversidade Biológica (CDB), vai exigir que o dinheiro venha de diferentes fontes. Em um dos temas mais quentes das negociações da COP16 da Biodiversidade, o setor privado tem muito a contribuir ao longo de várias metas firmadas no Marco Global da Biodiversidade.
É o que diz Irina Likhachova, líder de finanças para a biodiversidade e natureza da International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial focado no setor corporativo e financeiro. Com o recorde de US$ 56 bilhões investidos ao redor do mundo no ano fiscal de 2024, a agenda da IFC inclui o engajamento com bancos e empresas para usar as finanças para transformar o modelo econômico extrativista em regenerativo.
Funcionária de carreira na IFC, a executiva contribuiu com o desenvolvimento das estratégias da instituição para investimentos ESG e de impacto, cadeia de valor do agronegócio e geração de energia renovável. Há cinco anos, porém, voltou seu foco para a biodiversidade.
“Nós desenvolvemos, como comunidade, um entendimento e uma infraestrutura de mercado para finanças climáticas que agora beneficiam os investimentos em natureza, que estão andando muito mais rápido”, disse Likhachova ao Reset. “Eu digo que o financiamento para biodiversidade é o financiamento climático com esteróides. É um verdadeiro salto.”
Ainda assim, um dos desafios nessa frente é a falta de compreensão do mercado sobre quais investimentos se encaixam nessa categoria.
“Não é preciso convencer ninguém de que projetos de reflorestamento ou conservação são de financiamento da natureza. Mas é muito mais difícil de reconhecer da mesma forma um projeto para esgoto ou para mudança de rota de navios para que evitem a colisão com mamíferos”, exemplifica.
A reportagem conversou com Likhachova e Helena Dill, brasileira especialista em finanças sustentáveis na IFC que trabalha no mesmo time, no Museo La Tertulia, às margens do Rio Cali, que recebeu o World Biodiversity Summit – evento paralelo à COP16 – no sábado, 26.
Além da conservação
“Não dá para conservar nada de verdade apenas designando que aquela é uma área protegida”, diz Likhachova. Uma área de conservação de florestas pode enfrentar a chuva ácida ou uma área de proteção na costa marinha pode ser degradada por conta da poluição do esgoto, lixo não coletado ou o escoamento de fertilizantes, por exemplo.
“É preciso endereçar todas as pressões que são geradas pela atividade econômica. As finanças para a biodiversidade não são apenas sobre conservação, mas como transformamos a maneira em que plantamos alimentos, produzimos roupas, transportamos produtos e construímos os prédios em que vivemos. Tudo isso importa porque 90% da pressão sobre a biodiversidade vem da atividade econômica.”
Como investidora, a IFC divide os projetos de financiamento para biodiversidade em três grandes categorias: atividades que geram co-benefícios para a biodiversidade; investimentos que têm a conservação e/ou recuperação da biodiversidade como objetivo principal; e investimentos em soluções baseadas na natureza.
É na primeira delas que os investimentos do setor privado e financeiro devem se concentrar, afirma a executiva. “Essencialmente, é investir nos modelos econômicos já existentes, mas forçando a transformação para um modelo de produção diferente, que lide com os maiores vetores da perda de biodiversidade provocada por aquela atividade econômica.”
Um exemplo seria a transformação de uma fazenda do modelo atual para uma agricultura orgânica, ou a adoção de práticas que reduzam o uso de água e fertilizantes.
Projetos ligados a questões climáticas com soluções baseadas na natureza também podem se encaixar nas finanças para a natureza, uma vez que as mudanças climáticas são um dos principais fatores para a perda de biodiversidade no mundo.
Nessa frente, Likhachova reconhece os esforços do Brasil, próximo anfitrião da COP Clima, para conectar as duas agendas. “Por conta de seus recursos naturais e do papel da floresta Amazônica na mitigação das mudanças climáticas, o Brasil é um país perfeito para sediar a COP30 e reunir totalmente essas duas vertentes”, diz ela.
SBN na infraestrutura
Parte do trabalho da instituição é mostrar como as soluções baseadas na natureza podem ser uma solução para as empresas. A construção de pântanos artificiais, por exemplo, pode ajudar na purificação da água e na gestão de recursos hídricos sem que haja um tratamento químico para a remoção de poluentes.
“As pessoas não acham que a natureza é um negócio do setor privado, mas conforme vamos apresentando, as companhias percebem que muitas já estão fazendo essa transformação, mesmo sem saber”, afirma Helena Dill.
A IFC fez uma reunião a portas fechadas com cerca de 20 companhias brasileiras para apresentar a versão atualizada de seu Guia de Referência de Finanças para a Biodiversidade. O Brasil é o segundo país ao qual a carteira da IFC tem maior exposição, logo após a Índia.
O documento, revisto após a aprovação do Marco Global, traz exemplos de tipos de projetos aptos a receber financiamento para natureza e como cada um deles se conecta com as 23 metas do acordo e com a metodologia da Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), padrão de reporte de riscos da natureza.
“Nós reunimos em São Paulo nomes de diferentes setores, como energia, metais e bancos. Eles vieram aprender sobre o guia e como podem identificar em suas operações o que considerar como finanças para natureza”, diz Dill.
Na semana anterior ao início da COP16, a instituição também lançou um material complementar para apoiar as empresas na construção de métricas para o reporte de impacto.
Depois do verde
Uma das preocupações da IFC é que a inovação aconteça com instrumentos que já se tem nas mãos. “O importante para nós é que desenvolvamos soluções que estão disponíveis hoje no mercado e as escalemos agora”, diz Likhachova.
As finanças para a natureza não começam do zero. Tendo os princípios de dívidas sustentáveis como base, as instituições podem usar instrumentos que já conhecem, como empréstimos e títulos verdes – com recursos carimbados para os projetos – para colocar essas iniciativas em prática.
O próximo passo da IFC é trazer guias sobre como o mercado de finanças ligadas à sustentabilidade, como os sustainability-linked bonds (SLBs), também podem incluir a natureza nas operações.
Este ano, a IFC emitiu os primeiros títulos de dívida de biodiversidade do mundo, com foco na Colômbia. A primeira emissão foi em julho, com o BBVA Colombia, com a meta de captar US$ 70 milhões. Já a segunda, foi anunciada na última segunda-feira, 28, para levantar US$ 50 milhões junto ao banco colombiano Davivienda.
E os créditos da biodiversidade?
Na primeira semana da COP16, foram incontáveis os eventos paralelos que trataram dos créditos de biodiversidade, irmãos mais novos dos créditos de carbono. Por enquanto, são poucas as iniciativas ao redor do mundo que de fato geraram os biocréditos.
Ainda restam muitas dúvidas sobre as metodologias desse tipo de crédito e as possíveis aplicações. Diferentemente das compensações, os biocréditos seriam unidades negociáveis com um ganho positivo para a natureza. O assunto ganhou atenção especial desde a aprovação do Marco Global como uma possibilidade para reforçar o fluxo de recursos do setor privado para conservação.
Apesar do nome levar muitos a fazerem uma conexão com os créditos de carbono, o mercado da biodiversidade é bem mais incipiente. Até agora, foram comprados menos de US$ 1 milhão em biocréditos, de acordo com estimativas da Bloomberg NEF divulgadas na semana passada.
“Os biocréditos voluntários ainda estão bem longe de entregarem financiamento em grande escala. Há desafios de medição, verificação e reporte”, diz Likhachova, que representa a IFC na Iniciativa de Créditos de Biodiversidade no Fórum Econômico Mundial. “Por enquanto, é muito complexo e muito caro.”
A organização tem focado seus esforços no que pode gerar uma escalada dos investimentos na natureza de forma mais rápida. Likhachova, que também apoia a TNFD, observa que os parâmetros da IFC e da força tarefa são interoperáveis, mas com objetivos diferentes.
A TNFD mira que as empresas entendam qual o risco financeiro da natureza em suas operações, a partir de sua dependência e dos impactos que causam e, eventualmente, mudem para outras. “Nós estamos quase dando um atalho, dizendo: essas são as atividades que você pode fazer para avançar em direção a abordagens inteligentes em relação à natureza.”