Brasil apresenta novo plano para restaurar 12 milhões de hectares até 2030

Batizado de Planaveg, estratégia inclui governança e mecanismos financeiros para implementação das atividades; programa foi elaborado com participação do setor privado e de ONGs

Brasil apresenta novo plano para restaurar 12 milhões de hectares até 2030
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Cali – O governo brasileiro vai apresentar hoje a versão atualizada do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), principal ferramenta do país para alcançar a meta de ter 12 milhões de hectares em restauração até 2030 – compromisso voluntário feito durante a Conferência do Clima que resultou no Acordo de Paris, em 2015.

O lançamento oficial será feito na manhã desta segunda-feira na COP16, a Conferência da Biodiversidade que ocorre em Cali. A presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, está prevista na cerimônia em uma de suas primeiras participações durante o evento. A vinda do presidente Luiz Inácio da Silva também era esperada na Colômbia, mas foi cancelada após o acidente doméstico sofrido por ele. 

O anúncio na conferência não se dá à toa: o Planaveg conversa diretamente com a meta 2 do Marco Global da Biodiversidade, a “30×30”, que prevê a restauração de ao menos 30% de áreas terrestres, aquíferas e marinhas até o fim da década. 

Ele terá também papel relevante na Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade  (NBSAP, na sigla em inglês) brasileira, o compromisso do país com as metas do marco que ainda está sendo finalizado.

“Os 12 milhões são o fator quantitativo deste trabalho, mas o que importa mesmo é em que resulta a restauração desses 12 milhões de hectares. Isso vai provocar a conservação de biodiversidade, segurança hídrica, segurança climática e desenvolvimento socioeconômico”, diz ao Reset Fabiola Zerbini, diretora do departamento de florestas do MMA.

Em um país cujas emissões de CO2 se dão principalmente pelo desmatamento e pela atividade agropecuária, invariavelmente, a estratégia também tem papel relevante na contribuição do país com a luta contra a mudança do clima. 

Para Zerbini, que liderou o trabalho, o novo Planaveg é um importante marco do pensamento estratégico no qual as instituições se reconhecem e alinham melhor as suas ações em direção a um objetivo comum. 

O texto final foi aprovado uma semana antes do início da COP16, após um ano de elaboração. Diferentes ministérios, governos subnacionais, setor privado e ONGs participaram da construção do documento.

Passivo ambiental

O Brasil tem quase 23,8 milhões de hectares de passivo em imóveis rurais, assentamentos, unidades de conservação e territórios indígenas que, segundo o Código Florestal, precisam ser regularizados – ou seja, restaurados. 

O Planaveg teve sua primeira versão publicada em 2017, junto à publicação da Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Pronaveg). 

A nova versão do plano traz um capítulo mais robusto de governança, segundo Zerbini, e propõe os chamados arranjos de implementação, que listam os atores envolvidos em cada tipo de projeto, quais instrumentos podem ser utilizados e a interação entre eles. 

Esses arranjos foram divididos em três grandes grupos com a respectiva expectativa de como devem contribuir para a meta: áreas de preservação permanente e de reserva legal, com 9 milhões de hectares; áreas rurais de baixa produtividade, com 1 milhão de hectares; e áreas públicas, com 2 milhões de hectares.

Big Brother da Floresta

Mesmo com a política existindo há sete anos, ainda não há uma estimativa oficial de quanto da meta já foi alcançada. Essa é uma das condições para que haja clareza e seriedade na implementação do novo plano, diz Zerbini.

O governo federal quer criar uma plataforma de monitoramento da restauração, que se apoie em tecnologias de sensoriamento e expertises já desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

“Agora é fôlego total nisso”, afirma a diretora. “Na COP30, em Belém, devemos lançar a linha de base desses projetos. Faremos todo o esforço do mundo pra ter um sistema de monitoramento em pé que conte pra sociedade brasileira, daqui a um ano, onde estamos na meta.”

Mesmo sem um número oficial, a estimativa do Observatório da Restauração e Florestamento, iniciativa da Coalizão Clima, Floresta e Agricultura, é de que apenas cerca de 150 mil hectares foram restaurados no país nos últimos anos – a grande maioria deles, quase 120 mil hectares, na Mata Atlântica. 

Bioma mais degradado do Brasil, com cerca de 80% de sua vegetação original perdida, a Mata Atlântica é também onde se tem a maior expertise e o maior histórico na restauração, observa Rubens Benini, líder da estratégia de restauração florestal da TNC Brasil e representante da sociedade civil na comissão que construiu o Planaveg.

“Nós não temos uma cadeia tão estruturada de restauração nos nove Estados brasileiros da Amazônia, por exemplo. Precisamos fazer a restauração, claro, mas é urgente que paremos o desmatamento na Amazônia”, diz ele.

A Floresta Amazônica tem um passivo ambiental de 14 milhões de hectares, o equivalente a quase três vezes o território do Estado do Rio de Janeiro, sendo 72% em terras privadas. Com o avanço do desmatamento, o bioma se aproxima do ponto de não retorno (o tal “tipping point”), estágio em que a devastação provoca um colapso. 

Organizar a casa

Um dos primeiros projetos com base no plano atualizado pode ser aprovado ainda neste ano. As ONGs Internacionais Conservação Internacional, WRI, TNC e WWF se uniram e estão avançando com uma proposta para estrear uma nova linha do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), do Banco Mundial, para a restauração. As organizações estão no processo para captar US$ 17 milhões que devem garantir a restauração de 600 mil hectares e dar base a outros projetos subsequentes. 

“Nós estamos hoje em um contexto infinitamente mais apropriado e propício do que em 2017 [para colocar este plano em pé]”, diz Mauricio Bianco, vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil. Em um processo de restauração que não é linear, a área pequena reflorestada até agora não reflete o ritmo esperado para as novas diretrizes do Planaveg.

Para além do financiamento específico para a conservação, Bianco destaca o crescimento de empresas privadas que têm o reflorestamento como negócio. “Todo o avanço que elas fizerem na cadeia da restauração, que talvez seja o principal gargalo para que ela aconteça, vai servir também ao Planaveg. 

O setor privado aparece com diversas funções no plano, desde dono de terras até investidor e comprador. 

E quanto custa?

Restaurar é uma atividade cara. Cada hectare exige de R$ 15 mil a R$ 50 mil para o reflorestamento, a depender das técnicas usadas no processo. Mas, no Planaveg, parte de uma política pública, os valores trazem outra camada de complexidade. 

“O custo do Planaveg não é o custo do hectare versus a restauração por hectare. O custo do Planaveg é quanto custa implementar o Código Florestal”, diz Zerbini. “É importante que os arranjos e o olhar de financiamento da recuperação sejam colocados como um investimento, não custo, e de atração de recursos privados.”

O documento traz uma série de possibilidades de linhas de recursos, como a criação de um possível fundo garantidor, o fomento ao capital concessional, adequação de linhas de créditos, fortalecimento da integridade de créditos de carbono e novas emissões de dívida verde soberana. 

Ações paralelas, como a criação de uma taxonomia sustentável pelo Ministério da Fazenda e mudanças no Plano Safra, também fazem parte da estrutura de governança que deve permitir o fluxo de recursos. 

Cadeia da restauração

Comunidades tradicionais, agricultores familiares, povos indígenas e quilombolas foram reconhecidos como agentes econômicos durante o desenvolvimento do Planaveg.

Na prática, isso significa que haverá um trabalho para que os interessados em auxiliar na implementação dos projetos em seu entorno possam contribuir com a coleta de sementes, a manutenção de agroflorestas e viveiros, ou mesmo na venda de produtos fruto da bioeconomia. 

“Existe um projeto de desenvolvimento socioeconômico associado à cadeia da restauração, que torna esse um público central na política. E precisa ser. Eles não são beneficiários, mas sim agentes econômicos”, diz Zerbini. 

Benini, da TNC, observa que os trabalhos devem ocorrer concomitantemente para que haja mudas, sementes e mão de obra qualificada conforme a demanda desses projetos aumente. 

Vegetação secundária na conta

Há ações para o combate ao desmatamento, que é a vegetação primária, e para a restauração, quando a área está desmatada ou degradada. Mas e o que fica no meio do caminho?

A vegetação secundária é aquela vegetação primária que já foi desmatada e, depois, passou a se recuperar sozinha, em uma área abandonada, por exemplo. Existem métodos de recuperação natural assistida que são a forma com o melhor custo-benefício para que a terra seja restaurada.

Boa parte da meta dos 12 milhões de hectares deve se dar pela recuperação natural assistida, diz Zerbini.