
Um grupo indígena que chegou a ser considerado extinto e perdurou. Uma flor que virou símbolo nacional nos anos 60. Uma árvore exuberante, conhecida pela sua capacidade de adaptação e crescimento rápido. São eles os personagens principais de O Ipê-Amarelo e Emilia Karitiana, de Cristiane Tavares e Camila Carrossine, publicado em 2023 pelo selo Pingo de Luz, da Semente Editorial. Uma história sobre desmatamento e descaso com a biodiversidade e com o ecossistema, mas também sobre resiliência e esperança.
Se você procurar por Karitiana nas imagens de satélite de um mapa digital, vai se deparar com uma ilha verde retangular no noroeste de Rondônia. É um pedaço da Amazônia brasileira, localizado no município de Porto Velho, capital do Estado, demarcado e homologado entre 1976 e 1986, segundo o Programa Povos Indígenas no Brasil. Estima-se que nessa área habitem hoje 230 pessoas, de uma população Karitiana total de 450 (dados de 2021).
É lá onde acontece a história de amizade entre uma menina indígena e uma árvore. Uma karitiana e o Ipê-amarelo. Tudo corria bem, até que:
“Estranhos barulhos surgiram em meio àquela floresta úmida e fechada. Pelo tronco do imponente Ipê, vários animais iniciaram uma descida frenética, ninhos foram abandonados por pássaros aflitos…”
Este trecho, bem no comecinho do livro, me obrigou a parar a leitura e tomar fôlego. Ainda que o tema aqui seja o desmatamento, a frase me transportou automaticamente às guerras, às tragédias climáticas e às migrações forçadas por intolerância política, religiosa, fome ou insegurança de qualquer tipo. Quantos humanos não têm sido obrigados a sair às pressas de seus ninhos porque seu mundo veio abaixo? Quantas travessias materiais e simbólicas não enfrentam para recomeçar?
Encadeiam-se nesse “sair correndo” os sentimentos e as reflexões inerentes à ruptura. Quem estou deixando para trás? Por quanto tempo? Que buracos ficam? O que carrego comigo?
Depois, vem o reintegrar-se. A faca de dois gumes, onde de um lado está o famoso “juntar os caquinhos”, que acontece por dentro, e o eterno exercício de pertencimento à uma nova realidade, nova cidade, nova casa, nova cultura, o que quer que seja. Haja força e resiliência.
Esse caminho nem sempre é linear, muito menos sem solavancos. E chegamos ao óbvio que muitas vezes precisa ser lembrado: renascer, reinventar-se, resistir (sorrir, como diz Eunice Paiva em “Ainda Estou Aqui”) é transversal a infinitas temáticas. Uma obra infantil sobre desmatamento e esperança é capaz de desencadear um papo mais amplo e mais profundo sobre diversas questões.
O ipê da história virou poste na cidade. Mas decidiu que a mudança seria apenas externa. Pois assim, um dia, a menina poderia reconhecê-lo e o reencontro seria possível. No livro, você descobre como ele persistiu e o que aconteceu depois.
Tudo isso num país com nome de árvore. Dá ou não dá para ter esperança?
Sobre as autoras
Cristiane Tavares é professora, pedagoga e foi consultora educacional no Núcleo de Educação Ambiental do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Escreve livros e peças de teatro.
Camila Carrossine é ilustradora, escritora, diretora e produtora de animação. Sensibilizada pela história da amizade entre Emilia e o Ipê, usou água da chuva com aquarela nas pinturas e também carvão, buscando contraste visual e material entre a suavidade e a dureza dessa narrativa.