Quando a Apple partiu em busca de fornecedores de créditos de carbono, há três anos, a Symbiosis tinha o projeto certo, na hora certa, para oferecer a uma das maiores e mais admiradas empresas do mundo.
Àquela altura a startup brasileira de manejo sustentável de madeira nativas entrava em seu 13° ano de vida, depois de estudos, testes de laboratório e um piloto de 1.400 hectares plantados no sul da Bahia, perto de Trancoso.
Com um investimento de R$ 70 milhões até aqui, a Symbiosis criou um negócio 100% integrado para restaurar áreas degradadas com árvores de valor comercial.
A ideia é cortar periodicamente apenas parte das árvores, mantendo a paisagem e permitindo a recuperação da biodiversidade local. A receita virá principalmente dos metros cúbicos de madeira, mas também do estoque de carbono nas áreas plantadas.
“Agora estamos com o modelo comprovado, e com a entrada da Apple vamos escalar”, diz Bruno Mariani, CEO e fundador da empresa, que também tem como sócio José Roberto Marinho, da família que controla o Grupo Globo.
Foram 13 anos para chegar aos primeiros 1.400 hectares plantados. A partir de agora, o objetivo é plantar 1.500 por ano.
A empresa recebeu um aporte de valor não-revelado do Restore Fund, um fundo criado pela Apple que tem US$ 480 milhões para investir em soluções naturais que removam carbono da atmosfera.
O valor está dividido em dois veículos, e o investimento na Symbiosis veio do fundo batizado de Carbon Solutions Fund, que tem US$ 200 milhões e é administrado pelo Goldman Sachs. Com o aporte, a Apple passou a deter 49% da Symbiosis Florestal, criada abaixo da holding para abrigar o projeto.
A Apple estima que 25% das emissões de efeito estufa de sua cadeia de valor não podem ser reduzidas e precisarão ser neutralizadas com com créditos até 2030.
Pelo contrato, a gigante da tecnologia fica também com 49% dos créditos de carbono e tem prioridade para comprar os 51% restantes. Apesar de não haver exclusividade, a Symbiosis espera que o acordo seja estendido para realizar a meta de 50 mil hectares restaurados.
“A ideia é que a Apple acompanhe nosso crescimento daqui para a frente”, diz Mariani.
Inspiração
A história da Symbiosis começou em 2005, dois anos antes de Steve Jobs mostrar ao mundo o primeiro iPhone.
Mariani estava com 45 anos e tinha acabado de deixar o banco da família, o BBM. “Estava há 20 anos no banco, numa crise da meia idade, com filhos pequenos. Resolvi sair em busca de mais sentido.”
Passou a buscar atividades que reunissem propósito com oportunidades ligadas às mudanças climáticas. “Era muito claro para mim que teríamos que mudar o jeito de fazer negócios no mundo, ou a humanidade não teria futuro.”
Ele estudou opções em economia circular, em energia renovável e, finalmente, nas atividades hoje reunidas sob a expressão “soluções baseadas na natureza”, mas que na época não eram conhecidas assim.
O sucesso do setor de papel e celulose no Brasil era particularmente intrigante. Gigantes como Klabin e Suzano apostaram em melhoria genética e encurtaram dramaticamente o tempo de crescimento das árvores.
Produtores de madeira no Hemisfério Norte faziam o mesmo (apesar de o tempo de crescimento ser naturalmente mais longo). Não funcionaria com espécies nativas brasileiras?
Em uma comunidade indígena na fronteira do Acre com o Peru ele conheceu uma experiência de restauro bem-sucedida. Voltou ao Rio e procurou literatura científica. “É inacreditável, mas não existiam dados sobre a velocidade de crescimento numa escala grande e com medição precisa.”
Mariani procurou alguns investidores e apresentou a ideia de criar um laboratório a céu aberto. “Minha proposta foi: vamos fazer um piloto de 1.500 hectares para testar todo o processo, medir, auditar e ter certeza do custo de tudo. Vai demorar uns oito anos para sabermos tudo isso. Também coloquei meu capital e assim fizemos.”
Ponta a ponta
O negócio da Symbiosis começa na coleta das sementes e acaba numa serraria, que está sendo erguida – mas o que importa acontece entre essas duas pontas.
A empresa investe em melhoramento genético de espécies nativas da Mata Atlântica, como jacarandá, paraju, peroba rosa e louro pardo. “Estamos falando de seleção, recombinação, clonagem, para ter árvores selecionadas e mais produtivas”, diz Alan Batista, que é CFO da companhia e tem formação de engenheiro florestal.
O objetivo é aumentar a produtividade da madeira produzida e encurtar o ciclo de crescimento das plantas – que é longo.
“Hoje em nosso plano de negócios a gente trabalha com um ciclo de 30 anos [até a “colheita”]. A ideia é encurtar para 20”, afirma Batista. A inspiração é a indústria de celulose, com algumas diferenças importantes.
“No primeiro plano de negócios, achávamos que colheríamos as espécies consideradas acessórias em 20 anos e as nativas, em 30 anos. Hoje, sabemos que as acessórias podem ser colhidas em menos da metade do tempo, com 8 anos, e as nativas com 10, 12 anos. Somente algumas espécies mais raras levarão 20 anos”, completa Mariani.
A inspiração é a indústria de celulose, com algumas diferenças importantes.
A primeira é que as áreas cultivadas recebem espécies variadas – a empresa já testou 55 espécies e hoje está focada em 20 delas. A plantação é feita em linhas, como na agricultura tradicional, mas, com o crescimento das copas, a paisagem fica semelhante à original, segundo Batista.
O corte acontece continuamente. Diferentemente de uma floresta de pinus, que é plantada e derrubada de uma vez, no caso da Symbiosis as árvores são derrubadas conforme atingem o tamanho ideal.
Os primeiros 1.400 hectares foram plantados em 2011, e a produção será colhida só agora. “Enquanto o eucalipto leva 7 anos para crescer, nós levaremos 8, 10 anos e nossa madeira será muitas vezes mais valiosa, sem falar no impacto positivo para natureza e fauna”, diz Mariani, o CEO.
A Symbiosis está construindo uma serraria para fazer a pré-fabricação dos produtos que vai vender.
Uma das opções iniciais são ripas para fazer decks, para o mercado internacional. “É um produto caro, e tem a vantagem de gerar caixa em moeda forte”, diz o CFO.
Móveis de luxo são outro possível destino da madeira. Batista afirma que a empresa está conversando com marcas e designers já estabelecidos.
Créditos de carbono
A Apple está interessada nos créditos de carbono, mas Batista afirma que essa linha de receitas nunca foi uma prioridade no modelo da Symbiosis.
Quando a companhia foi criada, no fim da década passada, as transações de carbono no âmbito do Protocolo de Kyoto tinham entrado em colapso. A mentalidade sempre foi de “desenvolvedores de florestas”, segundo Batista.
Mas o aumento das metas net zero corporativas, junto com novas metodologias e processos, trouxe o mercado de compensações voluntárias de volta à vida no fim dos anos 2010.
O setor ainda atravessa dias turbulentos, com problemas de integridade e denúncias de fraudes, mas o modelo da Symbiosis tem um diferencial importante, segundo Batista.
“Garanto perpetuidade”, diz ele. “Como corto apenas uma parte [das árvores], meu estoque de carbono sempre se mantém numa média alta.” De qualquer forma, a empresa encara os créditos muito mais como um componente na estrutura de financiamento da operação do que como uma fonte de receita prioritária.
A recuperação da biodiversidade também pode ser um ativo futuro, afirma ele. “Estamos em um grande corredor ecológico, vários rios passam pelas nossas propriedades. Tem um fluxo genético bem interessante ali.”