OPINIÃO

Os 5 Ps do reflorestamento

Um checklist inspirado nos 4 Ps do marketing para garantir que a restauração equilibre benefício ambiental, demandas das populações locais e o retorno dos investidores

Mudas para reflorestamento
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Tive uma infância nada convencional na Guiana Francesa, crescendo em meio à destruição da floresta Amazônica. Meu pai trabalhava na indústria da mineração, e era comum tanto ouvir suas histórias sobre a degradação da área quanto vê-la eu mesmo, durante as muitas caminhadas com ele.

Sempre soube que aquelas áreas seriam restauradas após o esgotamento da mina, mas também sabia que levaria muito tempo cobrir de mudas uma extensão tão vasta e em local tão ermo.

Desde então, os avanços na ciência e nas tecnologias de restauração têm oferecido a possibilidade de dar larga escala a projetos de reflorestamento, acelerando o processo de recuperação ambiental. No entanto, estamos estagnados, muito aquém dos resultados possíveis com esses novos métodos.

A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que 1 bilhão de hectares necessitam ser recuperados até 2030. Mas, na velocidade dos esforços atuais, ínfimos 5% desse objetivo serão alcançados. Além disso, 45% dos novos projetos de reflorestamento são monoculturas que não contribuem com a biodiversidade, não sequestram carbono a longo prazo e não resultam em estabilidade do solo.

Ou seja, há um enorme caminho pela frente quando o assunto é recuperação de florestas ao redor do mundo.


Os 5 Ps

Muito embora tenhamos sinais esparsos de esperança, nos últimos meses surgiram projetos ditos de alta qualidade que oferecem uma oportunidade real de mudar o rumo dos acontecimentos. São iniciativas que procuram equilibrar os interesses ambientais, as necessidades das comunidades locais e as exigências econômicas dos investidores.

Tomando como inspiração os famosos 4 Ps do marketing, de Philip Kotler, proponho um checklist para uma nova abordagem da restauração – com um item adicional. São os 5 Ps do reflorestamento.

Cada um dos Ps deve ser analisado em profundidade para o sucesso da empreitada. A distinção vem com a mudança de ênfase: do consumo para a renovação ecológica.

  • Propósito: É crucial que os projetos de reflorestamento sejam orientados por objetivos ambiciosos e claramente definidos. Essas metas devem ir além da mera conformidade regulamentar para focar em uma transformação real, como o aumento da biodiversidade, a restauração dos serviços ecossistêmicos, a mitigação das mudanças climáticas e a promoção dos meios de subsistência das comunidades.
  • Praça: Os esforços de restauração devem ser adaptados aos seus ambientes específicos, tendo em conta as leis locais, os contextos ecológicos e o princípio da adicionalidade.

    No Brasil, por exemplo, uma tendência emergente envolve o início de projetos com documentação completa do histórico do terreno e pesquisas com os proprietários. Em outras palavras, por meio de banco de dados já disponíveis, procura-se checar cada detalhe, sendo que isso é feito por meio dos desenvolvedores do projeto, bem como pelos certificadores da iniciativa.

    É uma longa tarefa, que vai desde pesquisas sobre processos judiciais, passando pela verificação a respeito da posse da terra e se há alguma questão regulatória na propriedade-alvo. Também entram na rota de certificação os portais de governos, pesquisas judiciais e jurisprudência. Em suma, procura-se a correta informação, para que as questões legais sejam devidamente respeitadas.
  • Plantas: É crucial enfatizar a floresta em vez de focar apenas nas árvores. Projetos tradicionais de reflorestamento tendem a ignorar a importância de outras camadas de vegetação e de plantas do sub-bosque. Selecionar espécies nativas e complementares, variando de 10 a 30 espécies dependendo do caso, é essencial para promover a biodiversidade e a resiliência.

    Entende-se por sub-bosque a vida vegetal que cresce abaixo da copa das florestas, mas acima do solo. Nessa camada há uma variedade gigantesca de plantas, que inclui arbustos, árvores jovens (recém-plantadas, por exemplo), ervas, samambaias e outros.
  • Pessoas: O envolvimento da comunidade local é fundamental. Quando construído em colaboração com quem vive à sombra das florestas – e delas dependem –, o projeto permite a integração do conhecimento transmitido através das gerações, garantindo que as iniciativas sejam bem informadas e relevantes para as necessidades da população. Além disso, pode levar a outros projetos, liderados desta vez pelos moradores.
  • Precisão: Nos últimos anos, avanços tecnológicos significativos foram feitos para melhorar a precisão e a eficiência dos projetos. Isso inclui ampliação da capacidade de plantio, como a promovida com o uso de drones para dispersão de sementes.

    Melhorias nas técnicas de mapeamento de grandes áreas permitem estratégias de plantio adaptadas a sub-áreas tão pequenas quanto alguns metros quadrados, garantindo um cálculo exato do número e do tipo de sementes.

    Para completar, novidades em tecnologia de monitoramento permitem acompanhar o crescimento adequado da floresta em milhares de hectares. Ficou no passado a dificuldade de obtenção de informação por projetos de grande escala.

Trocando em miúdos, os quatros “Ps” de Kotler foram inspiradores na formatação dos “Ps” ligados ao reflorestamento. E ajudam na concepção do que falta percorrer nesse enorme caminho.

Faltando apenas seis anos para o fim da Década da Restauração das Nações Unidas, é hora de fazer um balanço. Apesar de continuarmos perdendo florestas a um ritmo de dez campos de futebol por minuto, acredito firmemente que um ponto de virada está ao nosso alcance.

Aos 27 anos de idade, me recuso a aceitar que a minha geração será a última a valorizar este vínculo íntimo com a floresta.

 
*Pascal Asselin é co-fundador da Morfo, startup franco-brasileira dedicada à restauração de ecossistemas florestais e uma das doze vencedoras do Trillion Trees Challenge do Fórum Econômico Mundial em Davos.